Ciência e saúde

Por que acreditamos em terapias “quânticas”

Muitos são os motivos pelos quais acreditamos em terapias “quânticas”. E eles são fortalecidos por diversas falácias apontadas por Ernst e Singh no livro “Truque ou Tratamento”

Por André Bacchi*
@bacchi.andre

Por que acreditamos em terapias “quânticas” e afins, quando cientificamente elas não tem se mostrado eficazes ao longo do tempo?

Muitos são os motivos. E eles são fortalecidos por diversas falácias, como as apontadas por Ernst e Singh no livro “Truque ou Tratamento”:

1) Falácia Natural: Só porque algo é natural, não significa que seja bom. Nem que seja ruim. Arsênico, venenos de animais peçonhentos, diversos vírus e bactérias podem ser encontrados na natureza e podem matar. Vacina, óculos, marca-passo cardíaco são “artificiais” e salvam vidas

2) Falácia Tradicional: Parte do pressuposto que terapias tradicionais são boas. A sangria foi tradicional durante séculos e trouxe muito mais prejuízos do que algum benefício. Com as ferramentas que temos hoje, temos o dever de testar aquilo que nossos ancestrais nos deixaram.

3) Falácia holística: O termo holístico se transformou numa espécie de arrogância de alguns “terapeutas”. “Eu sou melhor que vocês porque sou mais holístico”. Holístico não tem nada de místico. É olhar o paciente por inteiro. Não precisa ser “quântico” ou “ortomolecular” pra isso

4) A ciência não pode testar a medicina alternativa: Se uma terapia afirma modificar sistemas fisiopatológicos e não é algum tipo de religião, seita ou crença infalível, então ela pode e deve ser testada cientificamente. Se um benefício não pode ser testado, talvez sequer exista.

5) A ciência não compreende a terapia alternativa: Não deixa de ser verdade. Muitas afirmações de terapias “quânticas” são tão absurdas que fogem à lógica científica. Mas isso é irrelevante. James Lind provou que limões tratavam escorbuto sem saber como funcionava a vitamina C.

6) A ciência tem preconceito contra ideias alternativas: Afirmação totalmente equivocada. Muitas ideias inusitadas trouxeram grandes avanços científicos. Todo grande cientista tem ideias dissidentes. Mas o inverso não é verdadeiro. Raramente um dissidente é um grande cientista.

7) Falácia da explicação científica: Alguns “terapeutas” usam explicações que soam científicas para dar crédito aos seus “tratamentos”. O jargão científico impressiona os pacientes e até mesmo outros profissionais de saúde, mesmo com um discurso vazio ou impreciso.

8) A falácia do equipamento científico: alguns “terapeutas” usam equipamentos mirabolantes, como o Aqua Detox que diz extrair toxinas pelos pés. A água fica marrom, dando a impressão que toxinas estão saindo do corpo. Isso é apenas uma reação química para impressionar o usuário.

9) Falácia do ensaio clínico científico: “Terapeutas” citam ensaios clínicos que “embasam” sua prática clínica, mas por meio do “cherry picking”, ou seja, citando apenas aquilo que confirma sua crença, sem avaliar criticamente a qualidade da evidência e do ecossistema científico.

*André Bacchi é farmacêutico, doutor em Ciências Fisiológicas, professor de Farmacologia e coordenador do Grupo de Estudos em Medicina Baseada em Evidências e Divulgação Científica da Universidade Federal de Rondonópolis (UFR), no Mato Grosso

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