Fantasia federal se aproxima do fanatismo religioso patológico

 Fantasia federal se aproxima do fanatismo religioso patológico

 

 

A Revista Questão de Ciência, veículo ligado ao instituto homônimo, dirigido pela doutora em microbiologia Natalia Pasternak, lançou o editorial “Terraplanismo pandêmico”, nesta sexta (15), a respeito da atuação do Governo Federal diante da pandemia da covid-19. Leia na íntegra.

A recusa do governo federal (e, ao que tudo indica, de boa parte da sociedade brasileira) em tratar a crise sanitária e humanitária que assola a cidade de Manaus com um mínimo de racionalidade seria um curioso caso de estudo em psicologia social e antropologia, não fosse a dimensão da tragédia causada por uma soma inacreditável de tolices.

Há quase um ano, publicávamos um artigo, em tom de choque e incredulidade, perguntando quantas vidas a preservação da vaidade de Jair Bolsonaro iria custar.

Nunca imaginamos que uma catástrofe de tamanhas proporções, em que falta até mesmo oxigênio para bebês prematuros. A arrogância estúpida e a negação da ciência matam crianças diante do olhar bovino e complacente de quem tem o dever – e nos referimos aqui tanto ao Legislativo, ao Judiciário, quanto aos órgãos representativos da classe médica – de pôr freios à insanidade.

Diz a lenda que a resposta da rainha Maria Antonieta à queixa de que o povo francês não tinha mais pão para comer – “que comam bolos” – precipitou a Queda da Bastilha e a Revolução Francesa.

É inacreditável que a resposta de Bolsonaro e de seu ordenança Eduardo Pazuello à notícia de que Manaus não tem mais oxigênio – “que tomem cloroquina” – não desencadeie algo semelhante.

No mundo de fantasia criado para que a sensibilidade frágil do Presidente da República não seja destroçada pela imagem real do que é seu governo, e do mal que causa ao povo que governa, o problema de Manaus e, de modo mais geral, do Brasil – onde o número de morres diárias causadas por COVID-19 rotineiramente supera mil – o único empecilho ao controle da pandemia é a ausência de adesão ao chamado “tratamento precoce”, uma lista de remédios cujo uso no contexto da pandemia carece de base científica, alguns cuja inutilidade contra o vírus já foi comprovada, promovido por terraplanistas da saúde.

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Nem mesmo a alegação de que falta “tratamento precoce” no Brasil se sustenta: a prática consta de protocolo do Ministério da Saúde, conta com o beneplácito do Conselho Federal de Medicina. É adotada por administrações municipais demagógicas e os remédios que a compõem são livremente receitados por médicos de norte a sul do país, para qualquer paciente que se queixe de febre ou coriza.

São, portanto, duas as mentiras que servem de pilar à narrativa oficial: primeira, a de que o “tratamento precoce” pode nos salvar da COVID-19; segunda, a de que ele só não nos salvou ainda porque não está sendo usado.

Nesse aspecto, a fantasia federal se aproxima, e talvez não por coincidência, das formas mais patológicas de fanatismo religioso: se estamos sendo punidos, é porque não rezamos; se rezamos e continuamos a ser punidos, é porque não rezamos o suficiente, ou de modo correto: talvez tenha faltado o zinco bento, ou ivermectina santa.

No projeto de transformar o Brasil numa espécie de caricatura de monarquia hereditária do Velho Testamento, a cloroquina substituiu o Senhor dos Exércitos. É de se imaginar o que os verdadeiros devotos pensam dessa idolatria desvairada.

As saídas reais para o caos – medidas de distanciamento sociallockdowns estratégicos, vacinação – seguem sendo sabotadas pelo Presidente da República e por aqueles que subscrevem a seu culto.

O mais próximo que Jair Bolsonaro chegou, até agora, de tomar uma atitude potencialmente útil para proteger brasileiros da COVID-19 foi mendigar doses de vacina junto ao governo indiano – humilhação de que poderia ter sido poupado com um pouco de prevenção, humildade, inteligência e respeito por cientistas de verdade.

Terraplanismo sanitário custa vidas; e cobra sua conta de modo cruel, sofrido, doloroso. Se nem o choque da tragédia manauara é capaz de fazer estourar a bolha de vaidade e autoengano que envolve os responsáveis, ou perfurar a complacência dos que lhes garantem a impunidade, então o Brasil deixará de ser um país onde se vive e passará a ser um pária entre as nações: um país ao qual se sobrevive.

SUGESTÃO DE LEITURA

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Ciência no cotidiano: Viva a razão. Abaixo a ignorância!

De Carlos Orsi e Natalia Pasterna

O simples fato de vivermos no século XXI já nos faz beneficiários da ciência e dos seus frutos, mesmo que a gente não se dê conta dessa verdade.

Os objetos que nos dão conforto, que nos dão prazer, que nos transportam, que nos emocionam, que nos informam (até este livro) só existem da forma como existem por conta dos conhecimentos científicos.

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