Tarifas de Trump encarecem ciência nos EUA e podem ter impacto global

Tarifas anunciadas pelo presidente dos EUA, Donald Trump, visam reverter o déficit comercial e fortalecer a indústria americana, mas geram alta de preços e incertezas na ciência | Imagem: Gage Skidmore/Wikimedia Commons
Medidas protecionistas elevam custos de pesquisa e ameaçam cadeias de suprimentos científicas em meio a tensões comerciais crescentes
Por Diogo Rodriguez
Desde abril de 2025, laboratórios científicos nos Estados Unidos enfrentam uma nova e inesperada barreira: o aumento abrupto no custo de equipamentos, reagentes e componentes essenciais para pesquisa.
Isso é resultado de uma política tarifária agressiva promovida pelo governo do presidente Donald Trump, que impôs tarifas de até 50% sobre produtos importados, atingindo em cheio as cadeias de suprimentos globais da ciência.
Segundo reportagem da BBC News, a justificativa da Casa Branca é fortalecer a economia nacional, proteger empregos e reduzir a dependência dos EUA de “adversários estrangeiros”.
Trump afirmou que “às vezes é preciso tomar o remédio”, referindo-se às tarifas como uma forma de “reviver a indústria americana”.
Contudo, especialistas alertam para um efeito colateral preocupante: o impacto sobre a ciência e a inovação.
Equipamentos mais caros, pesquisa comprometida
Laboratórios norte-americanos dependem fortemente de fornecedores internacionais. Segundo a revista Science, China, México e Canadá — alvos das tarifas mais altas — são responsáveis por uma ampla gama de insumos, como pipetas, tubos de ensaio, painéis LCD, reagentes e componentes eletrônicos.
Outros países também foram atingidos: a Alemanha teve tarifas de 20%, o Japão de 24% e a Suíça de 31%, afetando produtos de alta tecnologia como microscópios, espectrômetros e sequenciadores de DNA, conforme mostra a revista Nature em artigo publicado em março.
“Esses itens não são luxo. Eles são a espinha dorsal da ciência moderna”, afirmou à Nature o pesquisador Tinglong Dai, da Universidade Johns Hopkins.
Drew Kevorkian, CEO da fornecedora ARES Scientific, relatou um aumento imediato nos orçamentos: “Estamos fazendo cotações hoje que são 20% mais caras do que ontem”.
Efeitos econômicos mais amplos
As tarifas não afetam apenas a ciência. De acordo com a BBC News, os impostos sobre importações podem elevar os preços de uma série de bens de consumo, de alimentos a eletrônicos.
O Fundo Monetário Internacional (FMI) alertou para riscos de recessão global, e mercados na Europa e Ásia já registraram quedas bruscas.
O próprio modelo de cadeia de produção global está ameaçado. Um mesmo produto pode cruzar fronteiras várias vezes antes de ser concluído — como no caso de automóveis e equipamentos científicos.
“Mesmo produtos feitos nos EUA dependem de componentes importados”, lembrou Dai.
Uma possível resposta das empresas seria migrar para fornecedores nacionais. Mas isso é lento e nem sempre viável. “Não é como apertar um botão. É preciso garantir qualidade e construir confiança”, explicou à Nature Canan Gunes Corlu, especialista em cadeia de suprimentos da Universidade de Boston.
Além disso, mesmo com tarifas, importar ainda pode sair mais barato. “Acredite se quiser, alguns produtos continuam mais baratos mesmo com o imposto”, disse Kevorkian.
Estratégias de adaptação e incertezas futuras
Diante da instabilidade, pesquisadores adotam estratégias defensivas.
O biólogo Tony Gamble, da Universidade Marquette, em Wisconsin, adiantou a compra de insumos logo após a eleição.
“Estoquei computadores, ponteiras, luvas e tubos de amostra. Estou feliz por ter feito isso”, disse ele à Science.
No entanto, estocar é apenas uma medida paliativa. Organizações como a American Hospital Association já pediram isenções para produtos médicos e farmacêuticos.
A expectativa é de que o cenário se torne mais complexo, com possíveis novas tarifas sobre parceiros europeus.
Tensão internacional e possível guerra comercial
As reações internacionais não tardaram. A China, atingida por tarifas acumuladas de 54%, anunciou retaliações de 34% sobre produtos americanos.
A União Europeia também estuda medidas similares. Líderes de países aliados, como Reino Unido, Austrália e Japão, classificaram as ações como “injustificáveis” e “não amigáveis.”
Os aumentos tarifários não seguem exatamente uma lógica de reciprocidade.
Em muitos casos, os percentuais foram calculados para eliminar o déficit comercial dos EUA com cada país — mesmo quando esses países, como o Reino Unido, compram mais dos EUA do que vendem.
Fonte: Science Arena