Omissão, descaso e desmonte: a situação dos yanomamis

 Omissão, descaso e desmonte: a situação dos yanomamis

Yanomamis: omissão, descaso e desmonte

 

A fome, a desnutrição, estupros e as doenças nos yanomamis foram causados pelas invasões de garimpeiros, que não foram combatidas e deixadas de lado pelo antigo governo

Por Jornal da USP

Desde a revelação de imagens assustadoras, que logo circularam na internet, a situação dos povos que habitam a região da terra indígena yanomami – que é localizada nos Estados do Amazonas e de Roraima, na divisa de Brasil e Venezuela – vem ganhando os noticiários e a atenção nacional.

Na segunda-feira (21), o presidente Luiz Inácio Lula da Silva fez uma visita aos povos indiginas. O agravamento da situação de saúde dos yanomanis dessa região, em especial os da etnia ye’kwana e munduruku, não é novidade. Há anos esse problema acontece e não é produto apenas do governo passado. Porém, medidas não foram tomadas e avisos de organizações internacionais foram ignoradas.

“A situação dos yanomamis chocou a opinião pública e escancarou uma coisa que já está acontecendo há muito tempo”, explica o professor Renato Sztutman, do Departamento de Antropologia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP e pesquisador do Centro de Estudos Ameríndios. Desnutrição severa, malária, verminoses: isso é o que os povos estão enfrentando. Weibe Tapeba, secretário de Saúde Indígena (Sesai) do Ministério da Saúde afirmou, nesta terça-feira, que cerca de mil indígenas foram resgatados. A crise humanitária, agora, vai ser atrelada à omissão do Estado.

A Polícia Federal decidiu abrir inquérito para averiguar as responsabilidades, a pedido do ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino. A expectativa é que o ex-presidente Jair Bolsonaro e seu governo sejam investigados e culpados por omissão e extinção, ou seja, genocídio.

O descaso com os yanomamis já vem sendo relatado desde o início da pandemia. Ainda em 17 de maio do ano passado, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos enviou à Corte Interamericana de Direitos Humanos um pedido de medidas provisórias e respeito aos povos yanomamis, ye’kwana e munduruku. Depois, em 1º de julho do mesmo ano, a Corte emitiu uma decisão cobrando resposta do Brasil. O então presidente ignorou os pedidos e respondeu dizendo que o pedido não procedia porque não havia situação de emergência.

É de entendimento do governo que a culpa da escalada da situação deplorável é das invasões de garimpeiros. “Um descuido e um descaso total do governo Bolsonaro, tanto em relação a medidas contra a presença dos garimpeiros na terra como em relação à saúde e assistência à saúde. Essas pessoas não tiveram o tratamento que precisavam ter tido”, diz o professor. Não houve assistência nem medidas de proteção do antigo governo.

A ministra da Saúde, Nísia Trindade, em entrevista à BBC News Brasil, afirmou que “grande parte da razão por tudo isso está na desorganização social provocada pela atividade do garimpo ilegal. Essa atividade gera contaminação dos rios e cria escavações que geram depósitos de água em que há proliferação de mosquitos. Com isso, há um aumento muito grande nos casos de malária”. Foram registrados 145 mil casos de malária em 2021, sendo que 45 mil foram diagnosticados em terra indígena. Em áreas de garimpo, foram registrados 20,4 mil casos, relata a BBC News Brasil.

O garimpo, aqui, é o tema central para esse agravamento. A fome, a desnutrição, estupros e as doenças foram causados pelas invasões de garimpeiros, que não foram combatidas e deixadas de lado pelo antigo governo. “Foi feito não apenas uma vista grossa, como também um incentivo de atividade do garimpo”, esclarece o pesquisador.

Sztutman ainda lembra que houve um desmonte na estrutura de atendimento à saúde. Os povos indígenas são vistos como um obstáculo para as atividades de mineração e agronegócio. Na avaliação de Sztutman, “foi, de certa maneira, um projeto de destruição, de demolição de uma estrutura de assistência dos povos indígenas. Eles foram tomados como inimigos por excelência”. Estima-se que mais de 20 mil garimpeiros estão nas terras yanomamis. “Teve todo um projeto de liberação de áreas adjacentes à terra [yanomami] e isso foi permitindo que essas pessoas fossem se infiltrando no território”, lembra o pesquisador. O governo já está tomando medidas, como a exoneração de pessoas que cuidam da saúde na Funai e mudanças na Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai).

Lula já começou, inclusive, a exoneração de militares de outras áreas do governo. “Pessoas que não só não conheciam direito a realidade, como uma pessoa que jogava contra”, diz Sztutman sobre a presença de militares cuidando das áreas indígenas e da situação desses povos. As exonerações já somam 155, sendo que mais da metade são militares de baixa patente, segundo levantamento do Estadão.

A contaminação por metais pesados, por conta do garimpo, também é um problema. Como acontece a longo prazo, os efeitos são sentidos tardiamente. Além disso, sabe-se que muitos desses garimpeiros se envolvem com os indígenas, e estes também trabalham para aqueles, algo que deve ser fiscalizado e evitado.

O professor classifica essa ocupação por garimpeiros como predatória. Para ele, a solução é o reavivamento das instituições e organizações que cuidam desses povos: “Agora é preciso fazer com que elas voltem a funcionar e que tenham um comprometimento, um compromisso com a questão. E, a partir daí, a ciência então possa ser retomada, assim como uma política de saúde efetiva”.

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