Se a eficácia é comprovada, mas a teorização que a explica é estapafúrdia, eis aí uma prática pseudocientífica
Vou lhes contar aqui um pouco sobre como percebo a produção de conhecimento, seja ela científica ou não.
Penso que a Filosofia trabalha com conceitos. Basta-lhe a consistência interna. Não carece de campo empírico, porque não faz alegações empíricas sobre o mundo. Deve proceder com rigor e é um campo sistemático e válido de conhecimento.
Quando faz alegações sobre o mundo, o faz com base nos conhecimentos já estabelecidos. Assim transforma e produz novos conceitos e categorizações. Não é ciência. E mesmo assim tem método, consistência e validade como um campo de conhecimento sistemático.
Porém, quem faz alegações empíricas, sobre o mundo, tem que testar empiricamente essas alegações. Não há outro jeito.
Quem alega que uma técnica é mais eficaz do que outra, ou que devemos proceder de tal modo e não de outro, está fazendo alegações sobre o mundo, que precisam ser devidamente testadas e com a melhor metodologia disponível.
É isso que faz a ciência e, nas mais diversas áreas, existe uma hierarquização da consistência e solidez de métodos para tal. Assim, é fundamental que hipóteses e alegações sejam sempre sistematicamente testadas. E quando uma hipótese não é confirmada, por mais que se tenha apego a ela, deve ser descartada.
Existe uma etapa do trabalho científico que está mais atrelada à construção de hipóteses. E esta etapa demanda, por vezes, instrumentos próprios ou mais próximos da atividade filosófica. Nesta etapa há inclusive o papel importante da criatividade.
A ciência, contudo, não pode se restringir a esta etapa, na qual são erigidos constructos hipotéticos. Para ser ciência é necessário que se complete o ciclo. E este ciclo da produção do conhecimento científico só se completa com a testagem rigorosa e sistemática dessas hipóteses.
Um campo de conhecimento que tenha se paralisado na produção de constructos hipotéticos, e que ainda não avançou de modo sólido na testagem de hipóteses, não tem condições de ser considerado científico, e isso não é necessariamente demérito.
Isso é o que muitos classificam como protociência.
Então o mais problemático não é o fato das hipóteses ainda não terem sido devidamente testadas. É mais problemático se essas hipóteses não forem testáveis ou se nesse campo existir resistência para que sejam testadas. E isso é o que pode ser classificado como uma prática pseudocientífica.
Se existe alegação de eficácia e esta mesma eficácia nunca foi devidamente testada, essa alegação é pseudocientífica.
Se a eficácia é comprovada, mas a teorização que a explica é estapafúrdia, eis uma outra prática pseudocientífica.
Suponha que um cafuné, de seu tutor, seja comprovadamente eficaz para acalmar um gato em uma determinada situação de ansiedade moderada.
A alegação de que é eficaz, em condições específicas, já devidamente testada (pelos métodos mais consistentes disponíveis) é científica.
Porém, suponha que alguém queira explicar essa eficácia com base em uma suposta interação com energias cósmicas curativas das mãos de alguém que se pauta pelo pensamento positivo.
Esta segunda alegação não é científica. Por quê? Porque, nas inúmeras variáveis que propõe, ainda não foi devidamente testada.
Então é importante não confundir a eficácia de uma determinada técnica com a explicação de sua eficácia, porque essas duas coisas podem estar em campos totalmente diferentes.
Portanto, prefiro falar em práticas pseudocientíficas do que, necessariamente, em pseudociência. Porque mesmo as ciências já estabelecidas podem ser usadas por meio de práticas pseudocientíficas que, na minha compreensão, são caracterizadas por:
PS: Sobre todos os itens citados cabem desenvolvimentos mais pormenorizados e talvez eu pudesse até mesmo elencar mais elementos para essa lista.
Eu gostaria, porém, de fazer um adendo especial ao item 7.
Sinto que os esforços acadêmicos para produzir conhecimento a partir de autores que se expressam de modo menos inteligível, são muitas vezes até louváveis. Mas não há como justificar obscurantismo com a alegação de que sua escrita era mais poética, por exemplo.
Quem deseja produzir conhecimento, deve primar pela clareza da linguagem, evitando-se assim extensões e confusões conceituais nefastas à produção científica e até mesmo filosófica do conhecimento.
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