Por AD Luna
Ao navegar por postagens e discussões em redes sociais, vídeos no YouTube e afins, é possível observar pessoas ligadas a determinadas tradições religiosas em forte desacordo com ideias e teorias científicas que se chocam com suas crenças. Temas comportamentais ligados à sexualidade também causam celeuma.
Por outro lado, não é tão comum encontrar esse tipo de conflito envolvendo budistas. O Dalai Lama, respeitado líder do budismo tibetano, até incentiva a troca de ideias com pesquisadores, por exemplo. E o zen budismo? Como essa tradição, de origens chinesa e japonesa, e com muitos adeptos no Ocidente, se relaciona com esses temas?
Para o Monge Meihô Gueshô, missionário oficial da Soto Zen Shu para a América do Sul, o não engajamento frequente de budistas em discussões que envolvam a ciência é algo natural. De acordo com ele, o próprio Buda não se posicionou como fonte de toda a sabedoria ou alguém que tivesse respostas não questionáveis.
Ouça “Como o zen budismo encara a (homo)sexualidade e a ciência – #12” no Spreaker.
“Ele mesmo chegou a dizer, no Kalama Sutra: ‘não acreditem em mim, testem e experimentem’ – o que é uma atitude bastante próxima à científica de dúvida e investigação. Por outro lado, Buda recusou-se também a discutir assuntos não verificáveis”, informa o monge.
Em razão dessa postura do seu fundador, o budismo, pelo menos em tese, não entra em confronto com ideias por causa de fé, crença ou argumentos de autoridade.
É uma filosofia e prática espiritual que está aberta a mudanças e adaptações aos novos tempos, as quais são construídas por meio dos mestres que apareceram depois do Buda.
Na edição que apresentou como tema Transumanismo e colonização espacial, o escritor e pesquisador baiano Alexey Dodsworth falou sobre a possibilidade de, em alguns anos, existirem super-humanos vivendo na Terra.
O historiador israelense Yuval Noah Harari também discorre, em seu best seller mundial, “Homo Deus – uma breve história do amanhã”, a respeito desse possível futuro povoado por seres especiais, com tempo de vida medido por séculos e não apenas por décadas.
Caso isso venha realmente a acontecer, de que forma impactaria o pensamento zen budista?
“Esse ser também continuaria perguntando qual é o sentido da sua existência, continuaria tendo angústia existencial e, portanto, precisaria do zen para se investigar e saber como viver bem, como ser feliz, estar em paz”, expõe Monge Genshô.
Para ele, em particular, a ideia de viver muito tempo não é atraente. “Com os 70 anos dos quais me aproximo de completar, penso que muitas coisas da minha vida eu gostaria de esquecer (meus erros e maneiras que já agi) ou revisar – o que é impossível, porque não voltamos ao passado”. [NOTA do redator: essa entrevista foi realizada, originalmente, em 3 de agosto de 2018]
Tratada como tabu, com grande desconfiança ou mesmo repressão por outras religiões, como a sexualidade e, mais especificamente, a homossexualidade é vista pelo zen budismo? Haveria “pecados” a serem evitados nesse campo?
O Monge Genshô explica que a palavra “pecado” é estranha ao budismo, porque teria o sentido de desobediência a mandamentos ditados por alguma entidade divina (o budismo é uma religião não-teísta, na qual inexiste a figura de um deus criador, e o Buda não é considerado um ser divino).
A grande questão não é o ato sexual em si, mas se este vai causar problemas a alguém. Caso haja consentimento entre as pessoas envolvidas, se isso não incorrer em violência física ou psicológica, a ação não irá gerar mau carma, efeito ruim.
“A homossexualidade é só mais uma forma de expressão da sexualidade”, observa Genshô. Há orientações que precisam ser seguidas por quem se ordena monge ou monja.
“Mas a regra para os leigos é não se comportar de forma a causar sofrimento, não usar sua energia sexual de modo a causar sofrimento. E não importa se é hétero, homo ou qualquer outra forma de manifestação sexual”, reforça.
O Monge Meihô Genshô teve seu primeiro contato com o zen, em 1973, por meio do mestre japonês Tokuda. Este nasceu em Hokkaido, norte do Japão, em 1938 e também contribuiu para que outros importantes nomes do budismo no Brasil se engajassem em sua difusão, a exemplo do Lama Santem.
Em 2018, foram comemorados os 50 anos da missão do Mestre Tokuda em nosso país.
Na capital pernambucana, o Seirenji – Centro Zen do Recife mantém atividades sob a orientação do Mestre Tokuda.
Genshô teve sua investidura leiga em 1992 com o nome de Meihō. Foi ordenado monge na forma limitada de ordenação particular, em 2001, e passou a ser orientado por Moriyama Roshi.
Com a partida deste para o Japão, em 2005, ele foi ordenado oficialmente monge da Soto Zen, três anos depois, pelo Sookan (Superior Geral) da América do Sul, Dosho Saikawa Roshi.
Estudou no mosteiro de YokoJi, Califórnia e em Sojiji Soin, Japão, é um dos sucessores de Saikawa Roshi, dirige a Comunidade Daissenji de Florianópolis, a qual possui grupos relacionados sob sua responsabilidade em 20 cidades brasileiras.
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