Por Rodrigo Brandão
Em 1998, ninguém à minha volta falava de Elza Soares. Apesar de ser um bando de nerd musical numeroso e dedicado. O nome dessa deusa só passaria a protagonizar as conversas um par de anos depois, com seu Do Cóccix Até O Pescoço, puxado pel’A Carne do saudoso Yuka.
Ninguém exceto Pupillo, que chegou certo dia todo contente com uma cópia novinha do Elza Pede Passagem, recém trocado por um punhado de moeda enferrujada num sebo da Rua Augusta.
Olhando em retrospectiva, chama atenção o quanto ele já carregava consigo uma predileção por expressões artísticas vindas de um Brasil ‘vintage’.
No decorrer dos verões que separam aquele instante do aqui / agora, ficou fácil perceber que seu ouvido atento seguiu adiante numa estrada estética profunda. Foi além do mérito, já muito admirável, reconhecido a partir da hora em que foi convocado por Chico Science para integrar a Nação Zumbi: o de grande ritmista, daqueles que imprime estilo pessoal em tudo que toca.
Tornou-se artista. Sem medo, passou a se aventurar também nos terrenos da produção musical. Sempre pautado por escolhas passionais, como toda novela que se preze.
Agora, essas três facetas convergem num mesmo trabalho.
O tema são os temas criados para sonorizar folhetins televisivos produzidos durante o auge criativo do gênero no país, que coincide com a ditadura militar. Música funky, majoritariamente instrumental, onde os vocais ocasionais em geral funcionam como instrumentação. Um lugar de pouca letra, designado como discreto soro pra tantos tons de terror e tortura. Sintomático que essas trilhas voltem à tona num período histórico assustadoramente semelhante àquelas duas décadas pós-Golpe de 64.
Capitaneando um time de chapas formado por Thomas Harres (percussão e voz), Marcio Arantes (baixo e voz), Zé Ruivo (teclados, sintetizadores e voz), Guri (guitarra e voz) e Ângelo Medrado (voz e caxixi), além dele mesmo na bateria e voz, Pupillo estreia a alcunha do SONORADO.
Influenciado inevitavelmente pelo hip hop que dita o bpm do coração de comparsas como Jorge Du Peixe e mesmo esse que vos tecla, encontrou na cultura dos breakbeats um nicho pra chamar de seu.
É natural que certo parâmetro com a Incredible Bongo Band, do produtor Michael Viner, se estabeleça. A perspectiva é parecida, a essência dos trechos puramente percussivos que deixam os DJs salivando é a mesma. O sentimento da batida de rap em sua forma original.
Com a diferença que aqui, uma verdadeira constelação da melhor música do Brasil de Todos Os Tempos marca presença de fato, via autoria das faixas, criadas sob encomenda na época: Marcos e Paulo Sérgio Valle, Toquinho e Vinicius de Moraes, Caetano Veloso, Antonio Carlos & Jocafi, Azymuth, Roberto e Erasmo Carlos, Baden Powell e Paulo César Pinheiro. Sério.
No entanto, são dois maestros cujos nomes não constam nos créditos, ambos com vasto volume, sob suas batutas, de material composto para acompanhar imagem em movimento; pretos, brasileiros e geniais, que parecem pairar pelo disco. Papo de Erlon Chaves e Waltel Branco. Dois gigantes que devem estar sorrindo lá no alto do Orum ao ouvirem essas gravações.
Sobre o projeto
Músico e produtor, Pupillo sempre teve a criatividade como sua marca registrada, seja na Nação Zumbi, banda que integrou por mais de 20 anos ou em seus vários outros projetos. Este ano ele montou o projeto SONORADO para recriar temas clássicos de novela.
“Fui fazer um show instrumental no Sesc e, como tenho uma coleção de vinis de trilhas de novelas dos anos 70, montei um repertório em cima disso. Nessa época, as TVs brasileiras tinham maestros, arranjadores e compositores que trabalhavam para as trilhas especificamente. As músicas são maravilhosas. O show foi ótimo e resolvi gravar um disco” – conta Pupillo.
Na hora de montar os arranjos, Pupillo (bateria e voz) trouxe a influência da cultura do breakbeat, com longos trechos puramente percussivos. Todas as músicas trazem esse clima delicioso do início do hip hop. Ele foi acompanhado por Thomas Harres (percussão e voz), Marcio Arantes (baixo e voz), Zé Ruivo (teclados, sintetizadores e voz), Guri (guitarra e voz) e Ângelo Medrado (caxixi e voz). “A escolha do repertório foi muito em cima da influência do começo do hip hop, ali quando os DJs descobriram os breakbeats” – finaliza.
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