Uma conversa com Carlos Eduardo Miranda [Memória]

 Uma conversa com Carlos Eduardo Miranda [Memória]

 

“Quem busca a felicidade num resultado é um burro! Então esse merece se ferrar mesmo!”

“Não tenham medo de ter uma profissão. Isso é importante, não ter medo de ter um trabalho paralelo, que sustente, pra poder fazer a música que quer”

“Com os outros sou na boa. Comigo eu sou desgraceira mesmo. Mas só dou opinião e falo as verdades pra quem eu acho que merece. Tem uns que é melhor ficar quieto e falar: ‘Ah, deixa se estourar sozinho, cara! Vai fazer a sua vida'”

“O trabalho do produtor é um pouco de médium. É como pegar a alma do artista e fazer ela encontrar com a alma do público”

“O Cordel era uma banda que tinha um potencial musical muito grande que não estava sendo desenvolvido nos discos”

 

Por AD Luna
@adluna1

Agosto de 2008. Estúdio Nimbus, em São Paulo. Eu e a equipe do Showlivre fomos conversar com Carlos Eduardo Miranda sobre produção, para o programa Mão na Massa. Infelizmente, ele faleceu cedo, aos 56 anos, em 22 de março de 2018, deixando muita gente triste. Transcrevi toda a conversa com o Velhinho, contida nos vídeos que também estão aqui. Que a Força esteja com ele!

Miranda, o que faz um produtor musical?

Acho que o papel mais importante do produtor é conseguir entender a alma do artista e conseguir levar… trazer à tona as coisas que ele mesmo não soube expressar. Esse é o trabalho do produtor, um pouco de médium também. É como pegar a alma do artista e fazer ela encontrar com a alma do público. É uma boa definição também.

Interessante essa imagem…

Mas é meio isso. Arte é um pouco isso.

E onde é que começa [a produção musical], nos ensaios?

Às vezes começa antes, cara. Tem artista que, às vezes, começo fazendo uma caminhada… Aí a gente vai caminhando, vai conversando, vou conhecendo a pessoa. Às vezes ouvindo música, às vezes saindo pra balada. Então, cada vez é de um jeito. Mas, com certeza, a parte de ensaios é fundamental porque é onde tudo se define, pra chegar no estúdio com as coisas mais elaboradas. E, por mais que tenha liberdade de experimentar, já tá focado. Não fica no estúdio sem saber o que vai fazer. É um trabalho longo. Um disco, geralmente, requer uns três meses de interação do produtor e do artista, no mínimo, pra fazer um disco legal.

E com quais bandas você já trabalhou? Um monte, né?

Bastante. Raimundos, Mundo Livre, Rappa, Lobão, Cordel do Fogo Encantado, Otto, Totonho e os Cabra, Graforreia Xilarmônica… Um monte de gente. E agora tive uma oportunidade, que foi divertida, que foi fazer um projeto pra MTV com a Coca Zero, de [pôr ] dois artistas bem diferentes juntos. Então tinha Chitãozinho e Xororó com Fresno, Paralamas [do Sucesso] com Calypso, [DJ] Marlboro com Natiruts, umas misturas bem estranhas. Foi divertido demais!

Ah, é? E não deu treta?

Deu nada, cara. Treta não rola, porque é a turma buscando a mesma coisa. Claro que o trabalho tem momentos de muita risada e momentos de muita tensão: é quando o relógio tá correndo, aí o bicho pega! Mas foi muito prazeroso, divertido de fazer. E acho o resultado artístico muito legal. Fiquei muito satisfeito. E eu mala, véi! Sou chato mesmo com o resultado artístico.

O povo sabe que você é exigente pra caramba, você chega e fala mesmo, né? Dá opinião.

Mas comigo sou pior do que com os outros, cara. Com os outros sou na boa. Comigo eu sou desgraceira mesmo. Mas só dou opinião e falo as verdades pra quem eu acho que merece. Tem uns que é melhor ficar quieto e falar: “Ah, deixa se estourar sozinho, cara! Vai fazer a sua vida”. Pra mim, não importa às vezes a minha opinião. É melhor não falar nada. Às vezes tanto faz o que vou dizer.

Mas, geralmente, quando é alguém que acho que mereça, me esforço por isso…Vou atrás… Digo, “cara, vamo ali experimentar fazer um negócio. Que nem eu fiz com o Cordel. O Cordel era uma banda que tinha um potencial musical muito grande que não estava sendo desenvolvido nos discos. Aí eu propus a eles gravar uma música comigo no estúdio, pra eles como podia ser prazeroso… que eles tinham um pouco de trava: “ah, estúdio não é legal”, tinha um papo assim. E eu acho que a gente conseguiu desenvolver isso. Mas aquilo ali era uma experiência necessária e eu fiquei muito satisfeito com o trabalho.

Nota: O disco em questão é Transfiguração, lançado em 2006 ensaio banda Motores, estúdio Nimbus, agosto de 2008

Existem regras básicas para uma banda se dar bem?

Cara, se dar bem é uma coisa muito relativa. Se dar bem é ser feliz. E ser feliz é fazer aquilo que tu gosta, que te satisfaz. Quem busca a felicidade num resultado é um burro! Então esse merece se ferrar mesmo! Felicidade tem que ser no passo que se dá no caminho que se quer. Tem que ter a felicidade de cada momento daquele caminho. Nunca a felicidade pode ser buscada… “Se eu conseguir tal coisa, vou ser feliz”. Então tem que ser muito verdadeiro com ele mesmo e dedicado. Trabalhar muito sério, porque tem muito artista que acha que ensaiando duas vezes por semana, e entrando na internet, uma, duas vezes por semana… Isso vai dar pedal…

Não vai no show dos outros. Tem que ir nos shows, tem que fazer parte da cena, tem que interagir com os outros músicos. Tem que tá ali, na MTV, pra conhecer a galera. Ir atrás. Onde tem gente que se interessa por música, ele tem que tá lá presente. E as pessoas às vezes ficam falando: “ah, panelinha”. Não é panela, cara. São as pessoas que batalham e vão atrás. Todas ficam amigas, todas fazem as paradas juntas. E quem é legal também acaba se destacando. Festivais… tem um circuito de festivais sensacional no Brasil. Só que toca, mais ou menos, as mesmas bandas… Sempre tem coisas novas. Tá aberto aos novos. Mas quem vai tocar em todos os festivais são as melhores bandas. (…) Não é panelinha, cara. Seja melhor e não reclame!

Às vezes acontece que a banda tá trabalhando e tudo. Mas parece que não acontece.

Ah, isso vale pra tudo na vida, né, cara? Acho que é sorte, dedicação, mas é carisma. São vários fatores, inevitável. Se o cara é um baita de um azarado, sempre vai ter alguma coisa que vai dar errado, na hora que as coisas tinham que dar certo. Mas aí é a vida. Às vezes esse azarado, com o tempo, vai virar um cara cult, vai ser descoberto. Os grandes artistas, os meus artistas favoritos não são muito famosos. Meus artistas favoritos não são U2, Madonna…

Quais são?

Cara, é um monte de coisa. Geralmente, coisa obscura, são malditos assim…

É, conheci por você o Cato Salsa Experience, que é muito legal. Acho que é da Suiça ou Suécia.

É Suécia. Mas assim… Gosto muito de pop obscuro (…) Tem gente conhecida que eu gosto: Neil Young, Leonard Cohen, Kraftwerk. São coisas razoavelmente conhecidas. Às vezes os obscuros são alguns dos melhores, mas são os azarados. Aqueles que deram errado, os malditos.

E uma banda vai entrar no estúdio pra gravar, de que forma ela tem que estar preparada?

Saber o que quer, antes de mais nada. Saber escolher o estúdio, saber por que está naquele estúdio. Às vezes o cara pega um puta estúdio caríssimo, e ele vai lá e tem pouco tempo naquele estúdio, muita música pra gravar. Ele tem que fazer uma boa previsão antes, do que ele vai fazer, calcular o tempo que vai usar, conversar com o produtor, com a galera do estúdio, saber exatamente onde é que ele tá se metendo.

Porque acontece muito do cara ir gravar tudo com pressa, ficar tudo meia-boca, gastar a maior grana. E assim, não ficar pensando tanto em CD. Vai lá e grava umas músicas, faz um SMD, espalha, põe na internet, no MySpace, na Trama Virtual, faz um videozinho no Showlivre, sabe? Mostra a cara. Faz show, muito show. Mas menos preocupação com as teorias, com as coisas já consagradas e com estúdio, com os nomes. Se preocupe menos com isso.

Percebo que tem umas bandas que ainda têm aquele pensamento de, ah, vou fazer um CD demo, pra mostrar. Não seria melhor já ir pensando nisso que você falou…

Fazer CD demo é imbecil, né, cara? Tudo é valendo. Até porque demo é uma palavra meio idiota, que a maiora da galera gravava aquilo e aquilo continuava sendo o oficial dele. Então, quando vai gravar, grava valendo. Se o dinheiro que ele tem dá pra usar, vamo dizer, 20 horas do estúdio, grava bem gravado uma música, duas. Não tenta fazer cinco, seis…

Mal gravadas, mal produzidas.

Isso. Faz uma, duas bem feitas e trabalha com elas. É isso, exatamente o que falei: usar a cabeça na hora de ir ao estúdio. E usar estúdio caseiro, não precisa ser tudo no mesmo estúdio. Por exemplo, tu quer um som de batera legal, vai para um estúdio que tenha um espaço bom pra batera, que tenha uma sala boa, que tenha microfones bons. Depois faz o resto em casa em num estúdio menor. Depois grava voz onde tem um bom microfone, depois vai mixa onde tem boas condições de monitoração e de equipamento. Mas não precisa ser tudo de um jeito só. Pode fazer o maior frankenstein de gravação, e isso é o legal. Isso é usar a cabeça, saber usar o dinheiro que vai investir.

Mais alguma coisa a acrescentar, Miranda?

Velho, pra acrescentar é uma coisa que vou repertir: sejam felizes, façam o que querem, e larga de ser besta desse negócio de sucesso, não sei o quê. E não tenham medo de ter uma profissão. Isso é importante, não ter medo de ter um trabalho paralelo, que sustente, pra poder fazer a música que quer.

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