Escritor pernambucano Raimundo Carrero lança box com quatro obras
“Ceifa sangrenta em campo de batalha” traz obras escritas entre 1984 e 1992, que condensam o projeto literário de Raimundo Carrero, influenciado pelo Movimento Armorial, com histórias tensas e violentas que retratam a luta do autor com a realidade
Novo lançamento da OIA Editora, o Box “Ceifa sangrenta em campo de batalha” reúne quatro romances e novelas da primeira fase da carreira do escritor pernambucano Raimundo Carrero: “A Dupla Face do Baralho – Confissões do Comissário Félix Gurgel” (1984), “Viagem ao Ventre da Baleia” (1987), “Os “Extremos do Arco-Íris” (1992), e “Sinfonia para Vagabundos” (1992). O projeto da reedição dos livros foi liderado pelo escritor, editor e diretor de publicações da OIA Editora, Thiago Medeiros. “É uma honra imensa recebermos a obra do Raimundo Carrero e tê-lo conosco. Estas publicações que formam o box são um resgate das obras de crítica sócio-política mais contundentes do autor”, afirma Medeiros.
Desde o início da carreira, como cronista do jornal Diário de Pernambuco, no início da década de 1970, Carrero deixou sua marca na cena literária, jornalística e intelectual pernambucana. Fortemente influenciado por Ariano Suassuna e o Movimento Armorial, Carrero, nas palavras do escritor José Castello, que assina o prefácio do box, é “um homem que vive agarrado ao real”. Suas histórias – tensas, violentas, profundas, amarradas a sentimentos contraditórios e alucinações extremas – são extraídas dessa luta furiosa entre o autor e a realidade.
Um escritor que “não só celebra a vida, mas que a explode e a recria”, segundo Castello, Carrero não está interessado em “fotografar a vida”, se afastando assim das correntes realistas e, em especial, do regionalismo. Apesar da estética capturada pelo olhar Armorial, Raimundo Carrero salta muito para a frente, explorando a realidade pelo aspecto humano. Jornalista de formação e profissão, Carrero veste a “postura Armorial” para questionar e enxergar o que há por trás da aparente banalidade do noticiário.
Diante da insuportável realidade, a grande pergunta oferecida por Carrero é: “como posso modificá-la”? Pratica uma escrita de ação, que deseja influir, alterar, perturbar. Não se limita à descrição passiva dos cenários, ou de seus personagens, escreve para desafiá-los a tentar novas formas de ser. Sua literatura tem, ou deseja ter, uma utilidade.
José Castelo , escritor, jornalista e crítico literário
Em conjunto, os quatro livros traçam a evolução literária de Carrero, dos temas que o motivam, e da história e da luta política e social em Pernambuco entre as décadas de 1980 e 1990, seja na capital Recife, em cidades do interior, como Salgueiro, ou em pequenas comunidades do Sertão. Crime, violência, loucura e as relações de poder do Brasil arcaico que sobrevivem na contemporaneidade são as matérias primas de narrativas.
Eu entendo a escrita de Raimundo Carrero através das ruas, espaços e ocupações do Recife. A cidade é um cenário perfeito para seus personagens e roteiros que de fato nos impactam e transformam paisagens urbanas em fatos e estrutura que apenas ele tem capacidade de desenhar com frases e palavras que transformam nosso pensamento.
Silvério Pessoa, músico e ex- Secretário de Cultura de Pernambuco
SINOPSES
A dupla face do baralho
“Estou aqui sentado na cadeira de balanço em frente à minha casa, nesta cidade de Santo Antônio do Salgueiro, esperando a morte.” Assim começam as revelações do personagem narrador Félix Gurgel. Aposentado, sozinho, esquecido por todos, faz um balanço de sua vida, criando uma espécie dissertação sobre culpa, não só em seu aspecto religioso, mas também no social e político. Na juventude, ele foi levado a roubar e matar. Ao tornar-se comissário de polícia, desenvolve o lado cruel em sua personalidade, espancando, humilhando, subjugando as pessoas. Mas, consumido pelo remorso não só no presente, mas também na época em que cometera os crimes, ao se aproximar da morte, precisa acertar as contas com o passado.
Viagem no Ventre da Baleia
História de uma guerrilha fictícia engajada em pleno sertão pernambucano. Em Jatinã, uma pequena comunidade rural, os moradores fizeram suas vidas sobretudo trabalhando no regime de meia, subjugados ao coronel Salvador Barros. O romance oferece o ciclo ancestral da luta pela terra e da luta pela permanência nela – um dos diagnósticos principais do atraso brasileiro. Os 350 anos de escravidão e o genocídio dos povos originários, quase silenciados ao longo de nossa história, criaram uma mentalidade de castas. Onde alguns eleitos decidem tudo enquanto a grande massa não decide nada.
Os Extremos do Arco-íris
O enredo se desenvolve a partir de uma notícia no jornal, lida por um desempregado a procura de emprego, de um corpo encontrado no telhado do Hospital Psiquiátrico da Tamarineira do Recife. O protagonista encontra-se exatamente no meio, na fronteira, na fina risca que delimita a normalidade e a demência. Nessa situação angustiante, chega a achar que ele mesmo é o autor de um diário escrito por alguém que já morreu, ou a pensar que é seu o corpo encontrado no telhado do hospital.
Sinfonia para Vagabundos
Oferece ao Recife seu hino definitivo, mostrando-lhe sua verdadeira cara, seu cheiro, seus ruídos, seus fantasmas. Com o mais puro lirismo e o mais duro e cru realismo, é um livro que afaga e que apedreja. O autor apresenta os personagens Virgínia, Natalício e Deusdete colocando todas as suas inquietações e sensações, levando o leitor a descobrir de forma sutil os problemas apresentados. Uma obra estranha e inquieta, que comove e espanta, incomoda e derruba tabus e preconceitos.
Raimundo Carrero, nascido em 1947 em Salgueiro, no interior de Pernambuco, é jornalista, escritor e professor de criação literária. Trabalhou por 25 anos no jornal Diário de Pernambuco, exercendo, entre outros cargos, os de cronista, crítico literário e editor-chefe. No início da década de 1970 participou ativamente, como romancista e contista, do Movimento Armorial, idealizado pelo escritor e dramaturgo Ariano Suassuna, que visava realizar uma obra erudita com base nos símbolos e insígnias da cultura popular. Chegou a ser assessor do sociólogo Gilberto Freyre. Autor de 17 livros de ficção, além de volumes de ensaios, foi eleito em 2004 para a Academia Pernambucana de Letras. Desde a década de 1990, ministra a própria Oficina de Criação Literária, que revelou escritores como Marcelino Freire. No ano 2000, recebeu o Prêmio Jabuti na categoria Contos pelo livro “As Sombras Ruínas da Alma”. Em 2010, venceu o Prêmio São Paulo de Literatura pelo romance “Minha Alma é Irmã de Deus”.
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