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O que acontece quando você é excomungado?
Por Alexey Dodsworth
Escritor, Doutor em Filosofia pela USP e Universidade Ca Fóscari (Veneza, Itália)
Trago notícias sobre excomunhão, conforme prometi a alguns amigos há alguns dias. Adianto que não sou católico, muito menos religioso de qualquer tipo, e pouco me importa ser excomungado (eu sou) ou que alguém o seja. Trago a informação como curiosidade, pois noto que muitos ignoram o assunto – mesmo quando se definem como católicos!
Sempre que rola algum problema envolvendo aborto, essa história volta. Recentemente, ficamos sabendo que o médico que realizou o procedimento de interrupção da gravidez numa criança de dez anos foi excomungado. “Pela segunda vez”, informa um jornal. “Todos os envolvidos no procedimento são excomungados”, informam as notícias.
“Quero que o padre me excomungue também”, escreveram alguns contatos meus, em apoio à menina e aos médicos. Com algumas variações, nada de diferente do que ocorreu anos atrás, envolvendo outra menina que passou pelo procedimento. Lembro bem da mesma celeuma.
E o que significa ser excomungado? Você vai pro inferno? É possível ser excomungado várias vezes? E se você quiser ser ex-excomungado?
Vamos lá
A excomunhão é – geralmente, mas nem sempre – um processo LATAE SENTENTIAE, expressão em latim que significa AUTOMÁTICO.
Isso quer dizer que se você já abortou ou ajudou alguém a abortar, você foi excomungado. Para os católicos, não importa o motivo do aborto: se fez, excomungou-se. Não é o padre quem lhe excomunga. É o ato em si. O padre, no máximo, só lhe informa sobre o que ocorreu caso saiba que você abortou ou se envolveu em um aborto. Mas, mesmo que o padre não saiba, você continua excomungado.
Deste modo, estão excomungados não apenas a criança, a família dela e os médicos, como também as pessoas ricas cujos abortos muito bem amparados e caros não causam nenhum estardalhaço. Adiciono: no caso da criança, há divergências. Algumas autoridades argumentam que ela não pode ter sido excomungada por ser criança. Outros dizem que sim. Mas e se ela nunca comungou?
Esse tipo de excomunhão difere da de outro tipo, denominado FERENDAE SENTENTIAE, emitido pela autoridade eclesiástica. Ocorre que, pelos critérios católicos, é bastante provável que você tenha sido excomungado e não o saiba.
Vejamos o que produz a excomunhão latae sententiae:
– Bater no Papa (não façam isso com o atual, muito gentil ele);
– Abortar ou provocar aborto ou ajudar alguém a abortar;
– Pegar qualquer objeto consagrado e o utilizar para fins não católicos. Algo como pegar uma cruz consagrada e usá-la para invocar Baphomet ou ir pra uma festa gótica.
– Invocar os mortos. Sabe aquele tabuleiro ouija que você usou? Pois é. Sabe o centro espírita em que você foi? Pois é;
– Consultar ou praticar astrologia e quaisquer oráculos. Anos atrás, um conhecido meu abandonou o trabalho como astrólogo ao ser informado de que tal prática produzia a excomunhão latae sententiae. Este ponto precisa ser confirmado. Um padre já me disse que sim, que consultar ou praticar astrologia produz excomunhão automática. Outro disse que não. A página do Vaticano, contendo o Catecismo da Igreja Católica, informa que:
“Todas as formas de adivinhação devem ser rejeitadas: recurso a Satanás ou aos demónios, evocação dos mortos ou outras práticas supostamente «reveladoras» do futuro. A consulta dos horóscopos, a astrologia, a quiromancia, a interpretação de presságios e de sortes, os fenómenos de vidência, o recurso aos “médiuns”, tudo isso encerra uma vontade de dominar o tempo, a história e, finalmente, os homens, ao mesmo tempo que é um desejo de conluio com os poderes ocultos. Todas essas práticas estão em contradição com a honra e o respeito, penetrados de temor amoroso, que devemos a Deus e só a Ele.” – ADVINHAÇÃO E MAGIA – 2116
Seria, portanto, apostasia, que faz parte do rol das coisas que geram excomunhão automática.
E o que acontece com quem foi excomungado?
Nada. Você só não pode comungar. Não é uma condenação ao inferno. E se você não disser nada, ficar quietinho e for até a missa comungar? Na verdade, você não comungou.
Para se ex-excomungar, é preciso se arrepender. Antigamente, só bispos e papas poderiam re-comungar a pessoa (salvo em risco de morte, daí um padre também poderia), mas o Papa Francisco determinou que padres também podem fazê-lo, se o pecador se confessar, mesmo sem risco de morte.
Conclusão: e daí? Isso só tem importância para quem é católico. Não é, nem de longe, meu caso.
Se a criança for católica e quiser se recomungar, não faltarão padres acolhedores. Eles existem, e são muitos. Idem pro médico e para qualquer parte envolvida.
E você, já fez algo que lhe excomungou hoje?
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