Ciência e saúde

A Bíblia não trata da criação da Terra, muito menos do Universo, defende o pesquisador Osvaldo Luiz Ribeiro

Osvaldo Luiz Ribeiro, do canal do YouTube “A Tenda do Necromante” defende que a Bíblia é um livro de mitos e crenças e que é importante estudá-la sob uma perspectiva histórico-crítica

Por AD Luna

O livro “Gênesis 1” não trata da criação do planeta Terra, muito menos do Universo. Para o professor e doutor em teologia Osvaldo Luiz Ribeiro, o entendimento teológico geral a respeito desse texto confere-lhe sentidos distanciados de seus contextos originais. Ribeiro mantém, no YouTube, o canal A Tenda do Necromante, que é dedicado à leitura histórico-social da Bíblia Hebraica e do Novo Testamento. Ele foi o convidado do InterD – ciência e cultura, desta quarta (29)

Osvaldo Luiz Ribeiro é um especialista em leitura histórico-crítica da Bíblia e divulgação científica em seu canal do YouTube, a Tenda do Necromante. Ele é Doutor em Ciências da Religião e graduado em Teologia, sendo professor de Teologia e Ciências das Religiões em uma faculdade em Vitória. Ele também fala sobre sua trajetória de desconversão do fundamentalismo batista e como sua demissão de um seminário pode ter sido decisiva para isso.

Professor Osvaldo, você pode nos contar sobre sua formação e trajetória profissional?

Claro! Eu tenho dois empregos principais. Um deles é o canal “A Tenda do Necromante”, onde faço divulgação de crítica bíblica e científica. O nome é uma metáfora, pois minha especialidade é a leitura histórico-crítica da Bíblia. O outro emprego é como professor de teologia e ciências das religiões em um curso de pós-graduação em Vitória. Tenho doutorado em ciências da religião pela Universidade Federal de Juiz de Fora, e minha pesquisa focou na Bíblia.

Eu me tornei Batista em 1984, aos 18 anos, e fui para o seminário em 1987. Após vários anos de fundamentalismo, minha visão começou a mudar, especialmente enquanto eu ensinava no seminário. Fui demitido em 2010, acusado de heresia, e desde então não frequento mais templos religiosos, embora continue lecionando sobre teologia e Bíblia.

Você menciona que a Bíblia não trata da criação da Terra e do universo. Pode explicar essa afirmação?

Sim, essa é uma questão central na minha pesquisa. O livro de Gênesis, especialmente o primeiro capítulo, não se refere à criação do planeta Terra ou do universo, mas sim a uma criação que é local e específica. Esta ideia é frequentemente mal interpretada por séculos de tradições que leem a Bíblia de maneira literal e anacrônica.

Por exemplo, a palavra “terra” no contexto hebraico da época não se referia ao planeta como conhecemos hoje. A visão de mundo dos antigos hebreus era muito diferente, e eles não tinham a concepção de um planeta esférico. Em vez disso, eles viam a Terra como uma plataforma fixa, com o céu sendo uma cúpula sobre ela.

Quais são os principais elementos que sustentam essa interpretação?

Primeiro, minha pesquisa de doutorado, que foi realizada sob orientação de especialistas reconhecidos. Segundo, a interpretação do hebraico original. Por exemplo, a palavra “raquia”, que é frequentemente traduzida como “céu”, realmente se refere a uma cúpula, não ao universo. Terceiro, a análise de textos contemporâneos de outras culturas antigas, como a babilônica e a egípcia, mostra que a criação era vista como um ato local.

Esses pontos demonstram que a criação mencionada em Gênesis não se estende ao universo, mas sim à criação de um espaço habitável para o povo de Judá. O que muitos não percebem é que a Bíblia é um texto que reflete a sociedade e a cultura de seu tempo.

Como você vê a relação entre a ciência e a religião nesse contexto?

A relação entre ciência e religião é complexa. Muitos religiosos tentam encaixar descobertas científicas dentro de uma leitura literal da Bíblia, o que muitas vezes leva a conflitos. Por exemplo, a ideia de um dilúvio universal é uma interpretação que ignora evidências científicas sobre a geologia e a história da Terra.

É importante que as pessoas compreendam que a Bíblia não é um manual científico. Ela deve ser lida dentro de seu contexto histórico e cultural, e não como uma descrição literal da realidade física que conhecemos hoje.

Você acredita que há uma falta de compreensão bíblica entre os cristãos hoje? Se sim, por quê?

Definitivamente. A maioria dos cristãos, especialmente os evangélicos, não compreende a Bíblia de maneira profunda. Isso se deve a uma educação religiosa que muitas vezes não promove um entendimento crítico e contextualizado dos textos bíblicos. Além disso, a formação educacional geral no Brasil também é deficiente, resultando em analfabetismo funcional.

As pessoas são treinadas para interpretar versículos de acordo com a doutrina de suas denominações, o que limita sua capacidade de entender o texto em sua plenitude. Isso é preocupante, pois a leitura crítica e a compreensão histórica são essenciais para uma cidadania consciente e informada.

Quais são suas recomendações para melhorar a compreensão bíblica entre os cristãos?

Minha recomendação é que as pessoas busquem uma educação teológica mais rigorosa e crítica. Ler a Bíblia em seu idioma original, estudar a história e a cultura da época em que foi escrita, e entender os contextos sociais e políticos que influenciaram os textos são passos fundamentais. Além disso, é importante promover debates abertos e respeitosos sobre a interpretação bíblica.

Encorajo todos a questionar suas crenças e buscar um entendimento mais profundo, não apenas da Bíblia, mas também do mundo ao seu redor. A crítica e a reflexão são essenciais para o crescimento pessoal e espiritual.

Professor Osvaldo, muito obrigado por compartilhar seu conhecimento e experiências conosco!

Eu que agradeço a oportunidade de discutir esses temas tão importantes. Espero que esta conversa inspire outros a explorar a Bíblia de maneira mais crítica e a refletir sobre o papel da religião e da ciência em nossas vidas.

Ouça no Spreaker

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