Solarpunk: o subgênero da ficção científica que aborda questões climáticas e ecológicas

 Solarpunk: o subgênero da ficção científica que aborda questões climáticas e ecológicas

“Jardins à Beira da Baía”. Parque natural futurista localizado em Singapura, Ásia. Foto: Sergio Sala

Solarpunk é um subgênero da ficção científica que foca em soluções sustentáveis para questões climáticas e ecológicas, propondo futuros alternativos baseados na harmonia com o meio ambiente

Por AD Luna
Colaboração: Eduardo Duarte*

A ficção científica possui vários subgêneros. Dentre eles, o cyberpunk, o steampunk… E o solarpunk, você já ouviu falar? Na edição de número 59, do InterD – ciência e cultura, nós conversamos Fábio Fernandes a respeito do tema. Jornalista de formação, ele é também tradutor, escritor e professor. Com uma carreira marcada pela multiplicidade de projetos, Fernandes é autor de 19 livros, sendo o mais recente o romance steampunk O Torneio de Sombras” (compre aqui).

Ao final desta matéria, você pode ouvir a entrevista na íntegra. Mas se quiser conferir o programa inteiro, clique aqui. Nessa edição, além do duo francês Air, tocamos, a pedido de Fábio, sons do Sons of Raphael, Baroque Bordello, e Deep Forest e Peter Gabriel.

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Como tradutor, Fábio Fernandes já verteu para o português cerca de 120 obras, entre livros e graphic novels, incluindo títulos icônicos como Neuromancer, de William Gibson, 2001: Uma Odisseia no Espaço, de Arthur C. Clarke, Fundação, de Isaac Asimov, e Laranja Mecânica”, de Anthony Burgess, entre muitos outros. Atualmente, ele leciona no curso de Jornalismo da PUC-SP, onde compartilha sua experiência com novas gerações de comunicadores.

“O solarpunk talvez seja o mais novo entre os subgêneros da ficção científica que levam o sufixo ‘punk’“, explica Fábio. Ele lembra que tudo começou com o cyberpunk, nos anos 1980, seguido pouco depois pelo steampunk, ainda naquela década. O solarpunk, no entanto, apesar de mais recente como movimento organizado, tem raízes mais profundas: “Na verdade, suas origens estão na chamada ficção científica ecológica, que já existia nos anos 1960 e 1970.”

Fábio cita autores como J. G. Ballard, que nos anos 1950 e 1960 escreveu obras centradas em catástrofes climáticas, como precursores desse pensamento. A partir dos anos 1980 e 1990, Kim Stanley Robinson se destacou ao escrever sobre mudanças climáticas e o que hoje se conhece como Antropoceno — termo que ainda não era usado na época. Para Fernandes, Ursula K. Le Guin também tem um papel fundamental nesse cenário: “Embora nem todos os livros dela sejam centrados na ecologia, esse tema está sempre presente de forma profunda. Um exemplo claro é Floresta é o nome do mundo, no qual a relação com a natureza é central”.

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Fábio Fernandes com um dos clássicos que traduziu. Acervo pessoal

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Segundo o escritor, o solarpunk pode ser visto como uma evolução dessa tradição literária, mas com um foco mais propositivo: “É uma adaptação da ficção científica climática e ecológica para falar de soluções alternativas, de sustentabilidade. Podemos dizer que o solarpunk é uma espécie de ficção científica sustentável.”

O Brasil teve um papel pioneiro nesse movimento. “Fomos um dos primeiros países a publicar uma coletânea com o nome “Solarpunk”. Ela é considerada, inclusive por americanos e europeus, a primeira antologia com esse título oficial”, afirma Fábio. “Tive a oportunidade de traduzir essa obra para o inglês. Não há contos meus nela, mas a tradução foi muito bem recebida internacionalmente.”

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Desde então, o gênero tem se espalhado por diversas partes do mundo. Países como Estados Unidos e Itália têm produzido cada vez mais obras solarpunk — e Fábio destaca o trabalho do editor italiano Francesco Verso, que tem promovido autores do mundo inteiro e dado destaque a narrativas focadas em sustentabilidade e diversidade. “Há muita produção também na Índia e na China, e acredito que hoje os países dos BRICS estejam até mais ativos nesse campo do que os Estados Unidos e Europa Ocidental”, conclui.

Para ele, o solarpunk é um dos subgêneros mais instigantes da ficção científica contemporânea — não apenas por suas propostas estéticas e temáticas, mas pela forma como aborda o conflito, elemento central em qualquer narrativa.

Conflito e utopia: as diferenças entre o solarpunk e outros subgêneros da ficção científica

O solarpunk tem tanto conflito quanto qualquer outro subgênero da ficção científica”, afirma. A diferença, segundo ele, está no vetor desse conflito. Enquanto no cyberpunk o embate costuma ser direto, no estilo “Davi contra Golias” — com pequenos hackers enfrentando grandes corporações — e no steampunk há confrontos dentro de cenários alternativos do século 19, o solarpunk apresenta uma tensão mais madura e estrutural, voltada à busca de soluções sustentáveis em tempos de crise ambiental.

Fernandes destaca que, no steampunk, os antagonistas são frequentemente versões fantásticas de governos imperiais ou inimigos reinventados da história real. “Em meu romance O Torneio de Sombras, por exemplo, brinco com A Guerra dos Mundos, de H.G. Wells, trazendo esse cenário para uma narrativa em que o inimigo pode ser alienígena ou vir de outras épocas, com elementos como viagem no tempo, muito comuns no steampunk”, explica.

Já o solarpunk trabalha com um mundo em que a humanidade ainda não está em harmonia com o meio ambiente, mas sim tentando estabelecer um equilíbrio delicado. “O conflito imediato do solarpunk é prático: como resolver um problema ecológico agora? Pode envolver o enfrentamento com governos ou corporações que não priorizam a ecologia, mas a perspectiva é de construção, não de ruína”, analisa.

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“Solarpunk: Histórias Ecológicas e Fantásticas em Um Mundo Sustentável”. Coletânea de contos brasileira

Utopia logística

O cyberpunk representa um futuro pessimista, onde não há espaço para reconstrução — “é essencialmente punk, no sentido de resistir à destruição e preservar as ruínas”. O solarpunk, por outro lado, carrega uma proposta utópica, mas não ingênua. “Ele é inerentemente utópico, mas lida com a realidade. Gosto de usar o termo utopia logística nas minhas pesquisas acadêmicas. É uma utopia em que os problemas precisam ser resolvidos conforme surgem, sem esperar por soluções mágicas ou por uma salvação tecnológica.”

Essa abordagem, segundo ele, evita as chamadas “fantasias de poder adolescente” — visões idealizadas em que a tecnologia resolve todos os problemas da humanidade de forma automática. “O solarpunk pergunta: o que precisamos fazer agora? Como, por exemplo, desalinizar a água do mar para torná-la potável para quem precisa? Esse tipo de questão é central no gênero.”

Fábio cita os livros de Kim Stanley Robinson como exemplo de como o solarpunk pode unir engenharia, ecologia e política. “Em muitos casos, a solução de um problema depende tanto de tecnologia quanto de viabilidade política. Às vezes, o conflito está em conseguir a liberação de um recurso, e isso exige negociação, compreensão do sistema e ação prática.”

Para ele, essa visão torna o solarpunk um subgênero profundamente conectado com o presente: uma ficção científica que não espera o futuro, mas propõe ações concretas para o agora.

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Solarpunk “agora”? Boulevard do Aeroporto Jewel Changi, Singapura
Foto: Arvin Putra Pratama

Solarpunk: movimento literário ou tendência estética? 

Apesar de crescente no cenário global da ficção científica, o solarpunk ainda não se consolidou como um movimento estruturado, segundo o professor, escritor e tradutor. Diferente do cyberpunk, que contou com um manifesto assinado por Bruce Sterling na antologia Mirror Shades (1976), ou do steampunk, que teve sua identidade moldada por entrevistas e declarações de autores como K.W. Jeter, James Blaylock e Michael Moorcock, o solarpunk não possui um texto fundador ou um consenso coletivo sobre seus princípios.

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“Como aprendi a amar o futuro: Contos solarpunk”. Ken Liu

“O solarpunk não tem manifesto. O que existe são grupos dispersos que se reconhecem dentro do subgênero, muitas vezes a partir da própria produção literária”, afirma Fernandes. Para ele, o gênero surgiu de forma descentralizada, sem um editor ou veículo específico que o consagrasse. “Provavelmente o termo foi criado nos Estados Unidos, mas a primeira antologia do Ocidente surgiu no Brasil, organizada por Gerson Lodi-Ribeiro, no Rio de Janeiro”, relembra.

Enquanto o steampunk já conta com conselhos organizados — inclusive no Brasil, onde realiza eventos como o encontro anual em Paranapiacaba (SP) — o solarpunk ainda não atingiu o mesmo grau de articulação institucional. “No Brasil, o steampunk tem uma cena forte, com escritores, makers e artistas. Já o solarpunk é mais uma rede de afinidades, com autores e pesquisadores que se reconhecem pela ficção científica”, explica.

Fernandes menciona a iniciativa Jugendstil, da Alemanha, como um dos poucos coletivos internacionais que se posicionam explicitamente como solarpunks. Outros exemplos vêm da Dinamarca, onde grupos acadêmicos investigam o subgênero, e do Brasil, que tem ganhado espaço com nomes como Ana Rüsche, Jorge Amaral, Edgar Franco, Alfredo Suppia e o próprio Fernandes, que atua na PUC-SP com o Observatório do Futuro, onde pesquisa utopias logísticas dentro da ficção científica.

Ele observa que muitos brasileiros desconhecem o que está sendo feito fora do país por conta da baixa quantidade de traduções disponíveis. “Há muita coisa boa sendo traduzida, mas ainda é pouco diante do que é produzido lá fora”, comenta.

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“Solarpunk: Short Stories from Many Futures”. Francesco Verso

Autores como Francesco Verso (Itália), Paolo Bacigalupi (EUA) e Ken Liu (EUA, de ascendência chinesa) são citados como referências internacionais. No Brasil, Fernandes destaca o surgimento de movimentos híbridos que se aproximam do solarpunk, mas com identidade própria, como o amazofuturismo e o sertãopunk.

“Esses movimentos têm caráter regional e político, com escritores que incorporam elementos do solarpunk e do cyberpunk em contextos brasileiros. O sertãopunk, por exemplo, foi criado por Gegê Diniz, e obras como a graphic novel ‘Cangaço Overdrive’ mostram como essa produção está em expansão”, explica.

Para Fernandes, a estética ‘punk’ continua sendo um rótulo útil para identificar tendências de crítica e resistência dentro da ficção científica. “Depois do cyberpunk, virou quase uma festa. Mas no caso do solarpunk, faz todo sentido. Ele propõe uma utopia concreta, onde as soluções precisam ser criadas no presente. E isso exige criatividade, política, tecnologia e ação coletiva”.

*Professor titular do Dept. de Comunicação Social da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE)

 

OUÇA A ENTREVISTA NA ÍNTEGRA

Ouça “”Ficção científica: o que é o solarpunk, com Fábio Fernandes” #59″ no Spreaker.

 

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