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Psicologia Baseada em Evidências: entenda o que é
O que é a Psicologia Baseada em Evidências, como surgiu e quais os objetivos da
Associação Brasileira de Psicologia Baseada em Evidências, como são estabelecidas as demarcações entre ciência e pseudociência? Esses foram temas tratados no programa InterD – música e conhecimento, desta quarta (8 de junho), veiculado na rádio Universitária FM do Recife.
O apresentador AD Luna conversou a respeito com Clarice Ferreira, vice-presidente e membro fundador da ABPBE, estudante de graduação em psicologia pela Universidade FUMEC, de Belo Horizonte e criadora do canal de divulgação de ciência no canal do Youtube “Psicolosofia”. Clarice pediu pra gente tocar músicas do Sabaton, banda de power metal sueca.
Ouça a entrevista na íntegra e leia a versão em texto. Caso queira ouvir o programa inteiro, incluindo a parte musical, acesse o player publicado ao final.
Ouça “O que é psicologia baseada em evidências – entrevista com Clarice Ferreira – #28” no Spreaker.
O que é a psicologia baseada em evidências, quando ela surgiu e quais são suas principais características?
A Psicologia Baseada em Evidências representa um movimento que, aqui no Brasil, pelo menos, está sendo um movimento que está começando a ganhar força por agora, e que também é um princípio para o exercício da atividade profissional do psicólogo. Esse princípio tem dois aspectos principais.
O primeiro aspecto é o que a gente conhece como o princípio da Prática Baseada em Evidências. Muitas vezes as pessoas confundem a Psicologia Baseada em Evidências com Práticas Baseadas em Evidências, só que elas não são a mesma coisa.
Práticas Baseadas em Evidências estão contidas dentro da Psicologia Baseada em Evidências, mas a segunda não se restringe à primeira. Isso se dá porque, além de práticas, nós também precisamos de teorias bem embasadas, teorias que estão baseadas em boas provas.
No caso de Práticas Baseadas em Evidências, isso engloba também, por si só, três principais pilares:
Para que uma Prática seja Baseada em Evidências ela tem que se apoiar nas melhores evidências científicas disponíveis sobre aquele determinado assunto, aquele determinado tema em questão;
O profissional que está exercendo aquela prática deve ter uma expertise, uma perícia adequada para poder estar exercendo aquilo, ele precisa saber como fazer aquilo;
E, também, as preferências, as características e o contexto da pessoa que está sendo atendida por esse psicólogo – seja no contexto que for, isso não se restringe de maneira nenhuma à clínica – têm que ser levadas em consideração nessa prática.
Só quando essas três condições estão sendo cumpridas que a gente pode dizer que aquilo é uma Prática Baseada em Evidências, que a gente está cumprindo os princípios dela.
E, também, sobre as teorias, esse é um aspecto que, inclusive, bate um pouco de frente com o que a gente costuma ouvir na graduação de Psicologia. Por quê?
Dentro da ideia da Psicologia Baseada em Evidências, não basta que você acredite em determinada teoria só porque você se sente identificado com ela, que ela tenha a ver com a sua história pessoal ou você gosta da mesma, que te faça bem pessoalmente. Não.
É necessário, imprescindível, que aquela teoria tenha boas provas a favor de seus pressupostos e que ela esteja bem justificada epistemicamente. Então não é uma questão da gente escolher as teorias ou as intervenções por mera preferência pessoal, como costuma ser pregado na Psicologia.
Essas são as duas principais coisas que compõem a Psicologia Baseada em Evidências, que são as Práticas Baseadas em Evidências e também a ideia de que a gente tem que ter boas teorias, teorias baseadas em boas provas.
Como surgiu a ideia da criação da Associação Brasileira de Psicologia Baseada em Evidências (ABPBE), quem participa?
A ABPBE surgiu virtualmente. Havia uma comunidade virtual de pessoas que participavam de um chat, de um ambiente em que elas podiam conversar sobre Psicologia Baseada em Evidências.
E também tinha um grupo de estudos em que seus integrantes – a maioria deles – não tinham contato com a Psicologia Baseada em Evidências dentro da graduação, mas queriam ter a possibilidade de debater esse assunto e aprofundar seus estudos.
Por isso, começaram a organizar esse grupo de estudos em que quase toda semana, ou de 15 em 15 dias, cada um dos membros fazia uma apresentação sobre algum tema diferente, relevante para o tema de interesse.
Eu e o Vitor Andrade entramos nesse grupo também, lá perto de maio de 2021, e passamos a acompanhar as apresentações, fazer algumas apresentações nós mesmos também, e começamos a achar o projeto muito bacana.
As pessoas que participavam dele estavam muito engajadas, estavam com muito interesse pelo tema, se esforçando toda semana para trazer algum conteúdo, e a gente começou a pensar que seria legal criar alguma coisa que pudesse dar um reconhecimento para as pessoas que querem estudar PBE, que querem fazer PBE no Brasil.
Aí começamos a discutir com o pessoal como poderíamos fazer isso, de que forma poderíamos tornar aquilo oficial. No começo, foi de uma forma menos pretensiosa, do tipo “Como podemos dar um certificado? Oficializar um grupo de estudos mesmo?”.
Só que, à medida que fomos conversando, nos reunindo, debatendo junto com o pessoal todo, começamos a ficar um pouco mais ambiciosos e pensamos: por que não fazer uma coisa maior?
Então começamos a pesquisar e nos reunir com professores, com outras pessoas que poderiam nos auxiliar, com advogados, para estudar as possibilidades. “O que tem de ideias por aí?”.
Começamos a pensar em liga acadêmica, em sociedade, em associação. Fomos explorando o que era possível e chegamos à conclusão de que uma associação era o que estaria mais adequado pros nossos objetivos.
Ao mesmo tempo, também, já acompanhávamos o trabalho de alguns profissionais que mexem com isso também, como, por exemplo, Jan Leonardi, Ramiro Catelan, Dan Josua, e, por admirar o trabalho dessas pessoas e achar que seriam pessoas excelentes para colaborar, fizemos um convite para que eles participassem também da primeira chapa da Associação Brasileira de Psicologia Baseada em Evidências conosco. E formamos a diretoria, também, como temos agora.
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Esse processo de fundação num todo levou alguns meses, desde meados de outubro/novembro. Passou por algumas reconfigurações, também, de várias questões – porque dá muito trabalho, realmente; são muitos pormenores que a gente precisa ajustar para conseguir fundar a Associação mesmo.
E aí, em janeiro, conseguimos fundar, através de um esforço coletivo dos membros fundadores.
Na Associação, nós temos a diretoria. Nesse momento, nossa gestão está com Jan Leonardi como nosso presidente. Eu, Clarice Ferreira, estou como vice-presidente. O Vitor Andrade como diretor de operações, o Dan Josua de primeiro secretário, a Nayara Stefany de segunda secretária, o Ramiro Catelan primeiro tesoureiro e o Thiago Mácimo de segundo tesoureiro.
Além da diretoria, nós também criamos algumas comissões que nos auxiliam a cumprir os objetivos da Associação e as nossas metas pro ano, que são as comissões de articulação, de pesquisa, de ensino, de comunicação/design, e o Recursos Humanos.
Essas comissões, além de terem os membros que são os coordenadores das comissões, também têm membros colaboradores, que auxiliam no trabalho interno das próprias comissões.
Quais os principais objetivos da Associação Brasileira de Psicologia Baseada em Evidências ?
Os objetivos da Associação são vários, mas podemos pensar em uma maneira de resumi-los um pouco. Criar um ambiente em que a gente possa favorecer o desenvolvimento da Psicologia Baseada em Evidências no Brasil de várias formas; incentivando a realização de estudos, incentivando a colaboração entre profissionais, pesquisadores e estudantes que queiram se envolver com esse tema, produzindo materiais, atividades e eventos que contribuam para isso, que contribuam para a formação das pessoas.
E, ao mesmo tempo, ter esse espaço em que as pessoas possam se desenvolver dentro da psicologia, fazendo uma psicologia científica. A gente também tem como objetivo combater pseudociências, fraudes científicas, desinformações e pesquisas antiéticas na área da Psicologia.
No Brasil, é muito comum a gente ver psicólogos envolvidos com práticas sem respaldo científico. Como é estabelecida a demarcação entre ciência e pseudociência, de maneira geral e na psicologia, em específico?
Sobre a questão de demarcação, esse é um tema que eu gosto muito, ainda mais porque eu já tenho um interesse grande em Filosofia, em Filosofia da Ciência e no próprio tema da demarcação em si. Também nas interseções de Filosofia e Psicologia, que são assuntos que são do meu interesse particular.
Mas acho que tem uma coisa que é legal de lembrar que é sobre como esse é um assunto que está dentro dos domínios da Filosofia. Nós aqui da Psicologia, e talvez cientistas empíricos de outras áreas, podemos até ter um interesse nesse tema, mas a gente acaba muitas vezes esquecendo da origem dele, esquecendo que realmente ele não é um problema da própria Psicologia.
Então eu não diria que a Psicologia estabelece, por exemplo, uma demarcação de ciência e pseudociência porque isso está fora do campo de estudos dela. A Psicologia busca investigar o comportamento e a cognição humanas.
E quem busca realmente distinguir, identificar e buscar as melhores definições para conceitos, investigar quais são as implicações das definições que nós adotamos é, na verdade, a Filosofia. Então a Psicologia não estabelece nenhum tipo de demarcação de ciência e pseudociência.
Entretanto, a gente pode também questionar o que os psicólogos têm dito sobre isso. Eu não tenho no momento um estudo que eu possa trazer para dizer o que os psicólogos no geral estão dizendo sobre isso na maioria das vezes, mas eu posso comentar do meu círculo pessoal o que eu percebo que o pessoal costuma trazer.
Eu vejo com frequência muitos psicólogos ainda se apoiando em teorias como, por exemplo, a teoria de Karl Popper.
Só que isso é feito de uma maneira que, muitas vezes, não considera diversas críticas que já foram feitas ao trabalho do Karl Popper. E também o fato de que hoje em dia a Filosofia da Ciência já avançou, avançou bastante… muita, muita coisa aconteceu desde que o Popper fez a proposta dele de tratar a falseabilidade como sendo o critério de demarcação.
Muitas vezes o pessoal não considera, por exemplo, o trabalho de Larry Laudan, que tentou colocar um fim no problema e que impactou profundamente a literatura de Filosofia da Ciência e de Demarcação sobre o problema. Não considera os movimentos de contraproposta ao Laudan, não considera os autores que estão publicando hoje em dia.
É como se, muitas vezes, os psicólogos não se atualizassem em Filosofia e tratassem como se a Filosofia tivesse parado no tempo, parado na proposta de Popper e não tivesse tido críticas, não tivesse tido outras propostas, não tivesse tido reviravoltas do próprio campo inclusive, porque essa questão do Laudan foi um grande marco e nunca vi psicólogos falando sobre isso.
Então eu posso comentar, por exemplo, de uma proposta que eu acredito que é a proposta mais promissora que nós temos aqui no momento, no século 21. É uma proposta recente.
Eu não posso afirmar, por exemplo, que os filósofos tenham um consenso sobre qual é o melhor critério de demarcação, mas eu posso falar aquela que eu acho que é, sim, a mais promissora dentre as que nós temos hoje em dia, que é a proposta de um filósofo que chama Sven Ove Hansson, que faz uma demarcação de ciência e de pseudociência num sentido ampliado.
O que isso quer dizer? Quer dizer que não é mais apenas as ciências tradicionais, como Física, Química, Biologia – que o pessoal costuma chamar de Ciências Naturais – que são disciplinas que ele chama de “científicas”. A gente passa a considerar uma abertura maior, por exemplo, para que produções dentro das Humanidades, como Filosofia, Antropologia, Linguística, História e outras áreas, também podem produzir ciência.
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E aí o mais importante para a demarcação do Hansson é a confiabilidade. O que importa é que esses estudos que estejam sendo feitos dentro dessas outras áreas, que as doutrinas que estão sendo propostas nessas áreas busquem fazer as afirmações mais epistemicamente justificadas, ou seja, as afirmações mais confiáveis, as afirmações mais bem embasadas, as afirmações que oferecem as melhores provas sobre seus objetos de estudo.
E podem ter casos, sim, em que os objetos de estudo investigados não tenham como ser investigados através de métodos empíricos, de observações empíricas, de experimentos ou de outras metodologias que a gente mais comumente vêm sendo empregadas em ciências “tradicionais”. Só que, sim, os métodos que eles estão utilizando para aqueles objetos de estudo podem ser os melhores e, nesse caso, por que não considerar essas áreas também como capazes de produzir ciência?
Fale um pouco sobre seu canal no Youtube, o que te levou a criá-lo e o que você procura abordar por lá.
O meu canal do Youtube se chama “Psicolosofia”. O Youtube é a principal base do meu projeto de divulgação científica, mas eu também trago conteúdos no Twitter e no Instagram – também o mesmo projeto, “Psicolosofia”, então vocês podem seguir por lá também.
Mas o que me trouxe à ideia de criar um canal no Youtube foi justamente perceber essa lacuna que a gente estava tendo entre as discussões que a gente faz dentro da Psicologia e o conhecimento filosófico.
Porque parece que tem muitas questões, por exemplo, que eu observava que o pessoal da divulgação tinha interesse em falar que eram assuntos de Filosofia, só que, ao mesmo tempo, não estava tendo diálogo com a área da Filosofia. Eram assuntos que estavam sendo abordados, mas que não estavam tendo essa aproximação suficiente.
Então é uma demanda que eu identifiquei e que eu achei que seria legal poder produzir um canal exatamente sobre isso. Exatamente por poder trazer essa aproximação de duas áreas que eu gosto muito.
Quais são os conhecimentos, as discussões, as teorias que a gente está tendo de mais atuais e mais robustas em Filosofia e em que elas impactam para nós da Psicologia, nos temas que são relevantes para nós? Vamos discutir isso, vamos colocar isso na mesa. E essa foi a principal motivação pro canal, no caso.
Por lá, eu costumo abordar os temas que são, sim, de Psicologia, com foco especial na Psicologia Científica, na Psicologia Baseada em Evidências. Temas de Filosofia Científica, que é um termo que eu estou utilizando para substituir o termo “Filosofia Analítica” porque esse termo acaba não captando exatamente o que eu quero dizer porque ele tem uma origem geográfica e histórica que pode ter algumas exceções que saem fora de uma demarcação epistêmica que eu quero fazer entre uma boa Filosofia e uma má Filosofia. Então é por isso que eu uso o termo “Filosofia Científica”.
E também sobre ciência no geral. Eventualmente quero trazer mais coisas de metaciência, ou seja, maneiras da gente realmente melhorar a nossa maneira de fazer ciência, melhorar os nossos métodos, melhorar os artigos, a qualidade do que a gente faz.
Tem muitas discussões que eu ainda não tive a oportunidade de trazer por questões de várias demandas, de outros trabalhos, de tempo, mas são discussões que com certeza eu quero trazer mais por lá.
E eu também quero falar muito da questão da demarcação e das aplicações disso para a Psicologia, por exemplo, quais doutrinas da Psicologia são científicas? Quais são pseudocientíficas? Como a gente distingue uma coisa da outra? Por que isso é importante de ser distinguido? Por que a gente pode classificar uma de uma maneira e outra de outra? O que está por trás disso? Qual é a teoria da demarcação mais justificada? Algumas eu já comecei a discutir, mas ainda tem muita coisa por vir também.
Ouça o programa na íntegra.
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