China pode passar à frente dos EUA em envio de pessoas de volta à Lua
Psicólogo Daniel Gontijo questiona fenômenos paranormais em canal no YouTube
O psicólogo Daniel Gontijo mantém canal no YouTube onde promove reflexões sobre religião, ceticismo, psicologia e fenômenos paranormais
Por AD Luna
Maior site de vídeos do mundo, o YouTube vem sendo ocupado por pessoas preocupadas em difundir conhecimento. Este é o caso do psicólogo mineiro Daniel Gontijo, cujo canal no YT, aborda temas sobre religião, fenômenos paranormais, neurociência, ceticismo.
Gontijo participou, nesta quarta (24), do programa InterD – música e conhecimento, veiculado pela Universitária FM do Recife e nas principais plataformas digitais.
Nesta primeira parte da entrevista, ele fala sobre a psicologia e as neurociências vêm suprimento sua busca pelo entendimento da condição humana e da importância da divulgação científica para a população.
Leia transcrição de maior parte da entrevista.
Daniel Gontijo, apresente-se aí pra gente e desde já obrigado pela participação
Obrigadão pelo convite. Participar do programa InterD é uma satisfação, fico super contente pela oportunidade de falar um pouco dos meus trabalhos.
Pois é, sou psicólogo, tenho mestrado e doutorado em neurociências pela Universidade Federal de Minas Gerais. Sou professor de psicologia da Faculdade Pitágoras, atendo em consultório particular com a terapia cognitivo-comportamental e, na internet, faço divulgação científica, reflexões críticas sobre ateísmo, religião e fenômenos paranormais.
Sou do interior de Minas, [da cidade de] Bom Despacho. Comecei meu curso de psicologia por lá, não tive ninguém da família para me incentivar, acho que até pelo contrário (risos). Todo mundo queria ou tinha expectativa que eu seguisse os negócios da família com contabilidade. Mas nada a ver comigo.
Porque sempre curti refletir sobre a vida, coisas mais da filosofia, até desse universo mais metafísico.
Abandonei a religião aos 15 anos e aí comecei a adotar algumas crenças que algumas pessoas brincam, hoje em dia, [ligando-as aos] “jovens místicos”. Eu tinha interesse, por exemplo, em meditação, aquele lance de viagem astral, acreditava muito em fenômenos paranormais tipo telepatia, premonição e coisas do tipo.
De certa forma, a minha busca por um curso [como] filosofia no início, depois psicologia, foi um pouco para responder a essas minhas questões.
Veja também
“Ciência não é uma questão de opinião”, explica Carlos Orsi
“Existe uma falha grave de comunicação entre nós cientistas e a sociedade”, diz Mariana Guenther
Pensamento científico é questão de utilidade pública, defende professor da UFPE
Pseudociência e a vontade de acreditar
Veículos de imprensa fazem campanha para conscientização da importância da vacina
Psicologia e realização pessoal
Com a saída da religião da minha vida, fiquei com muitas questões, talvez estivesse um pouco perdido e queria um norte. Não só não no sentido de respondê-las, mas sempre tive interesse, curiosidade, para entender esses tipos de experiências, o nosso lugar no mundo. Acho que esse foi um pouco o cenário do que me jogou para a psicologia.
Foi uma coisa muito de realização pessoal mesmo, de entrar em contato com conteúdos que mexeram comigo, na adolescência, para poder amadurecer mais essa minha forma de pensar e a minha visão de mundo. E, eventualmente, ajudar as pessoas.
Mas acho que desde o início do curso já tinha essa visão voltada para uma carreira mais acadêmica, de ensino, de pesquisa e não tanto focada na clínica – embora eu curta atender. Acho que essas questões existenciais me moveram mais para escolher o curso de psicologia.
Fenômenos paranormais
Agora é bom comentar que, desde os primeiros períodos do curso, já fui me afastando dessa visão mais sobrenatural do mundo, sobre essas experiências que te falei antes, para adotar uma visão de mundo mais científica.
A psicologia foi muito importante, desde o início ali da minha trajetória, para fornecer explicações alternativas, mais racionais, para experiências que eu tinha e que eu assistia, que observava pessoas tendo ou me relatando a respeito dessas coisas paranormais ou religiosas.
Tive esse contato, no início, até com a psicanálise, com Freud, depois de um tempo com outros autores da psicologia, como Skinner, o pessoal da cognitiva também como Steven Pinker, António Damásio das neurociências, Richard Dawkins, biólogo evolucionista e militante ateísta.
[Eles] foram enriquecendo a minha visão de mundo, foram trazendo, digamos assim, alternativas, para explicar algumas questões que eu tinha. Então, rapidamente abandonei aquelas ideias, até aquele interesse sobre o sobrenatural fui deixando na gaveta para conhecer mais o mundo a partir dessa lente científica.
E fui mudando o meu foco também. Comecei a me preocupar com outras coisas, mas isso sempre me interessou. Só no doutorado que eu fui resgatar esse projeto da gaveta, quando estudei a relação entre religiosidade, ateísmo, diferentes visões de mundo, e a saúde mental. E [essa] é, ainda, minha principal linha de pesquisa.
O que mais te fascina na psicologia?
É o poder dela, enquanto ciência, de explicar por que a gente se torna ou como a gente se torna quem a gente é. É claro que ela sozinha não explica tudo, a psicologia tem uma parcela, uma fatia de explicação sobre esse fenômeno, porque o comportamento humano é multideterminado. Você [também] vai lá na química, na biologia, e encontra algumas respostas interessantes.
Por exemplo, nossas diferenças individuais, de personalidade, diferenças genéticas explicam – em alguma medida, não completamente – as nossas diferenças de personalidade, mas também as nossas experiências de vida, os nossos condicionamentos ou aprendizagens.
E aí a psicologia entra para poder fazer a sua contribuição. Então, acho que o que mais me fascina nela é a proposta de responder algumas questões sobre nós mesmos, para gente se situar, quem somos nós.
Até mesmo algumas questões mas existenciais, ela consegue responder, fazer sua contribuição, o que eventualmente gera um contraponto com algumas coisas, por exemplo, da astrologia.
A psicologia chega como uma ferramenta muito poderosa para poder fazer contrapontos e com métodos muito mais rigorosos, muito mais confiáveis, uma vez que a gente utiliza ferramentas estatísticas, coletas de dados muito sistemáticas, delineamento de pesquisas experimentais também.
A psicologia tem estudos experimentais bem interessantes para podermos investigar o comportamento humano (tem gente que tem preconceito, acha que ela não tem). Várias respostas que a gente adquire nessas investigações respondem a essas questões muito interessantes sobre a condição humana, quem somos nós. [Encontrei] explicações alternativas para o que eu acreditava ser o sobrenatural, o espiritual. O estudo me chama muita atenção.
Psicologia, neurociências e ceticismo
Sou uma pessoa cética, né, Luna? Você me conhece um pouco aí da minha divulgação científica, das minhas redes sociais. Eu trago muitas questões, problematizo muito, mas também não posso ter a cabeça totalmente fechada. Se algum dia a psicologia, as neurociências, não conseguiram explicar algumas coisas sobre nós mesmos, do ponto de vista aí de nossas experiências mais anômalas, esquisitas, e tal, pode ser que eu me renda.
Se tivermos boas evidências de que existe alguma coisa para além disso aqui, acho que vou achar até mais legal, para ser sincero com você. Mas, atualmente, acho que a forma como a psicologia e as neurociências contribuem para a gente entender um pouco sobre quem somos nós, para a gente entender como que é possível termos consciência.
Está aí um tema muito legal que a filosofia da mente toca muito: como que é possível emergir da atividade cerebral a sensação de sermos alguém, ouvindo alguma coisa que alguém está dizendo, sentindo cheiro de algo, pensando tomando decisões?
Como que o cérebro constrói isso? Responder a essa questão toca de novo nessas questões existenciais.
Será que existe uma alma, além disso aqui ou sou só o meu corpo?
Acredito que, talvez mais aqui no Brasil e em países subdesenvolvidos, a gente ainda não reconhece o poder que a psicologia tem para poder abordar essas questões.
Qual a importância da divulgação científica e do pensamento científico para a sociedade, para os cidadãos individualmente?
Vou usar um exemplo do que aconteceu hoje cedo, para explicar a importância da alfabetização científica, da divulgação científica para a população. É claro que a gente tem vários desafios, sabemos que não dá para salvar o mundo com divulgação científica, que a ciência tem suas falhas.
Mas, a despeito de todas as limitações, do nosso alcance e da própria ciência, nós que trabalhamos com divulgação temos muito certo que existe uma relevância muito grande de a população incorporar um pouco do pensamento científico, do pensamento crítico que a ciência inclusive pode alimentar.
Homeopatia e pseudociência
Esse comentário foi o seguinte: eu tinha postado em alguns grupos, para fazer divulgação da entrevista que o Ronaldo Pilati [doutor em psicologia pela UNB] vai me conceder lá no meu canal, sobre ciência e pseudociência, uma problematização na qual falo um pouco dos conteúdos e coloco a homeopatia como um exemplo de pseudociência e um dos tópicos que a gente pode abordar nessa entrevista.
Aí uma pessoa falou: “Como assim colocar homeopatia ao lado de astrologia, por exemplo? Nada a ver, o conselho de medicina reconhece a homeopatia como uma ciência, você está falando besteira”.
Esse tipo de comentário ilustra muito bem para mim a falta de conexão que o grande público tem com essas questões sobre ciência e pseudociência.
E por quê? A Bibi Bailas (Gabriela Bailas), a qual inclusive entrevistei recentemente lá no meu canal – e que também tem um canal muito bacana, o Física e Afins, no YouTube -, bate muito nessa tecla: de que existe muita política por trás daquilo que um conselho de psicologia, de medicina, farmácia, vai reconhecer como sendo uma prática válida cientificamente ou não.
Não é porque o governo está investindo em um medicamento x ou y, que aquilo ali tem comprovação científica. Às vezes, investe-se para a gente testar. Mas é claro que existem políticos que são totalmente incompetentes, do ponto de vista científico, que fazem afirmações totalmente irresponsáveis sobre [por exemplo] a situação que a gente vive, agora [em meio à pandemia da covid-19].
E isso dá muita raiva nos divulgadores científicos. Porque a gente vê mais um reflexo de como a ciência não está alcançando pessoas muito importantes, que são os políticos, que vão assinar a papelada, que vão falar coisas que incentivam a população a tomar certas atitudes numa situação de calamidade como essa, da pandemia.
Divulgação científica ajuda a conscientizar a população
A divulgação científica tem essa relevância de conscientizar o povo sobre práticas que funcionam e que não funcionam; sobre como identificar um charlatão; quais critérios adotar para poder decidir se eu vou não vou me submeter a uma terapia, que minha vizinha falou que funciona, que ela foi lá deu umas espetadinhas na orelha ou colocou não sei o quê no chazinho dela pela manhã.
É dinheiro investido nisso, é energia que a gente gasta e pode ser nossa saúde que vai para o ralo, porque a gente pode estar adotando procedimentos que não passaram por toda uma investigação para saber o que funciona ou que não funciona, para se ver o que que tem de risco ou não.
A divulgação científica tem esse valor, de conscientizar a população, de fazê-la saber como o método científico funciona, por que as vacinas são seguras, por que existem tratamentos que não são reconhecidos ou não têm uma validação científica.
Essa confusão que essa pessoa fez lá [na minha postagem] no Facebook é porque ela não acompanha divulgação científica o bastante para saber que inúmeras pesquisas constataram que não existe eficácia na homeopatia, além do efeito placebo – que é o efeito da sugestão, da mera expectativa de melhora.
Se você compara o remédio homeopático com uma pílula de farinha, você não vai ter diferença no tratamento de diversos tipos de condição. São revisões sistemáticas de literatura, que analisaram dezenas ou centenas de estudos bem controlados, bem conduzidos de homeopatia que chegaram a esses resultados.
Como existe muita política, tradição, uma herança cultural nos conselhos de medicina e de psicologia também (não tiro psicologia desse balaio de problemas), as pessoas acham que se algum desses conselhos falar que “ok, a gente reconhece como ciência, então funciona”, [elas acreditam]. Mas o buraco é muito mais embaixo.
Conselhos profissionais e política
Se a população consumisse mais divulgação científica, lesse mais livros, ouvisse mais podcasts, acompanhasse mais canais [de divulgação científica], ela estaria mais preparada para lidar com algumas questões, para ter um discernimento melhor sobre aquilo que provavelmente funciona, do que eu posso confiar e aquilo que provavelmente é um besteirol.
Falo isso não só por intuição. Há pesquisas mostrando que pessoas que são mais gabaritadas sobre ciência, [que sabem] como a ciência funciona, que têm mais uma bagagem de pensamento crítico, são menos propensas a acreditar em pseudociências e nessas terapias aí, que são uma furada: reiki, tethahealing, constelação familiar.
Alguns autores colocam até a psicanálise, que é uma escola da psicologia, no meio aí de pseudociências também. Realmente, a psicanálise tem menos pesquisas para poder constatar sua eficácia do que, por exemplo, a terapia cognitivo-comportamental – que já nasce com esse comprometimento com a ciência muito maior, dentro da psicologia.
Pessoas que têm uma alfabetização científica melhor, que desenvolveram melhor seu pensamento crítico, têm mais capacidades para identificar uma falácia (um argumento que não é muito lógico, a exemplo do que acabei de dar).
Não é porque uma instituição reconhece uma prática – tipo o [conselho de] medicina falando sobre a homeopatia e até sobre acupuntura, que é outro tema bem controverso – que aquela prática funciona. A pessoa desconsidera que existem questões políticas e até mesmo de ordem financeira, como a Bibi [Bailas] coloca às vezes, por trás desses tipos de coisas que acontecem na política etc.
Acho que o maior valor da divulgação científica é conscientizar as pessoas de que o buraco pode ser mais embaixo, ajudá as pessoas a separar um pouco o joio do trigo, para não se tornarem presas fáceis de embustes, de pessoas que vão enganar. Ou pessoas que podem até estar bem intencionadas, mas que oferecem um serviço terapêutico que não é assim tão bem reconhecido ou, pelo menos, validado cientificamente – que é o que a gente mais espera.
O valor da divulgação educação científica mora mais aí. Existem vários desafios para a gente poder levar isso para um público cada vez maior, obviamente, e também a gente não pode [deixar de] reconhecer que a ciência é um processo de investigação do mundo que tem suas falhas.
Não estou dizendo aqui, mais uma vez, que a ciência é perfeita, não é nada disso. Mas se trata do método de investigação mais robusto que a gente tem sobre as questões importantes para nossa vida. Incluindo aí, a nossa saúde.
E, mais uma vez, em tempos de pandemia, é muito mais urgente a gente falar sobre isso, levar conhecimento científico para a população, porque o que tem de pseudociência, teoria da conspiração sobre a vacina, sobre a origem do coronavirus, enfim, não tá gibi.
É uma coisa realmente alarmante.
Ouça o programa InterD – música e conhecimento com o psicólogo Daniel Gontijo
Ouça o InterD em outras plataformas digitais (CLIQUE NOS NOMES)