Como estratégia para aulas de biologia na região Nordeste, pesquisador usou os cordéis do cearense Patativa do Assaré e a vivência dos próprios alunos do Ensino de Jovens e Adultos (EJA)
Por Felipe Faustino*
Jornal da USP
Quando participou do Festival de Artes de São Cristóvão, tradicional evento cultural realizado em Sergipe, o pesquisador Anderson Santos observou uma marcante presença da biologia nos cordeis. “Percebi que tinha muita biologia naqueles folhetos, mesmo vindos de pessoas que nunca foram à universidade”. Este foi o ponto de partida para um trabalho em que a poesia popular foi incorporada à educação de jovens e adultos nordestinos.
A estratégia foi parte do mestrado Compondo os versos de uma ciência intercultural: Poesia popular nordestina e ensino de biologia, defendido na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (FFCLRP) da USP, com orientação do professor Marcelo Motokane.
A abordagem utilizada em aulas de biologia da Educação de Jovens e Adultos (EJA) em uma escola pública da cidade de Rio Largo, em Alagoas, mobilizou a cultura local para enfrentar alguns dos desafios do ensino de biologia, como um distanciamento do conhecimento científico da realidade cotidiana das várias regiões do Brasil.
Com base nos princípios educacionais de Paulo Freire, Santos mergulha na análise das referências à natureza presentes nas poesias do cearense Antônio Gonçalves da Silva, mais conhecido como Patativa do Assaré. A pesquisa se propõe a investigar de que maneira essa expressão literária pode se tornar um recurso no processo de ensino da matéria de biologia, especialmente ao capitalizar a riqueza cultural dos jovens e adultos.
Ao adotar a abordagem freiriana, a dissertação reconhece a importância de incorporar elementos da cultura local e da vivência dos estudantes no processo educacional.
Sob essa ótica, a obra de Patativa do Assaré torna-se um ponto de partida significativo para estabelecer conexões entre a natureza, a poesia e os conceitos biológicos, proporcionando uma abordagem mais contextualizada e inclusiva no ensino.
Para Santos, a poesia de cordel, neste contexto, acaba refletindo as realidades e os desafios enfrentados pelo povo nordestino, ao mesmo tempo em que valoriza e celebra suas identidades, resistências e potencialidades.
Com uma visão decolonialista, que questiona a cultura imposta pelo colonialismo europeu no País, o trabalho elaborado por Santos vê no histórico econômico, social e cultural do Brasil as raízes de uma educação potencialmente defasada, voltada aos interesses de uma elite sudestina. “Nós, nordestinos, crescemos aprendendo que o Nordeste é uma região pobre, seca, e que a gente é burro”, critica o pesquisador ao defender a ampliação de abordagens socioculturais no aprendizado das ciências.
Ainda sobre a escolha de seu tema de pesquisa, envolvendo a cultura nordestina no ensino de biologia, o pesquisador acrescenta que “os cordéis, enquanto expressão poética, se tornam espelhos das vivências, desafios e resistências do povo nordestino. Celebram sua identidade e ao mesmo tempo evidenciam as complexidades enfrentadas por ele”, fatos que não estão desconectados dos conhecimentos que possui, particularmente dos biomas que visita. Santos lembra que, além da riqueza de conhecimentos que o nordestino traz de suas andanças, a caatinga não é seu único bioma, tem Mata Atlântica e muita praia.
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