“Foi por um acaso que percebi que eles tinham outros comportamentos no repertório de uso de ferramentas. Um dia eu estava observando e comecei a ver eles usando pedras para cavar: eles pegam uma pedra, batem ela no solo, que fica um pouco mais solto, e eles conseguem acessar raízes, tubérculos e aranhas de alçapão”, conta Tatiane Valença, doutoranda autora do artigo e associada ao projeto Cultura dos Macacos-Pregos da Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH) da USP e à Neotropical Primates Research Group (Neoprego).
A surpresa é porque nem todas as espécies de macacos-prego usam ferramentas e, nas populações que usam, a funcionalidade está relacionada com a quebra de frutos duros, principalmente de cocos. Até então, o uso de pedras para escavação só havia sido observado no Parque Nacional da Serra da Capivara, no Piauí, por um grupo da espécie Sapajus libidinosus.
Além das pedras, varetas e galhos também são utilizados pelos primatas, comportamento inédito dessa espécie. Com galhos destacados de árvores ou soltos no chão, os primatas perturbam buracos de aranhas de alçapão (que vivem no subterrâneo) e conseguem capturá-las quando fogem das tocas. “Era um comportamento que não tinha em outra população de forma habitual. Na Serra da Capivara há o uso de vareta para outras coisas, mas não para esse uso com aranhas. Isso é superinteressante porque além de tudo mostra uma variação cultural entre essas populações”, diz Tatiane Valença.
A pesquisadora começou o doutorado em 2021 e, por dois anos, acompanhou um grupo de cerca de 30 indivíduos de macacos-prego-amarelo. Para realizar a observação do grupo, ela habituou os animais à presença de humanos e deu nome para cada um, o que a ajudou na hora de registrar comportamentos e coletar as informações relacionadas à frequência.
Durante esse período, a pesquisa registrou 214 episódios de escavações, com e sem ferramentas. As ocorrências de obtenção de raízes tuberosas somavam 49% deles; para alcance de aranhas, 19%. Em 32% dos casos não foi possível identificar o alimento.
Ainda não se sabe exatamente como esses macacos escolhem a técnica mais adequada para a escavação. Uma das hipóteses dos pesquisadores é que a composição do solo importa. Por exemplo, com pedras incrustadas no solo fica mais difícil de cavar com as mãos e o uso de pedras pode ser inútil, então a escolha das varetas é a melhor opção. “Acreditamos que eles usam as mãos quando o solo é mais fofo, que usam as pedras quando o solo é um pouco mais duro, mas não tão pedregoso, e que usam varetas quando o solo é muito pedregoso.”
Outra característica desses comportamentos que surpreendeu a pesquisadora foi a diferença entre machos e fêmeas na escavação. Embora o uso de ferramentas para quebrar frutos seja similar entre ambos os sexos e diferentes grupos de macacos, para a escavação as fêmeas de macacos-prego-amarelo usam com mais frequência apenas as mãos, enquanto os machos preferem pedras e varetas. “Não é uma questão de habilidade, porque as fêmeas de macacos-prego conseguem usar essas ferramentas de vareta em cativeiro. A principal hipótese para essa diferença sexual é que as fêmeas são mais sensíveis ao retorno alimentar. Ou seja, como o sucesso desses usos de ferramenta é baixo, talvez elas não liguem tanto para esse tipo de uso”, explica Valença.