Ciência e saúde

Vida extraterrestre deve ser parecida com a que conhecemos?

Embora você nunca encontre o mesmo rio duas vezes com as mesmas curvas e padrões, é certo que rios existirão em algum lugar no Universo. A vida também pode seguir essa lógica

Por João Lucas da Silva*

O universo e suas escalas de tempo e espaço são assombrosos. O cosmos existe há pelo menos 13,8 bilhões de anos. O universo observável é uma esfera de 93 bilhões de anos-luz de diâmetro, portanto inconcebivelmente gigantesco. Estima-se que haja cerca de 2 trilhões de galáxias no universo observável. Em termos de número de estrelas, há mais estrelas no universo observável do que grãos de areia em todas as praias da Terra. Em torno de boa parte dessas estrelas, orbitam planetas. Alguns são habitáveis. Assim, o número de lares potenciais para a vida é astronômico. Ainda assim, onde estão nossos irmãos cósmicos?

Essa é uma pergunta que ainda precisamos responder. Porém, como cientistas gostam de especular sobre o desconhecido, nada nos impede de ir um pouco além e ponderar sobre como seria a vida no universo. Seria ela muito parecida com a nossa, ou seria completamente diferente, talvez a ponto de nem sequer sermos capazes de detectar sua presença? As respostas variam. Há uma vertente que considera muito improvável que a vida em outros lugares no universo seja muito similar à que conhecemos. Outra defende que, sim, pareceria familiar. O mais curioso: ambas se apoiam na biologia evolutiva.

S. J. Gould é talvez a voz mais famosa no campo da primeira linha, segundo a qual não devemos esperar “rostos” familiares nas formas de vida alienígena. O tema central de seu livro “Vida Maravilhosa” é a ideia de contingência:

“Não estou falando de aleatoriedade… mas do princípio central de toda a história — a contingência. Uma explicação histórica não se baseia em deduções diretas a partir de leis da natureza, mas em uma sequência imprevisível de estados antecedentes, em que qualquer mudança significativa em qualquer etapa da sequência teria alterado o resultado. Esse resultado, portanto, é dependente, ou contingente, de tudo o que veio antes — a assinatura indelével e determinante da história.”

Como a evolução é um processo histórico e os seres vivos são produtos da evolução, então cada espécie é contingente. Ou seja, tivessem as coisas acontecido de um jeito um pouquinho só diferente, talvez aquela espécie não existisse. A ideia fica mais fácil de capturar se fizermos o experimento mental que Gould propõe, que ele chamou de “rebobinar a fita da vida“.

“Você aperta o botão de rebobinar e, garantindo apagar completamente tudo o que realmente aconteceu, volta a qualquer momento e lugar do passado — digamos, aos mares de Burgess Shale. Então, deixa a fita rodar novamente e observa se a repetição tem alguma semelhança com o original. Se cada nova reprodução for muito semelhante ao caminho real da vida, devemos concluir que o que de fato aconteceu praticamente tinha que ocorrer. Mas, e se as versões experimentais produzirem resultados plausíveis, porém marcadamente diferentes da história real da vida? O que poderíamos dizer, então, sobre a previsibilidade da inteligência autoconsciente? Ou dos mamíferos? Ou dos vertebrados? Ou da vida em terra firme? Ou, simplesmente, da persistência de organismos multicelulares por 600 milhões de anos?”

O ponto central aqui é nos fazer perguntar se mamíferos, por exemplo, são inevitáveis ou um produto contingente da história. Podemos ponderar, ainda, sobre o que teria acontecido com os mamíferos, caso há 66 milhões de anos um bólido não tivesse se chocado com a Terra e extinguido maior parte da fauna, incluindo quase todos os dominantes dinossauros. Teriam os mamíferos, ainda assim, se diversificado e dado origem a tantos subgrupos, como o dos primatas, ou teriam permanecido à sombra dos dinossauros? Estaríamos nós, humanos, aqui?

Em contraste, a outra vertente pensa que a evolução pode ser muito mais determinística do que imaginamos. Simon Conway Morris, que representa talvez um caso extremo nessa posição, enfatiza o fenômeno da convergência evolutiva — o processo em que organismos não relacionados evoluem características semelhantes de forma independente, geralmente como resposta a pressões ambientais similares ou funções ecológicas equivalentes. Em seu livro “The Crucible of Creation” (que é em grande parte uma resposta ao livro de Gould), Morris escreveu:

“A convergência demonstra que os tipos possíveis de organismos não são apenas limitados, mas podem, de fato, sofrer restrições severas. A razão subjacente para a convergência parece ser que todos os organismos estão sob constante escrutínio da seleção natural e também sujeitos às restrições dos fatores físicos e químicos que limitam severamente a ação de todos os habitantes da biosfera. Em termos simples, a convergência mostra que, no mundo real, nem tudo é possível.”

Ou seja, segundo essa perspectiva, nem tudo que é possível se concretiza evolutivamente — o que é verdade, obviamente. Isso acontece porque os organismos não são infinitamente plásticos e sua própria história evolutiva pode tolher a evolução em certas direções. Por exemplo, se uma linhagem de animais de quatro membros (quatro patas, duas patas e dois braços, duas patas e um par de asas etc.) dá origem a outra linhagem a partir da perda dos membros, torna-se muito improvável que uma linhagem descendente reganhe esses apêndices. Ou seja, o passado influencia no que é possível acontecer no futuro. Não é como se a evolução pudesse ir e voltar à vontade. Pensando dessa forma, há também limitações físicas e químicas que acabam empurrando a evolução em direção a certos canais preferenciais.

Embora não deva ser deixada de lado, há um problema com o fenômeno da convergência, quando usado como argumento para previsibilidade da evolução. Como ressaltam Blount e colaboradores, a convergência evolutiva é identificada após o ocorrido, mas não sabemos quantas linhagens falharam em evoluir adaptações semelhantes, sob as mesmas condições seletivas. Além disso, há muitos exemplos de tipos adaptativos que evoluíram de forma única: a peculiar planta Welwitschia mirabilis, o ornitorrinco, camaleões, kiwis, elefantes, polvos e hominídeos. Isso desafia a ideia de que certos traços são inevitáveis em determinadas condições ambientais.

E isso nos traz a um artigo recente por Ricard Solé e colaboradores, intitulado “Restrições fundamentais à lógica dos sistemas vivos”. Nesse artigo, os autores conjecturam “que existem restrições que limitam a lógica da vida em diferentes escalas” e apresentam diversos “argumentos que sugerem que restrições computacionais [no sentido de processamento de informação], físicas e dinâmicas limitam profundamente o espaço de possibilidades de design dos sistemas vivos”. Um desses argumentos (que selecionei por motivos técnicos) envolve o surgimento das células:

“Compartimentos celulares fechados equipados com uma lógica de replicação [específica]… são necessários para formas de vida autorreplicantes e capazes de evolução. O compartimento permite a concentração de moléculas essenciais e define uma barreira entre os ambientes interno e externo, conectados por uma membrana que pode desempenhar funções construtoras ao explorar instabilidades físicas. Esse tipo de recipiente fechado pode ser formado por uma classe específica de moléculas (os anfifílicos) e, portanto, está restrito a um subconjunto de candidatos químicos”.

O ponto de vista do novo estudo, contudo, não é de que as restrições dominariam tudo. Na verdade, há espaço para novidade e surpresa. Como ou autores ressaltam na conclusão do artigo:

“Concentrar-se nas estruturas lógicas ignora um aspecto essencial da vida multicelular: a impressionante diversidade de adaptações morfológicas, anatômicas e fisiológicas que evoluíram em resposta a fatores ambientais. No entanto, se as restrições que propomos forem universais, a lógica da vida em outros lugares provavelmente será bastante familiar”.

Não raro, a solução para um problema é conciliação entre duas ideias opostas (embora frequentemente uma possa realmente ter mais mérito do que a outra; há muitos casos de assimetria). Parece-me ser esse o caso aqui também. Já expressei essa visão em outra coluna, pegando emprestado uma analogia: sob certas condições de temperatura, precipitação, topografia, entre outras, rios são inevitáveis. Embora você nunca encontre o mesmo rio duas vezes com as mesmas curvas e padrões, é certo que rios existirão em algum lugar no Universo. A vida também pode seguir essa lógica.

*João Lucas da Silva é mestre em Ciências Biológicas pela Universidade Federal do Pampa, e atualmente Doutorando em Ciências Biológicas na mesma universidade

Publicado originalmente na Revista Questão de Ciência

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