Violência faz parte da essência cristã, diz pastor evangélico

 Violência faz parte da essência cristã, diz pastor evangélico

O pastor carioca Alexandre Cabral. Foto: Reprodução/YouTube

“O cristão e sua fé devem ser medidos pelo modo como se relaciona com o outro e não pelo modo como ele diz que acredita ou que formalmente define os termos das suas crenças”, pastor Alexandre Cabral

Por AD Luna

Em julho de 2016, na estreia do programa Interdependente – música e conhecimento na internet, conversei com Alexandre Cabral. Pastor presbiteriano que não tem medo de reconhecer os erros cometidos no passado e no presente pelo cristianismo. Na entrevista, Cabral trata da desconexão entre os ensinamentos de Jesus e as palavras e atitudes daqueles que se dizem seguidores dele.

Na parte musical, sons escolhidos pelo próprio pastor carioca, colaborador da Igreja Reformada Ecumênica. A saber, “Geni e o zepelin”, de Chico Buarque e “Gita”, de Raul Seixas e Paulo Coelho. Aproveitando esse gancho da obra do Raulzito, o Interdependente aborda o Bhagavad Gita, um dos mais belos textos da tradição espiritual da Índia.

Ouça o programa e a entrevista na íntegra

Trechos transcritos da entrevista

INTOLERÂNCIA CRISTÃ, BANCADA EVANGÉLICA

Não deixa de causar estranheza o fato de assistirmos a lideranças e pessoas comuns que se dizem cristãs apoiarem tudo o que, aparentemente, contradiz as palavras e ações de Jesus. É gente com discurso de ódio, praticando agressões contra homossexuais, defendendo o tal do bandido bom é bandido morto, entre outras atrocidades. Isso é cristianismo, pastor?

De certo modo, o que você tem é uma cultura de rebanho, que quer produzir réplicas de seus valores, que são por si sós narcísicos, já que cada um quer ver no outro sua própria face. Consequentemente, o cristianismo é intolerante por nascença, porque ele afirma o seu deus, no século segundo em diante, da era cristã, sempre negando outras possibilidades de compreensão do significado do sagrado.

Na verdade, o deus cristão, que se tornou o deus hegemônico, pressupõe um deicídio, o assassinato de outras possíveis compreensões da palavra Deus ou das múltiplas expressões do sagrado. Isso se reflete na relação entre igreja e sociedade. A igreja não quer só ter um espaço para si como quer que não haja outros espaços que não expressem as suas compreensões (da igreja) da vida e modos de ser.

Isso está se refletindo diretamente, hoje, nos fundamentalismos cristãos no mundo inteiro. Sobretudo no Brasil, com a bancada evangélica, com as intolerâncias com as tradições afro-brasileiras, com as múltiplas expressões da sexualidade, como os grupos LGBTs, como outras possibilidades de vida em família, como a expressão do poliamor.

Na verdade, a violência faz parte da essência cristã. Com certeza não da mensagem de Jesus de Nazaré, mas da interpretação e da institucionalização dessa mensagem.

BÍBLIA E HOMOSSEXUALIDADE, INTOLERÂNCIA, TEOLOGIA DA PROSPERIDADE

Coisa bastante curiosa é o modo como certos pastores e fieis se utilizam da Bíblia. Quando é para estimular o discurso de aversão aos homossexuais, usam-se de maneira literal trechos do Deuteronômio, por exemplo. Mas e aquela parte na qual Jesus diz que se deve abandonar a riqueza e entregar tudo aos pobres? Ninguém quer seguir ao pé da letra. Como se explica isso?

A sua pergunta é muito boa, da seletividade dos textos bíblicos para legitimidade de certas causas eclesiásticas ou comunitárias. A sexofobia é um sintoma historicamente construído com finalidades ideológicas as mais diversas. Seja para manutenção do masculinismo no comando das instituições cristãs e o rebaixamento da mulher com práticas misóginas e de discursos extremamente discriminatórios (…).

Ao mesmo tempo, você tem uma desfaçatez de tornar invisíveis questões sociais muito graves que afetam não somente a minha relação com meus prazeres, mas as condições históricas de convivência humana como se elas não fossem o eixo da preocupação da fé cristã (…).

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Pela teologia da prosperidade, que é de origem evangélica, (nascida) no início do século 20, sobretudo na segunda metade, e o vínculo que ela tem com o modo de produção capitalista, o que acaba (acontecendo) é que você legitima biblicamente a livre iniciativa, o lucro, a abundância material e não nota que, em vários textos dos evangelhos, a figura de Jesus aparece como aquele que é pobre. Que não é só pobre no sentido metafórico, era aquele que era despossuído.

Diz o texto bíblico que Jesus não tinha onde inclinar a cabeça. É assim que ele fala a alguém que estava querendo segui-lo. Consequentemente, esse ato de abrir mão do desejo de posse e da produtividade incessante, que coordena de certo modo as culturas desse mundo globalizado são colocadas em xeque pelas práticas cristãs.

O tipo de amorosidade pregada por Jesus, que é uma amorosidade incondicional… Ou seja, a gratuidade do amor, que não visa créditos e débitos, é colocada em xeque com as meritocracias em geral. E isso fomentaria outros tipos de práticas sociais. Francisco de Assis viu isso.

De certo modo, Lutero viu isso. Os teólogos da libertação viram isso. O papa João XXIII viu isso. E as igrejas continuam cegas, escolhendo os textos que legitimem os status quo sociopolítico e que mantenham várias práticas de segregação. Sobretudo com aquelas que têm conotação sexual. Você está totalmente certo.

Com certeza, Jesus está muito mais preocupado com a dissolução dos laços sociais, com a favelização de vários lugares da população brasileira (…). Ele está muito mais preocupado com isso do que com a masturbação, os atos de prazer, que quase sempre expressam intenções amorosas e não de destruição daqueles que se relacionam assim.

JESUS SUPER-HERÓI, MILAGRES E FÉ

Sobre os ensinamentos éticos e de compaixão de Jesus, parece que os que se chamam cristãos inverteram as coisas: passaram a sustentar uma espécie de cristolatria. Exaltam o professor, mas não seguem o que ele ensina. Também há um grande apego e deslumbramento com o super-herói, com os superpoderes do “Jesus X-Men”. O que pensa sobre isso?

Jesus de Nazaré, como dizem os teólogos contemporâneos, não veio para pregar a si mesmo. Ele veio para pregar o reino (…). O pronome que ganha vez e voz com Jesus não é o “eu” ou “tu”, é o “nós”.

E é exatamente essa mentalidade de partilha, de entrega, de entendimento, de diálogo é que faz com que Deus reine entre os humanos. Dostoievsky chegou a dizer no (romance) Os irmãos Karamazov, quando Jesus aparece diante do grande inquisidor…

Ele diz na boca do grande inquisidor que as pessoas não querem o Cristo, elas querem os milagres (…). Por isso, o cristão e sua fé devem ser medidos pelo modo como se relaciona com o outro e não pelo modo como ele diz que acredita ou que formalmente define os termos das suas crenças.

A gente poder dizer: “Mostra-me como amas e mostrarei quem é teu Deus”. Essa me parece que é a expressão máxima da mensagem do Cristo.

Muito obrigado, pastor Alexandre Cabral. Para finalizar, o que você acha que Jesus diria, nos dias de hoje, para aqueles que se dizem seguidores dele e mesmo para os que não o seguem?

Eu acredito que Jesus hoje falaria, se ele estivesse em carne e osso entre nós, para cada um dos seus seguidores, exatamente o seguinte: “Esqueçam a mim e ao meu nome, se lembrem do outro e do nome do outro. E quando você acolher o outro, amá-lo, entendê-lo e favorecê-lo, em verdade você estará acolhendo a mim”.

Eu acho que essa é a religião que Jesus fundaria hoje, para além da moral, a amorosidade e a criatividade dos afetos humanos. E, exatamente por isso, os seguidores de Jesus encontrariam o maior dos desafios – que não é a oração, não é leitura de textos sagrados. Mas é a sacralidade das relações humanas.

E sobretudo hoje, nos ecocídios mais diversos, a sacralidade das relações dos humanos com a natureza que é a casa que nos permite viver, enquanto não findamos nessa vida. Um grande abraço, meu amigo. Conta comigo sempre!

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