(…) Marte não é de Musk, nem a Lua, nem o espaço, nem “pesquisa espacial” deveria jamais ser sinônimo desse homenzinho confuso
Por Alexey Dodsworth*
Eu tenho uma razão a mais para detestar Elon Musk: ele, com as bizarrices que lhe são características, termina por aumentar a sensação geral de que pesquisa espacial é maluquice de bilionário entediado, um luxo sem sentido.
Um de meus projetos em biologia envolve agricultura espacial. A EMBRAPA investe pesado nisso, pesquisando o desenvolvimento de grão de bico e batata doce em condições de “gravidade zero”.
Sem o desfavor da existência de Musk, a maioria das pessoas já tende a questionar “pra que gastar tempo e dinheiro com isso?”. Via de regra, quando se fala em agricultura espacial, as pessoas pensam em algo do tipo “fazendas em Marte”, na Lua, algo que – apesar de possível a longo prazo – no momento é mais ficção científica do que outra coisa.
O lance é que nós humanos praticamos melhoramento genético agrícola há milhares de anos, de forma empírica, mesmo quando nem sabíamos o que era um gene. Quase todas as plantas que fazem parte de nossa alimentação são seleções forçadas. O milho selvagem não é aquela coisa pujante, amarela e saborosa. Se não fosse a seleção intencional, ninguém comeria brócolis, couve flor, nada disso.
Não muito tempo atrás, pesquisadores “criaram” (por seleção genética) um feijão que demanda 30% menos de água e entrega tudo igual ao feijão comum.
Então, pra que grão de bico cultivado em condições alienígenas?
Resposta: porque a nossa espécie flerta com o desastre. Há várias possibilidades, muitas delas naturais e muitas resultantes de nossa ação catastrófica, capazes de inviabilizar as condições aprazíveis para nossa própria existência.
Daí surgem iniciativas como a
ALLFED (Aliança para Alimentar a Terra em Desastres – CLIQUE AQUI PARA SABER MAIS). Se quase tudo for pro ralo, se Trump e Putin decidirem brincar de bomba nuclear, o que a gente vai comer?
Pesquisadores como os da ALLFED investigam recursos alimentares viáveis em situações de catástrofe. E um dos braços mais importantes nesse tipo de pesquisa é testar plantas em condições alienígenas – afinal, o nosso próprio mundo pode muito em breve se tornar algo bastante alien.
Só que, hoje em dia, se você falar que pesquisa agricultura espacial, as pessoas vão te olhar com uma cara de “mais um fã do Musk”.
*Escritor, Doutor em Filosofia pela USP e Universidade Ca Fóscari (Veneza, Itália)
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