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Os perigos do fundamentalismo cristão no Brasil
A historiadora Tayná Louise explica que o fundamentalismo cristão é, antes de tudo, uma ideia que reage a princípios modernos
Por AD Luna
@interdmc
A ex-freira e pesquisadora inglesa Karen Armstrong expõe no livro “Em nome de Deus: o fundamentalismo no judaísmo, no cristianismo e no islamismo”, que essa manifestação da fé é “um dos fatos mais alarmantes do século XX”. “Os fundamentalistas não hesitam em fuzilar devotos no interior de uma mesquita, matar médicos e enfermeiras que trabalham em clínicas de aborto, assassinar seus presidentes e até derrubar um governo forte”, escreve.
Para ela, as pessoas que chegam a esse nível de extremismo “constituem uma pequena minoria”. Mas destaca que “até os fundamentalistas mais pacatos e ordeiros são desconcertantes, pois parecem avessos a muitos dos valores mais positivos da sociedade moderna. Democracia, pluralismo, tolerância religiosa, paz internacional, liberdade de expressão, separação entre Igreja e Estado – nada disso lhes interessa”.
Na edição #101 do InterD – música e conhecimento, recebemos a historiadora carioca Tayná Louise. Ela graduou-se no Instituto de História da Universidade do Rio de Janeiro. Atualmente, participa do programa de pós-graduação do Instituto e participa, desde a graduação, do Laboratório de História das Experiências Religiosas, coordenado pelo professor-doutor André Leonardo Chevitarese – o qual, inclusive já passou pelo pelo InterD falando sobre o Jesus histórico.
Durante a graduação, Tayná trabalhou com educação informal, como mediadora de museus e, nos últimos anos, tem se empenhado nos estudos sobre a história do fundamentalismo religioso cristão.
E quais seriam as origens do fundamentalismo, em qual contexto histórico ele começou a sua gênese entre os cristãos?
Ouça a entrevista com Tayná Louise, que sugeriu as três músicas desta playlist
Raízes no século 16
Juntamente com o professor Chevitarese, Louise desenvolveu um conceito para o fundamentalismo religioso cristão, que parte do século 16. “Não queremos dizer que existia fundamentalismo religioso naquela época, mas que suas raízes nascem com a quebra de paradigma de um mundo religioso para outro mais racional”, explica.
Assim, no período moderno a religião vai deixando, aos poucos, de ser o discurso oficial sendo substituída pelo Iluminismo do século 18 e pela criação de novas áreas do saber ligadas à teoria do conhecimento. “A fé não é usada mais como argumento para explicar o mundo e suas transformações”, aponta.
Segundo Karen Armstrong, o termo “fundamentalismo” foi inicialmente utilizado por cristãos protestantes dos Estados Unidos, no início do século 20. Eles passaram a se dominar “fundamentalistas” a fim de se distinguir dos chamados “cristãos liberais” – estes, para os fundamentalistas, trabalhavam para distorcer a fé.
Nos círculos universitários, cristãos progressistas defendiam cada vez mais a interpretação bíblica embasada num contexto científico, histórico e não confessional.
Diante dessa realidade que se descortinava na época, protestantes conservadores reagiram. Para eles, era preciso “voltar às raízes e ressaltar o ‘fundamental’ da tradição cristã”.
O “fundamental”, no caso, seria a interpretação literal da Bíblia e a aceitação de determinadas doutrinas básicas. Assim, em 1910, presbiterianos ligados à universidade de Princeton publicaram uma lista com cinco dogmas que consideravam primordiais:
1 – A infalibilidade das Escrituras
2- O nascimento virginal de Jesus
3- A remissão dos pecados pela crucificação
4- A ressurreição da carne
5- A realidade objetiva dos milagres de Cristo
Após a Segunda Guerra mundial, surgem novas reações. Os fundamentalistas reagem contra o humanismo secular. O fundamentalismo de hoje reage contra a ciência, mas também contra “ameaças políticas” que poderiam destruir a forma de cristianismo no qual eles acreditam.
A historiadora Tayná Louise explica que o fundamentalismo cristão é, antes de tudo, uma ideia que reage a princípios modernos. E quais seriam eles? “O conceito de liberdade, ciência, teoria do conhecimento, liberdades religiosas”, relaciona. Para combater tais princípios modernos, os fundamentalistas usam argumentos bíblicos.
No início do século 20, ao mesmo tempo em que o fundamentalismo se manifestava nos Estados Unidos, ele também dava as caras no Brasil. Em 1925, o país da América do Norte assistia a religiosos e teólogos conservadores fundamentalistas reagindo contra a ciência. Por aqui, católicos reagiam a ideias laicizantes – aquelas que pregam a não interferência da religião em leis.
Igreja Católica
Por aqui, no mesmo ano, havia reuniões para a elaboração de uma nova constituição e um movimento católico, representado por alguns deputados, propondo leis que favoreciam a Igreja, contra a ideia de laicidade. Era uma forma de reagir à crescente perda de autoridade e de espaços da Igreja Católica na educação, na política, na economia e em outras esferas da sociedade.
“Quando uma instituição religiosa está reagindo a alguma princípio moderno, nós temos aí uma manifestação fundamentalista”, explica Louise.
E quanto a disputa entre ciência e religião, quando ela se torna mais veemente nesse contexto? O embate é muito forte no início do século 20 com a experiência fundamentalista norte-americana, que conseguiu sistematizar ideias e também produzir documentos bastante acessíveis contra a ciência e a teoria do conhecimento. Eles também acreditavam que a ciência respaldou as armas da Primeira Guerra mundial e reagiam contra ela de uma forma muito agressiva.
No Brasil, essa mentalidade de confronto chega, segundo Tayná, por meio de teólogos do campo evangélico/protestante que tiveram contato com seus colegas americanos. Ela aponta que, por exemplo, muitos seminários batistas brasileiros têm origem nos seus pares sulistas dos Estados Unidos. O diálogo entre esses religiosos é muito forte.
Pandemia e religiosos contra a ciência
No atual contexto da pandemia da covid-19, a discussão entre ciência e religião ganhou um novo impulso. Muitos pastores fundamentalistas, acabaram resgatando uma discussão que foi do início do século 20 e já estava superada, segundo Louise.
Explicações óbvias tiveram que ser retomadas, como a de que é preciso seguir dados e informações científicas para combater a doença que tomou conta do mundo.
No início do século 20, era possível, de acordo com a historiadora Tayná Louise, diferenciar as experiências fundamentalistas norte-americana e brasileira. Atualmente, como ela já comentou, a situação não é muito diferente.
Humanismo secular
A pauta que mais une esses religiosos dos dois países, atualmente, é a da luta contra o humanismo secular. Religiosos passaram a entrar na política para lutar contra leis a favor do aborto, de casamento entre pessoas do mesmo sexo e que favoreçam a igualdade de gênero. É uma forma de tentar blindar o estado contra o que eles interpretam como ataques libertários ou liberais contra valores religiosos conservadores.
Entretanto, Tayná destaca que, se analisados caso a caso, será possível perceber que o fundamentalismo religioso cristão é camaleônico e a par do seu contexto social e político.
“Nos Estados Unidos, nós vamos ver alguns discursos contra a imigração e outros, às vezes muito racistas, com argumentos religiosos. Aqui no estado do Rio de Janeiro, temos muitos fundamentalistas cristãos atacando terreiros de umbanda e candomblé”.
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Os perigos do fundamentalismo
Quais os perigos do fundamentalismo religioso? “Eles são claros e previsíveis. A partir do momento que um religioso fundamentalista entra na política para colocar uma ideia antidemocrática, ele acaba anulando indiretamente o outro, o diferente – que não deveria ser visto assim. Os perigos são leis antidemocráticas numa sociedade democrática. E leis antidemocráticas acabam respaldando discursos de ódio, violentos, acabando por incentivar o extremismo”, alerta Tayná.
Diferença entre o fundamentalista e o extremista
A historiadora diferencia o fundamentalista do extremismo. O primeiro é assim definido quando sai de um ambiente privado e se insere no público, propondo medidas e leis que acabam anulando e negligenciado a vivência do outro. O segundo não topa mais o jogo político, já parte direto para o enfrentamento.
“Um extremista é um fundamentalista. Uma sociedade dominada pelo fundamentalismo acaba respaldando esse extremismo e discursos negacionistas, os quais tiram toda a validade de um discurso científico. O que seria dessa pandemia se seguíssemos o que os pastores, padres ou os religiosos fundamentalistas falavam e ainda falam?”, reflete.
E quais seriam as melhores formas de se combater o fundamentalismo? Para Tayná Louise, a resposta é “não votar em políticos que têm pautas fundamentalistas”. Entretanto, ela reconhece que, apesar de ser mais prática, essa não é a medida “mais fácil”. É preciso lutar para que as instituições democráticas do País assim permaneçam e que elas cumpram o papel de fiscalizar políticos e manifestações fundamentalistas que partam de instituições religiosas.
Ouça a entrevista também pelo Spreaker
Ouça “As bases do fundamentalismo cristão, com Tayná Louise – #01” no Spreaker.