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Jota Michiles: compositor é Patrimônio Vivo da cultura e do frevo pernambucano
“Jota Michiles é um compositor inacreditável, que trabalha com as nossas raízes e matrizes. Ele é frevo de bloco, frevo de rua, é ciranda, ele faz todos os gêneros da nossa cultura pernambucana”, exalta Alceu Valença
Por AD Luna
@adluna1
“O difícil é sempre fazer o fácil, criar aquela música que as pessoas escutam pela primeira vez e saem por aí cantando”. Foi com essa filosofia estético-criativa que José Michiles da Silva, o Jota Michiles, construiu um repertório musical que está gravado no imaginário coletivo de quem ama o carnaval. As obras desse recifense, nascido em 4 de fevereiro de 1943, embalam a trilha sonora da alegria de muitas gerações.
“É muito gratificante a gente ver uma composição musical surgida na nossa intimidade, nossa solidão, de repente se popularizar na boca do povo, nas ruas, becos, ladeiras, nos bares, nas orquestras e nos clubes. É um prenúncio de muitos e muitos carnavais, assim como acontece com ‘Recife manhã de Sol’, ‘Recife nagô’, ‘Bom demais’, ‘Me segura senão eu caio’, ‘Diabo louro’, ‘Vampira’, ‘Espelho doido’, e outros mais”, destaca Michiles.
“Jota Michiles é um compositor inacreditável, que trabalha com as nossas raízes e matrizes. Ele é frevo de bloco, frevo de rua, é ciranda, ele faz todos os gêneros da nossa cultura pernambucana”, exalta Alceu Valença. Foi com a ajuda do cantor e amigo que a carreira de Michiles ganhou um grande impulso.
Lançado em 1986, na voz do filho de São Bento do Una, o frevo “Bom demais” estourou e passou a fazer parte do repertório de centenas de orquestras, bandas e artistas solo. “Eu tenho mais que tá nessa/ Fazendo mesura na ponta do pé/ Quando o frevo começa/ Ninguém me segura/ Vem ver como é”, diz trecho da canção.
Depois desse belo impulso, ninguém mais segurou Jota Michiles. No ano seguinte, o frevo que faz referência a um dos pontos culturais e de encontros de Olinda, também gravado por Alceu, novamente colocou a criação do compositor na boca do povo e na ponta do pé de passistas profissionais ou eventuais.
“Nos quatro cantos cheguei e todo mundo chegou
Descendo ladeira, fazendo poeira, atiçando calor
Nos quatro cantos cheguei e todo mundo chegou
Descendo ladeira, fazendo poeira, atiçando o calor”
Com “Me segura senão eu caio”, Michiles transformou em verso, melodia, harmonia e ritmo o roteiro afetivo-carnavalesco de quem chega na cidade do Homem da Meia-Noite e de outros bonecos gigantes, para curtir os dias de folia. A sequência de sucessos prosseguiu com obras gravadas pelo sempre parceiro Alceu Valença e por outros grandes nomes do cenário local e nacional.
Além das já citadas pelo próprio Jota, a lista inclui “Fazendo Fumaça”, “Forró Fogoso” e “Negue” (com Fafá de Belém), “Queimando a Massa” (gravada por André Rio e Claudionor Germano), “Perna pra que te quero” (Versão Brasileira), “Forró Fogoso” (Novinho da Paraíba), “Sonhos de Pierrô” e “Obrigado criança”, que marcaram e continuam a marcar os evoluções do Bloco da Saudade. O sucesso “Diabo louro” foi inicialmente registrado por Almir Rouche e, em seguida, por Alceu.
“Roda e avisa”, uma homenagem a Chacrinha, o Velho Guerreiro, o dono das tardes de sábado da televisão brasileira, foi fruto de uma parceria com o maestro Edson Rodrigues – outro grande baluarte do carnaval e da cultura pernambucana.
“Asas do frevo – o Carnaval de J. Michiles”
Lançado em 2007, depois de dois anos de trabalho, o CD “Asas do frevo – o Carnaval de J. Michiles” é uma importante síntese do poder criativo de Michiles e do prestígio do artista diante de grandes nomes da música brasileira.
O disco, cujo título faz referência ao projeto “Asas da América”, do compositor caruaruense Carlos Fernando, reúne uma verdadeira constelação de cantores e cantoras. Entre os destaques, Silvério Pessoa, Amelinha, Daniela Mercury, Elba Ramalho, Antonio Nóbrega, Spok Frevo Orquestra & Dominguinhos, Lula Queiroga, Chico Cesar & Naná Vasconcelos, além dos aqui já citados, André Rio, Almir Rouche, Fafá de Belém, Claudionor Germano e, claro, Alceu Valença.
Grandes momentos na carreira
Homenageado do Carnaval do Recife 2018, junto com a cantora Nena Queiroga, Jota Michiles começou a alimentar a paixão pela festa ainda na infância. Naquele tempo, ele assistia encantado às passagens dos blocos e troças em bairros recifenses onde morou, como Campo Grande, Arruda e Água Fria.
A estreia como compositor, entretanto, não foi na seara carnavalesca. O acontecimento marcou-lhe positivamente para sempre. “Nesses mais de 50 anos de atividade musical, tive meu primeiro momento de emoção ao gravar uma canção intitulada ‘Não quero que chores’, com o grupo vocal The Golden Boys, em julho de 1964”, rememora.
A música, classificada por ele mesmo como uma “pré-Jovem Guarda”, era o lado B de um compacto simples da gravadora Odeon. O lado A trazia a versão de “I wanna hold your hand”, dos Beatles.
De acordo com Jota Michiles, sua “segunda grande emoção” aconteceu dois anos depois, quando conquistou o primeiro lugar no concurso “Uma canção para o Recife”, instituído pela Prefeitura da Cidade, na gestão de Augusto Lucena, e pela Rádio Jornal do Commercio.
A marcha “Recife, manhã de Sol” foi a vencedora, concorrendo com os mais consagrados compositores daquele momento, a exemplo de Capiba, Nelson Ferreira, Luiz Bandeira, Clóvis Pereira e Zé Menezes, e entre mais de 200 músicas inscritas.
“Recife, manhã de Sol” foi lançada em compacto pela lendária gravadora e fábrica de discos Rozenblit. Posteriormente ganhou diversas versões, incluindo a do cantor Orlando Dias – tio de Michiles – e Maria Bethânia, que a gravou para o disco “Asas do frevo”.
Concurso Nordestino de Frevo
Em 2021, primeiro ano em que o carnaval não aconteceu devido aos infortúnios causados pela pandemia da covid-19, Jota Michiles ganhou mais um prêmio. Composta em parceria com o filho César Michiles, a música “Caceteiro” conquistou o título na categoria “Frevo de rua”, no Concurso Nordestino do Frevo – promovido pela Fundação Joaquim Nabuco (Fundaj).
Biografia e maior alegria
Em fevereiro de 2013, a Cepe Editora lançou a biografia “Jota Michiles – Recife, Manhã de Sol”, escrita pelo jornalista Carlos Eduardo Amaral. A obra apresenta a história do filho de seu Romeu e dona Maria José, que chegou a trabalhar como professor de desenho industrial e história até ser reconhecido como um dos mais importantes compositores da música pernambucana.
Indagado sobre qual teria sido a maior alegria de todas, em sua carreira, ele conta: “Foi mesmo no Carnaval de 1986, quando meu nome passou a ser destaque na cena carnavalesca, com o estrondoso sucesso do frevo ‘Bom demais’, na interpretação de Alceu Valença, no disco ‘Estação da Luz’, da RCA. Na quarta-feira de cinzas, uma manhã chuvosa, o Diario de Pernambuco estampou na primeira página: “Carnaval foi bom demais!”, festeja Jota Michiles, Patrimônio Vivo de Pernambuco.
Publicado originalmente no Cultura PE.
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