Teoria e hipótese. O detetive do filme não deveria dizer que tem “uma teoria” sobre quem é o assassino, a não ser que ele já tenha a identificação por digitais, exame de pólvora ou uma confissão. Até lá, é apenas uma hipótese
Por Karin von Schmalz
Doutora em zoologia pela Universidade de Oxford
Mais um “pedantismo biológico”, daqueles que eu fazia questão de esclarecer em sala de aula: me dá nos nervos a confusão entre “teoria” e “hipótese” que aparece em todo canto.
Como quase todas essas confusões semânticas, essa também é um anglicismo norte-americano. Fazer “teoria” e “hipótese” sinônimos enfraquece os dois termos e causa uma confusão cognitiva que leva a coisas como terraplanistas e criacionistas. Então lá vai.
Hipótese é um palpite educado
Você lê/observa/ estuda alguma coisa e, com base nas informações disponíveis sobre o tema, desenvolve uma ideia por um caminho lógico. “Isso pode ser isso”. Mas é só isso, um palpite, uma ideia, uma tentativa. Formulamos hipóteses o tempo todo.
“Quem comeu o último chocolate? Só estamos nós dois aqui e não fui eu, então minha hipótese é que foi você, miserávi!”. Não há provas, mas o caminho lógico leva à ideia, que só pode ser comprovada com evidências: o amendoim no meio dos dentes do ladrão de chocolate ou o papel de bombom no bolso do meliante confirmam essa hipótese.
O detetive do filme não deveria dizer que tem “uma teoria” sobre quem é o assassino, a não ser que ele já tenha a identificação por digitais, exame de pólvora ou uma confissão. Até lá, é apenas uma hipótese.
A teoria é um apanhado teórico baseado em evidências, uma hipótese confirmada por provas
Essas provas podem ser de várias formas, mas teoria é uma hipótese que foi testada e aprovada. Na Ciência, teorias são hipóteses matematicamente apontadas como a explicação mais plausível (sempre com o erro de 5%), que repetidamente é confirmada em experimentos.
A teoria da evolução, por exemplo, tem evidências antigas como fósseis ou recentes como mudanças no DNA, e pode ser simulada, repetida (dentro das restrições temporais) e verificada em instâncias diversas. Não é uma hipótese, nem é “só uma teoria”, porque teorias são comprovadas. A teoria da relatividade é comprovada repetidamente por experimentos físicos e matemáticos. Dá “certo” toda vez.
Em algum lugar do passado, alguns religiosos resolveram distorcer esses termos na sua luta anti-científica. Resolveram popularizar a palavra “teoria” no lugar de “hipótese”, assim fazendo toda uma geração perder o respeito pela ciência porque é baseada “apenas em teorias”.
Hoje, meios de comunicação, artes e qualquer zé mané que fale em público usa teoria no lugar de hipótese, e toda uma geração não tem a mínima ideia do que foi mensurado ou é só um palpite educado.
Há alguns anos, freaks religiosos americanos saíram colando stickers nos livros de biologia dizendo “Evolução é só uma teoria”. Não poderiam dizer que “evolução é só uma hipótese” porque seria mentira, mas a confusão linguística passou essa impressão às massas engabeladas.
Tivessem os meios de comunicação o cuidado de explicar que teorias são hipóteses testadas e comprovadas, o tal sticker seria risível.
Com a confusão, centenas de milhares de pessoas usam esse “argumento” ridículo como desculpa pra desprezar o conhecimento acumulado em séculos de pesquisa.
Pessoas xingam as outras falando “isso é só uma teoria sua”, juízes repetem que acusações são uma “teoria dos fatos” (deveria ser hipótese, teoria tem prova), e a tênue barreira entre realidade e pensamento mágico cai por terra. Ninguém respeita mais 5000 anos de estudos por milhões de pessoas porque “lá vem a ciência com suas teorias”.
Sim, teorias, não hipóteses.
O desmantelo cognitivo presente é um projeto de imbecilização antigo e eficiente. Entender o significado das palavras, e usar a terminologia correta, é a única forma de tornar a comunicação eficiente.
Ainda dá tempo de consertar. Usemos os termos certos, por favor.
Gabriela Bailas, doutora em Física de Partículas, explica o que são teoria, hipótese, lei e metodologia científica
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