O Recife Assombrado
Foi com o propósito de investigar e difundir contos e histórias mal assombradas que o músico e escritor André Balaio criou e mantém o projeto com o jornalista Roberto Beltrão
Por AD Luna
A Perna cabeluda, Papa-Figo, Comadre Fulorzinha, Boca de Ouro. Esses são alguns dos muitos personagens que permeiam o universo sobrenatural da cultura popular de Pernambuco. Foi com o propósito de investigar e difundir contos e histórias mal assombradas que o músico e escritor André Balaio criou e mantém, juntamente com o jornalista Roberto Beltrão, o projeto O Recife Assombrado, o qual inclui um website e outras ações.
“Recife é a cidade mais assombrada do Brasil”, afirma Balaio. Na visão dele, isso se explicaria pela quantidade de lugares com nomes originados a partir do sobrenatural, a exemplo de Encanta Moça e Chora Menino.
O primeiro caso se refere a uma região localizada no bairro do Pina, na Zona Sul do Recife, onde, contam, uma moça foi assassinada pelo marido, por causa de ciúmes, e o fantasma aparece para seduzir homens.
Já a praça Chora Menino foi batizada com tal identificação devido ao assassinato de diversas crianças durante um revolta popular.
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A chamada “Setembrizada” ocorreu no mês em questão, no ano de 1831. Devido a castigos físicos recebidos por indisciplina militar, soldados revoltados com esse tratamento se reuniram a civis solidários à causa, saquearam o Recife e mataram cerca de 300 pessoas. Muitos delas eram menores de idade. Segundo o escritor, até hoje moradores e transeuntes afirmam escutar o choro deles no local.
Entre suas assombrações preferidas, André Balaio cita Boca de Ouro, cujas atuações malignas já foram relatadas por Gilberto Freyre. Ele é um malandro sobrenatural. Usa chapéu, terno branco, tem cara sinistra, demoníaca e seus dentes são todos de ouro.
Ao pedir fogo para acender seu charuto, ele “agradece” a quem o oferece com uma risada satânica. “A própria Perna Cabeluda é (algo) muito insólito. É uma espécie de duende na forma de uma perna, que pula e chuta. É algo totalmente pernambucano”, expõe.
Fascínio pelo medo
De forma geral, o tema do medo continua fascinando milhões de pessoas no mundo inteiro. Indagado sobre esse fenômeno global, Balaio diz que a experiência de sentir essa emoção quebra um padrão de racionalidade e organização rígida das coisas que regem a vida em sociedade.
“É como se você estivesse se abrindo para sensações e para uma experiência que seja mais instintiva, que busque algo fora daquele padrão, daquela vida organizadinha. É como se transportar para outro tempo em que havia essa coisa mais primitiva”, discorre.
Por outro lado, na visão dele, o gênero de horror permite que temas do mundo “real”, cotidianos, seja abordados de maneiras mais criativas e contundentes. “Você pode falar de relacionamento por meio de uma história de terror”, observa. Questões sociais, políticas podem ser levadas ao público por meio de representações metafóricas.
Gabriel García Márquez e o terror
Boas histórias de terror não são produzidas apenas por “especialistas”. O falecido escritor Gabriel García Márquez fez isso com maestria no conto Assombrações de agosto, no qual relata experiência fantástica vivida por uma família que resolve passar a noite numa casa assombrada. O final é inusitado, intrigante.
“Há vários livros incríveis, de autores que não estão diretamente associados ao gênero. Gosto particularmente muito de A volta do parafuso, do Henry James. É uma novela brilhante”, elogia André Balaio. A narrativa envolve uma governanta que vai cuidar de duas crianças numa mansão e começa a ser assombrada por visagens que por lá habitariam. “Há toda uma dúvida se, de fato, aquilo são fantasmas ou se são os pensamentos dela. É bastante tenso. Recomendo muito”.
Ouça a entrevista de André Balaio, na íntegra, no programa Interdependente
Ouça “Recife Assombrado com André Balaio #7” no Spreaker.