Artes

“Soul”: um filme sobre esse negócio chamado vida

A obra é sobre aquilo que podemos ver, sentir, tocar, é sobre as dores da vida

Por Raphael PH Santos*

“Soul”, animação Disney/Pixar, é dirigido e roteirizado por Pete Docter e co-dirigido por Kemp Powers.

O filme acompanha um professor de música e pianista, Joe Gardner, que morreu justamente no dia em que ganhou a chance de mudar sua vida ao tocar com uma grande estrela do jazz.

No mundo das almas, antes de ir para os finalmentes, ele consegue escapar desse fluxo e volta para um local onde as personalidades das pessoas que vão nascer, ainda estão sendo forjadas.

Vindo da mente do Pete Docter – talvez o criador da Pixar mais sensível e simpático, hoje em dia, vide aí filmes como, por exemplo, “Divertidamente”,”Up: Altas Aventuras” e Monstros S/A – “Soul” demonstra as principais características desse criador: calmo divertido extremamente reflexivo.

Fora isso, quebra vários padrões estabelecidos e exauridos pela própria Pixar.

O jazz, apesar de ser vendido no trailer como um protagonista, na verdade não é. O roteiro foca em seu protagonista de fato e naquilo em que ele acredita ser seu propósito.

Sendo assim, ele é confrontado por si mesmo várias vezes. E, mesmo que não se pergunte, é levado a colocar em questionamento os seus conceitos de missão, dom e os seus gostos pessoais.

A morte como uma viagem interna

A vida nos faz sempre olhar para uma jornada, mas dificilmente nos faz duvidar dessa jornada. Por conta disso, foi preciso literalmente morrer para que o protagonista visse a que de fato serve a sua vida.

A morte aqui, assim como no “Viva” – outro filme da Disney/Pixar – surge como uma viagem interna, um autoconhecimento, e a introspecção que precede grandes mudanças.

O terceiro ato pertence ao ritmo mental do protagonista. Quando Joe para, o filme também para. Quando Joe acelera, o filme também vai junto. Quando Joe se incomoda, os elementos técnicos nos levam a acelerar o nosso próprio ritmo.

Nessa modulação, o roteiro joga fora o conceito básico da volta para casa e vende o conceito da revisita pontual a sua casa. Quase joga fora, inclusive, a necessidade de um antagonista. Pois o antagonismo mora dentro do próprio protagonista.

A pureza em “Soul”

Se tem alguém que incomoda a história, é a coadjuvante – representada ali pela 22. É ela quem, em vez de um vilão, impulsiona Joe a ser bom ou ruim, errado, certo, míope. E também a ser, de certa forma, clarividente de si.

No filme eles tentam até criar figura um pouco antagônica, vilanesca, só que ela surge mais como um alívio cômico. É algo para gerar um conflito um pouco mais óbvio, para os olhos mais puros, digamos assim.

Por falar em pureza, é ao tratar sobre morte que o filme se mostra mais puro ainda.

Assim como abordou a velhice com muita leveza no “Up” e até o terror dos monstros, com mais leveza ainda eu diria, no “Monstros S/A”, o diretor e roteirista facilita mais um conceito complexo, não só para os mais novos, mas também para os mais velhos.

É fato que “Soul” pode contrariar quem aguarda uma homenagem à profissão de músico como “Ratatouille” foi, por exemplo, à profissão de cozinheiro.

“Soul” deixa bem claro que não é sobre isso, é sobre missão, é sobre aquilo que mora em nós e nem sabemos por que que aquilo está lá.

Mas ainda, é sobre apreciar as pequenas coisas e aqui o jazz surge novamente. Numa apresentação de jazz, de vez em quando, os músicos se apresentam individualmente. Só piano, sax, baixo e por aí vai.

Em outro momento, a velocidade é freada e lentidão contemplativa toma conta da apresentação. Ou seja, é a pausa para apreciar o simples, apreciar a beleza do mundo e apreciar individualmente aquilo que nem sempre está lá para nós. Mas podemos tomar pra si na hora em que quisermos.

“Soul” é um filme bem maduro, mais focado nos adultos e deixa aos jovens apenas alguns elementos mais simples.

É piegas falar que sou é um filme com muita alma, não cairei nessa. “Soul” é sobre gente, é um filme muito sobre quem na verdade está vivo e sabe viver esse negócio chamado vida.

É sobre aquilo que podemos ver, sentir, tocar, é sobre as dores da vida, sobre as dores dessa teima, de sempre procurarmos saber para que a gente serve, ao continuarmos aqui nesse plano existencial.

*Crítico de Cinema desde 2005. Membro da ACECCINE. Produz conteúdo sobre séries e filmes. Tem canal no Youtube (+260 mil inscritos), faz lives na Twitch e colabora com o jornal O POVO (CE). Contato: www.phsantos.com.br

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