Explicar que fatos científicos não “caem do céu”, mas que são fruto de uma complexa construção do conhecimento, precisa ser parte do combate ao negacionismo, avaliam pesquisadores
Por Rodrigo de Oliveira Andrade*
Na Grécia Antiga, o oráculo de Delfos jamais respondia duas vezes à mesma pergunta. Logo, nunca precisou mudar de ideia. Cientistas, por sua vez, questionam-se — e são questionados — quase todos os dias. E suas explicações sobre a natureza tendem a mudar à medida que coletam e analisam novos dados e incorporam novas observações e evidências às suas pesquisas. A verdade científica não é absoluta, mas temporária e incompleta. Mais como o rio fluindo de Heráclito do que as formas eternas de Platão.
Esse e outros princípios básicos do fazer científico pareciam bem acomodados. Nos últimos anos, porém, foram sequestrados por grupos organizados e indivíduos com crenças ou interesses políticos ou econômicos contrariados, ou simplesmente baixo letramento, para disseminar informações falsas — ou intencionalmente distorcidas — e teorias da conspiração.
O objetivo? Atacar e desqualificar a ciência, e espalhar desconfiança e desprezo pelo pensamento científico, opondo-se a evidências e consensos em tópicos como mudanças climáticas e teoria da evolução.
Esse fenômeno ganhou força na pandemia, com o avanço de movimentos antivacina nas plataformas digitais e a institucionalização de governos negacionistas em vários países, entre eles o Brasil. Para alguns estudiosos, esses movimentos tendem a ganhar força em sociedades polarizadas e que desconhecem o que é a ciência e como ela funciona.
“É importante deixar claro que a ciência não é uma prateleira de resultados prontos e produtos mágicos”, comenta Alexandre Meyer Luz, professor de Teoria do Conhecimento do Departamento de Filosofia da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).
Ele explica que a ciência é um processo lento e complexo, e o que está bem estabelecido em uma época pode se revelar provisório em outra, podendo ser derrubado ou reformulado à luz de novas observações.
A ciência moderna pode ser compreendida como um conjunto de métodos que nos permite identificar padrões por trás de fenômenos naturais, sociais e comportamentais, e descrevê-los por meio de leis gerais.
O interesse humano em descrever, explicar, prever e intervir no mundo é tão antigo quanto a própria humanidade.
Há muito buscamos entender a natureza e usar esse conhecimento para promover nossos interesses: navegar pelos mares, domesticar e modificar plantas para a agricultura, combater doenças etc.
A revolução científica nos séculos XVI e XVII levou à criação de novos métodos de estudo da natureza. Cada vez mais os cientistas passaram a se apoiar na observação, na experimentação sistemática e no raciocínio indutivo para questionar seus resultados e os de outrem — uma mudança e tanto em relação à ênfase aristotélica, baseada no raciocínio dedutivo a partir de fatos supostamente conhecidos.
Ciência segue princípios comuns
Independentemente da área, ainda hoje os cientistas seguem princípios comuns para desenvolver suas pesquisas: partem de novas ideias ou evidências do passado, coletam e analisam dados, e desenvolvem hipóteses sobre possíveis conexões ou padrões na natureza.
“Sempre que um novo problema de natureza científica se apresenta, eles se voltam para o que foi produzido no passado para orientar suas investigações, não raro replicando experimentos anteriores para estabelecer as bases de novas hipóteses”, explica o filósofo da ciência Ivan Ferreira da Cunha, do Departamento de Filosofia da UFSC.
Embora esses princípios sejam comuns a todos os campos do conhecimento, diferentes disciplinas utilizam ferramentas e abordagens específicas para estudar fenômenos e sistemas próprios de cada área.
No entanto, para que um resultado de pesquisa se transforme em uma verdade científica, ele precisa antes passar pelo crivo de outros pesquisadores da mesma área e ser publicado em uma revista especializada sob a forma de artigo científico.
Nesse processo, conhecido como revisão por pares, dois ou três especialistas designados pela revista avaliam a validade daquilo que está sendo descrito pelos autores no manuscrito.
Eles analisam:
Os revisores também podem:
Se os revisores se convencem da validade do trabalho, recomendam ao editor da revista que aceite o artigo para publicação. Isso ajuda a garantir que os artigos publicados sejam baseados em pesquisas bem elaboradas, com metodologia robusta e dados sólidos.
Muitas vezes achados aparentemente promissores não se confirmam quando outros cientistas tentam reproduzi-los em seus laboratórios. Isso pode acontecer por motivos diversos, como erros, fraudes e falta de transparência sobre os dados primários e métodos adotados na pesquisa original. Nesses casos, as explicações ou ideias apresentadas no artigo original passam a ser questionadas ou até rejeitadas. Alguns propõem novas hipóteses ou explicações alternativas. O autor original pode testá-las ou fornecer evidências adicionais para sustentar suas alegações.
“Trata-se de um mecanismo de autocorreção da ciência“, diz Cunha, da UFSC. “O objetivo final não é discordar ou descredibilizar os colegas, mas revisar seus resultados e métodos para que a comunidade científica possa chegar a um consenso sobre a validade de determinada descoberta e explicação.”
Passaram-se meses desde o primeiro caso de zika no Brasil até que a comunidade científica chegasse a um consenso de que o vírus estava por trás de parte dos casos de microcefalia identificados no país.
Primeiro se verificou que o patógeno conseguia atravessar a placenta humana – o órgão que mantém o feto conectado ao corpo materno durante a gestação. Depois o vírus foi isolado do cérebro de bebês com microcefalia. Experimentos em laboratório feitos por grupos do Brasil e no exterior verificaram então que o vírus podia infectar células humanas precursoras do sistema nervoso central e matá-las.
Em maio de 2016, pesquisadores brasileiros publicaram um estudo demonstrando que a variedade do vírus em circulação no Brasil (ZIKVBR) era mais agressiva do que a africana.
Essa variedade conseguia atravessar a placenta de fêmeas de camundongo com o sistema imunológico debilitado e prejudicar o desenvolvimento dos filhotes, que nasceram miúdos e com menos da metade do peso normal, além de apresentarem o cérebro menor do que o de filhotes saudáveis.
Da mesma forma, foram necessários muitos anos de observação e análise — e mais de 90 mil artigos científicos publicados — até que os cientistas chegassem a um consenso de que as atividades humanas estão alterando o clima da Terra.
Campanhas de descrédito
Durante a pandemia de covid-19, pesquisadores do mundo todo tiveram de correr para tentar desenvolver uma estratégia segura e eficaz contra o novo coronavírus. Vários trabalhos foram feitos às pressas e sem o mesmo rigor científico habitual.
Alguns reverberaram com força nas redes sociais, embasando afirmações sem fundamento sobre supostos tratamentos contra a doença e estratégias discursivas — como a de autoridade científica — para tentar legitimar a disseminação de informações falsas ou contrapor os cientistas com argumentos pseudocientíficos, quase sempre alegando uma outra interpretação.
“Muitas vezes, a dinâmica de produção de conhecimento científico é usada para reforçar a ideia de que a verdade científica, por ser temporária e incompleta, pode estar errada; logo, minha opinião pode estar correta”, diz Meyer Luz. “Trata-se de pura e simples má formação, científica e filosófica.”
Diversas iniciativas de divulgação científica foram criadas para combater o problema, muitas delas baseadas na ideia de explicar à sociedade conceitos científicos básicos e como a ciência funciona.
O problema, diz a bióloga e divulgadora da ciência Ana de Medeiros Arnt, do Instituto de Biologia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), é que muitas manifestações “anticiência” não são questionamentos científicos propriamente ditos.
Tais manifestações acabam sendo investidas no sentido de desconstruir discursivamente a credibilidade científica com o objetivo de defender ou reafirmar posições econômicas, políticas e religiosas. “Nesses casos, qualquer tentativa de trazer ao debate o método científico é inócua”, afirma Arnt.
Na avaliação do sociólogo Rafael Evangelista, do Núcleo de Desenvolvimento da Criatividade da Unicamp, essas iniciativas são válidas, mas insuficientes, pois partem do pressuposto de que as pessoas são sempre racionais e de que há um déficit de informação científica na sociedade. O problema, segundo ele, vai além.
Esbarra no modelo de negócio das plataformas digitais, essencialmente baseado na promoção de atrito entre grupos com posições opostas para gerar mais engajamento.
“Conteúdos de procedência duvidosa, divisivo e de ódio tendem a gerar mais comentários e compartilhamentos”, explica Evangelista. “O Facebook percebeu isso há algum tempo e ajustou seu algoritmo para oferecer esse tipo de conteúdo a cada vez mais pessoas.”
O pesquisador explica que as plataformas conseguem captar mais dados dos usuários por meio de conteúdos viralizantes, fazendo também com que eles permaneçam mais tempo nas redes sociais produzindo mais conteúdo.
“É preciso investir em iniciativas de divulgação científica e educação midiática que expliquem o que é a ciência e como se dá a construção do saber científico”, sugere Evangelista.
“No entanto, isso precisa vir acompanhado de uma regulamentação das plataformas digitais. Do contrário, continuaremos enxugando gelo.”
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