Ciência e saúde

Os efeitos da evolução e da cultura em nossas preferências

Há fortes evidências científicas de que muitas de nossas preferências podem ter explicações biológicas, mas nos seres humanos a cultura acrescenta uma maior complexidade

Por Ulysses Albuquerque e Joelson Moreno*

Todos nós desenvolvemos gostos e preferências em relação ao mundo que nos cerca. Mas você já parou para se perguntar qual a origem dessas preferências? É comum, ao andar pelas ruas, admirarmos as formas das coisas: construções, monumentos e árvores que medram e ornamentam os espaços públicos. Durante essas apreciações, devido as nossas preferências, algumas características nos chamam mais atenção ou se destacam mais do que outras, seja por sua cor ou outros aspectos estéticos.

A cor azul, por exemplo, é dita pelos cientistas como a cor universalmente preferida pelos seres humanos.  E se dissermos para você que essas preferências podem ser também fruto de nossa evolução biológica, do período em que os seres humanos estavam surgindo no planeta? Alguns estudos mostram que fortes raízes ancestrais influenciam as preferências estéticas do humano moderno.

Nosso apreço por artes, objetos, paisagens e até mesmo a escolha de parceiros podem ser influenciados por preferências que foram desenvolvidas na época em que os seres humanos eram caçadores-coletores nas savanas africanas do Pleistoceno — época compreendida entre 2,58 milhões e 11,7 mil anos atrás.

Alguns estudos mostraram, por exemplo, que pessoas de diversos países — como EUA, Nigéria, Austrália, Itália, Estônia, entre outros — são atraídas por paisagens que possuem árvores não muito altas, troncos largos e dosséis (a copa da árvore) bastante largos. Essa forma de árvore é semelhante as árvores predominantes nas savanas do Pleistoceno.

Preferência por ambientes verdes

Bem, mas há algumas controvérsias em relação a esses estudos e nós ainda estamos avançando na compreensão do funcionamento de diversos aspectos de nossa mente.

Os primeiros hominídeos (nossos primos ancestrais) preferiam e gostavam muito dessas árvores da savana porque eram fáceis de escalar, e por ainda fornecer abrigo para se esconder de leões famintos. Assim, como essa árvore ajudou bastante na sobrevivência dos nossos primos, essa preferência pode ter sido herdada pelos seus filhos, netos, bisnetos… até chegar aos seres humanos modernos (nós mesmos!).

O interessante é que nesses ambientes era fundamental observar coisas se mexendo por entre os arbustos, pois isso poderia evitar que os hominídeos fossem pegos desprevenidos por cobras ou escorpiões, e estudos recentes mostraram que as pessoas tendem a dar maior atenção a coisas vivas do que a objetos inanimados.

Outros estudos mostram, inclusive, que preferimos gastar mais tempo e relaxar em ambientes verdes do que em uma grande cidade. Será que tudo isso são heranças antigas que habitam em nossas mentes?

Imagem de Sasin Tipchai por Pixabay

Biologia e cultura

Há fortes evidências científicas de que muitas de nossas preferências podem ter explicações biológicas, mas nos seres humanos a cultura acrescenta uma maior complexidade. A cultura confere significado a tudo que vivenciamos por meio dos sentidos. Por exemplo, os seres humanos, como outras espécies de mamíferos, possuem a capacidade inata de perceberem o sabor dos alimentos.

De modo geral, os cientistas acreditam que a capacidade para perceber o sabor doce foi extremamente relevante, pois a detecção desse sabor está relacionada com alimentos altamente calóricos, algo que sem dúvida foi importante na evolução dos seres humanos. Talvez seja essa uma dessas explicações para esse sabor ser universalmente apreciado entre os humanos.

Mas a coisa é diferente com outro tipo de sabor, o amargo. Os cientistas acreditam que a nossa capacidade para detectar esse sabor  é um indicativo para evitar alimentos amargos, pois muitas vezes esse sabor está associado com compostos químicos com diferentes graus de toxicidade.

Imagine você os primeiros humanos colhendo plantas e experimentando algumas delas pela primeira vez, o quanto essa capacidade pode ter ajudado (e ainda ajuda) a evitar mortes ou acidentes graves por intoxicações?

A capacidade do ser humano para detectar sabores varia muito de tal sorte que há indivíduos que só conseguem perceber um sabor em alimento, por exemplo, quando está muito concentrado. Por sua vez há indivíduos, conhecidos por super tasters (super provadores) que conseguem identificar um sabor mesmo que este esteja em concentrações muitíssimo pequenas.

Imagem de Moira Nazzari por Pixabay

Sabores amargos e picantes

Você pode perguntar, mas se desenvolvemos esse sistema biológico de detecção de sabores como, entre outras coisas, uma forma de proteção, por que achamos tão desagradável um alimento com sabor amargo ou picante? Isso nem sempre é verdade e aí entra o papel da cultura.

Em algumas culturas o sabor amargo é apreciado nos alimentos e até mesmo promovido! Veja, por exemplo, o caso do sabor picante. Fale mal de pimentas para mexicanos e aguente as consequências! O México apresenta uma das maiores diversidades de pimentas do planeta, e o seu consumo é incentivado desde cedo.

No passado, existia a crença de que as nossas preferências eram movimentos totalmente conscientes de nossa mente. Para além disso, as nossas preferências estão fortemente arraigadas na interação entre biologia e cultura.

*Ulysses Paulino de Albuquerque é professor do Centro de Biociências, Universidade Federal de Pernambuco

*Joelson Moreno Brito Moura é professor da Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará

Para saber mais:

Altman, M. N., Khislavsky, A. L., Coverdale, M. E., & Gilger, J. W. (2016). Adaptive attention: how preference for animacy impacts change detection. Evolution and Human Behavior37, 303-314.

Ferreira Júnior, W., Santoro, F.R., Albuquerque, U.P. (2019). Nossa história evolutiva: plantas medicinais e a origem e evolução da medicina. Nupeea, 95p.

Moura, J. M. B.; Ferreira Junior, W. S.; Silva, T. C.; Albuquerque U.P. (2018). The Influence of the Evolutionary Past on the Mind: An Analysis of the Preference for Landscapes in the Human Species. Frontiers in Psychology9, 1-13.

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