DJ Dolores e “A casta”

 DJ Dolores e “A casta”

Hélder Aragão, o DJ Dolores, levante debate sobre o Brasil. Foto: Fred Jordão

Para Hélder Aragão, toda obra de arte relevante provoca impactos na realidade, na sociedade

Por AD Luna

DJ Dolores & Orchestra Santa Massa foi uma das atrações da edição #46 do programa Interdependente – música e conhecimento, veiculada no dia 10 de junho de 2018. Hélder Aragão, o DJ Dolores, falou sobre a música ” A casta”. Também foram temas o lançamento do livro “Petrúcio Amorim – o poeta do forró”, e a LADAMA, banda internacional da qual a pernambucana Lara Klaus faz parte. Ela divide os palcos e estúdios com outras mulheres dos Estados Unidos, Venezuela e Colômbia. Também tivemos músicas de Thiago Hoover e Elza Soares.

Aproveitamos a entrevista de Dolores para gerar uma entrevista em texto. Nela, Hélder fala sobre a inspiração por trás da composição de “A casta”. Ela partiu da leitura que o DJ e produtor faz da sociedade brasileira – a qual, na visão dele, é dominada pelas mesmas famílias, os mesmos grupos sociais e econômicos. Essa elite é quem decide os rumos do país.

“E obviamente que não têm interesse em mudar nada. Por isso acabam fazendo parte do lado mais conservador da sociedade brasileira, o que representa um enorme atraso”, critica.

Ouça “DJ Dolores, Petrúcio Amorim, Ladama #46” no Spreaker.

Importância da leitura e narrativas mentirosas

Seja em livros, artigos e obras artísticas como “A casta”, temos visto um crescente movimento de questionamento a essa herança que a escravidão deixou. Por outro lado, há uma reação em contrário, conservadora, reacionária mesmo, que demonstra não querer que essas reflexões, críticas se espalhem. Entre essas duas tendências, quem estaria avançando, conquistando mais espaço nessa batalha de narrativas?

Para Hélder, quem está ganhando são aqueles que estão no comando da sociedade, de uma maneira mais ampla. “A história vai contar, vai falar sobre o passado da perspectiva de quem está mandando no presente. Isso é cíclico, é uma coisa que se repete”, reflete. Para entender o agora e os processos que construíram a realidade na qual vivemos atualmente, o músico ressalta a importância de cidadãos formarem seus próprios pontos de vista.

“Pra isso, é importante ler bastante, comparar as informações, fugir das interpretações dos outros e você mesmo tentar criar suas interpretações. Mas dá muito trabalho, né? (risos)”, pondera.

É dessa preguiça em ler e estudar que, na visão de Hélder, surgem narrativas mentirosas. Estas podem partir tanto por parte da elite conservadora, quanto de quem a combate.

“O slogan é uma coisa mais fácil de você absorver do que se dedicar, se debruçar sobre pilhas e pilhas de livros e formar sua opinião”, observa.

No cenário da música mainstream brasileira – aquela que abriga artistas mais ouvidos em plataformas de streaming e na programação de rádio comerciais -, praticamente não se encontra obras com a carga de crítica de músicas como “A casta”, de Dolores & Santa Massa, de artistas como Elza Soares, Emicida, Criolo, e em bandas do underground punk, hardcore e metal.

Arte e filosofia devem disseminar a incerteza e a dúvida

Para o DJ Dolores, toda obra de arte relevante provoca impactos na realidade, na sociedade. Isso abrange desde o brega funk com intenções mais comerciais e letras simples, até composições mais “cabeçudas” como as de Chico Buarque. “Acho que a característica mais interessante da obra de arte é que a explosão dela não tem controle, é meio randômico, você não sabe direito o que vai acontecer, como aquilo vai atingir as pessoas e como vai influenciá-las”.

A letra de “A casta” possui, para Hélder, caráter “levemente didático”, baseado na história do país. Ainda assim, ele faz ponderações. “É muito complicado você pegar uma obra qualquer, que tenha um caráter ativista e ela [se tornar] uma obra de arte bacana”, reflete.

E por quê? “A arte e a filosofia são campos da incerteza. Quando estamos militando por uma causa, a gente tem certeza que está no caminho certo. Acho que a arte e a filosofia não servem exatamente pra isso. Elas servem para deixar as pessoas perturbadas. E, inclusive, a própria certeza do criador.

Ao tomar como referência o momento atual do país, com as pessoas querendo se posicionar sobre todos os assuntos, Hélder afirma se deparar com obras que considera “horríveis, medonhas”. “Elas traduzem, talvez, a atividade política do criador. Mas, como obras de arte, são muito conservadoras porque perdem essa capacidade fundamental que é disseminar a incerteza, a dúvida”.

A casta

A casta disfarça a vergonha
Recontando a história
Avenidas tem seus nomes
Livros cantam sua glória

São sobrenomes pomposos
Em homens de fino trato
Cobrindo o rastro da infâmia
De gente com alma de rato

Golpistas, ladrões, traidores
Falsários, conspiradores
Donos da moral, cheios de razão
Pastores que pregam o Deus do cifrão

Joao Cândido já dizia
A comida é diferente
Marujo come do podre
Presunto é para os patentes

A casta é dona da bola
O campo, herdado do pai
O avô conquistou esse chão
Com sangue de índio e de negro na mão.

Acendam as luzes,
Abram as janelas
Olhe para o passado
E aprenda a escrever o futuro

Escolha seus heróis
Escolha a bravura dos homens e mulheres de Canudos
Escolha a dignidade do Almirante Negro
Escolha o canto de liberdade de Palmares
Escolha seu heróis
Escolha o sonho de Davi Yanomami
Escolha o canto dos maracatus cruzando canaviais
Escolha Tia Ciata, que embalou o samba no colo

Luiz Gonzaga, Jackson do Pandeiro, Clementina,
Suas vozes serão nosso consolo nos tempos difíceis.

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