Sociedade

Suspensão de bolsas da Capes afeta 6 mil alunos de pós-graduação da USP

Suspensão de bolsas da Capes fez com que a reitoria liberasse acesso aos restaurantes da Universidade e estuda outras medidas de assistência aos estudantes afetados

Por Herton Escobar
Jornal da USP

Mais de seis mil alunos de pós-graduação da Universidade de São Paulo foram diretamente afetados pela suspensão do pagamento de bolsas da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), do Ministério da Educação (MEC), efetivada nesta quarta-feira (7 de dezembro) — dia em que os valores deveriam ter sido depositados na conta dos bolsistas. A Reitoria da USP autorizou ontem o acesso gratuito desses pós-graduandos aos restaurantes da Universidade e estuda a adoção de outras medidas de assistência aos alunos prejudicados.

“Se a suspensão das bolsas for mantida, teremos que agir de alguma forma”, disse o pró-reitor de Pós-Graduação da Universidade, Márcio de Castro Silva Filho. “Várias possibilidades estão sendo estudadas, inclusive um apoio emergencial temporário. Neste caso, uma consulta aos órgãos competentes está em andamento, além de ter uma operacionalização que requer o estabelecimento de procedimentos específicos.” 

A USP tem quase 30 mil alunos de pós-graduação (mestrado e doutorado), mais de seis mil dos quais são bolsistas da Capes. O pagamento é feito diretamente pela agência federal aos alunos, sem qualquer participação da USP no processo.

O valor mensal das bolsas federais é de R$ 1.500 para mestrado e R$ 2.200, para doutorado. Pelos cálculos iniciais da Reitoria, a reposição integral dos auxílios custaria à Universidade cerca de R$ 12 milhões por mês.

“As Pró-Reitorias de Pós-Graduação das Universidades Estaduais Paulistas manifestam sua extrema preocupação com o contingenciamento imposto à Capes pelo Ministério da Economia, inviabilizando a Fundação de honrar seus compromissos de pagamento dos mais de 200 mil bolsistas no País. Este é mais um exemplo que traduz a insustentável situação em que se encontra a educação brasileira, suas condições de financiamento e suas bases de desenvolvimento. Urge que as autoridades vigentes tomem providências para que ocorra a reversão imediata desse quadro, para que o mínimo de normalidade na vida dos bolsistas seja preservado”, diz uma nota divulgada pelas Pró-Reitorias de Pós-Graduação das três universidades estaduais paulistas (USP, Unicamp e Unesp). 

A suspensão dos pagamentos foi anunciada pela Capes no fim da tarde de terça-feira (6/12), com a publicação de uma nota oficial no site da entidade. A medida resulta de uma série de cortes e bloqueios orçamentários impostos pelo Ministério da Economia, em especial do Decreto 11.269, de 30 de novembro, que bloqueou integralmente a liberação de novos recursos financeiros até o fim do ano, para todos os ministérios. “Isso retirou da Capes a capacidade de desembolso de todo e qualquer valor — ainda que previamente empenhado — o que a impedirá de honrar os compromissos por ela assumidos, desde a manutenção administrativa da entidade até o pagamento das mais de 200 mil bolsas”, diz a nota da coordenação.

Muito mais do que um simples auxílio financeiro, as bolsas são a única fonte de sustento para grande parte dos alunos de pós-graduação em todo o Brasil. “A perspectiva é de colapso e apagão da vida dos pós-graduandos”, disse a diretora de relações internacionais da Associação Nacional de Pós-Graduandos (ANPG) e aluna de doutorado da USP, Amanda Harumy.

Ela ressalta que o valor das bolsas federais não é reajustado desde 2013, e que o perfil da pós-graduação brasileira mudou muito nas últimas décadas, em função da democratização do acesso ao ensino superior promovido pela lei de cotas e outras políticas de inclusão social. Por isso, diz ela, não é exagero dizer que a suspensão das bolsas representa uma ameaça até mesmo à segurança alimentar de muitos estudantes, que dependem desses recursos para suprir suas necessidades básicas de alimentação, moradia, saúde e transporte. Os valores são depositados no quinto dia útil de cada mês.

“Já tive que cortar alguns cuidados com a saúde e estou abrindo mão de outros gastos para fechar o ano minimamente respirando”, contou ao Jornal da USP a fisioterapeuta Merllin de Souza, que faz doutorado na Faculdade de Medicina da USP e foi uma das bolsistas afetadas pela suspensão.

“Hoje mesmo tive que pedir dinheiro ao meu irmão para pagar uma marmita”, disse o químico Caio Faiad, doutorando no Programa Interunidades de Ensino de Ciências da USP, que também teve a bolsa suspensa e não sabe como vai pagar as contas nos próximos meses.

As bolsas de pós-graduação federais são concedidas com um compromisso de dedicação em tempo integral às atividades de ensino e pesquisa, apesar de não contemplarem nenhum direito trabalhista. “Não temos nenhum vínculo empregatício, mas temos que ter dedicação exclusiva”, explica Faiad. “Sem a bolsa, perdemos nosso meio de subsistência.”

Notas de repúdio

Praticamente todas as entidades de representação da comunidade acadêmica e científica emitiram notas repudiando a atitude do governo. A ANPG classificou o bloqueio como “calote” e reivindicou a liberação imediata dos recursos. “A situação atual é consequência direta da escandalosa devassa nas contas públicas que Jair Bolsonaro realizou para garantir recursos para o orçamento secreto e sua reeleição, associado aos efeitos de sua política econômica”, diz a nota da associação, que convocou uma paralisação de pós-graduandos para esta quinta-feira (8).

A Iniciativa para a Ciência e Tecnologia no Parlamento Brasileiro (ICTP.Br), que congrega as oitos maiores organizações científicas e acadêmicas do País, classificou a suspensão das bolsas como mais uma “manobra perversa” do governo Bolsonaro, “que nesse final de mandato prejudica diretamente milhares de jovens profissionais e estudantes”.  

“Tivemos quatro anos de uma política inaceitável: um governo hostilizando ciência, educação, saúde, meio ambiente, cultura e os mais pobres, num ataque constante ao conhecimento e aos valores éticos da humanidade. Agora chegamos ao inacreditável: no apagar das luzes, esse governo desonra seus compromissos legais de financiamento a essas áreas, que constituem a vida do povo e da nação”, declarou a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), atualmente presidida pelo professor Renato Janine Ribeiro, da USP.

Para o pró-reitor de Pós-Graduação da USP, Silva Filho, mesmo que o pagamento das bolsas seja retomado nos próximos meses, a suspensão representa mais um desestímulo à entrada de jovens na pós-graduação — que, além do baixo valor das bolsas, agora terão de lidar com a incerteza de pagamento. “É uma péssima sinalização para o futuro da pós-graduação brasileira, apesar de todos os extraordinários resultados que ela vem proporcionando ao País”, disse.

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