Ciência e saúde

Notícias falsas nas eleições: pesquisa da UFPE analisou conteúdos produzidos de 2016 a 2018

Notícias falsas faziam uso demasiado de adjetivos e verbos em comparação com as notícias verdadeiras

Por Raul Holanda*

Uma pesquisa vinculada ao Programa de Pós-Graduação em Ciência Política (PPGCP) da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e publicada em 2022 buscou entender, por meio da análise comparativa entre conteúdos falsos e verdadeiros, as principais características das notícias falsas e o papel que desempenham em épocas eleitorais. Denominado “Feita sob Medida: a estrutura de uma notícia falsa e seu papel no convencimento do eleitor”, o estudo constatou que termos relacionados ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva, principal opositor do ex-chefe do Executivo Jair Bolsonaro, aparecem na grande maioria dos textos inverídicos. Também identificou o uso exacerbado de verbos e adjetivos e a rejeição a preposições e advérbios.

Realizado por Ulisses Matheus Melo, formado em Direito, mestre e atualmente doutorando em Ciência Política na UFPE, o estudo, que é uma dissertação de mestrado orientada pela professora Nara Pavão, teve como objetivo principal compreender as características pontuais que constituem a base textual de um conjunto de textos que contêm conteúdos e informações enganosas e sensacionalistas, especialmente em períodos eleitorais.

A pesquisa foi idealizada em 2019, meses após as eleições gerais de 2018, quando a rede de fake news e os efeitos dos textos desinformativos atravessavam o auge como temas centrais na sociedade brasileira.

Para a análise, foram selecionadas 800 notícias – sendo 400 verdadeiras e 400 falsas – de cunho político e 140 – sendo 70 verdadeiras e 70 falsas – de temas variados retirados do banco de dados Fake.br em um período de aproximadamente dois anos, de 2016 a 2018.

A partir da análise de conteúdo e análise de texto automatizada, o estudo mostrou a relação comparativa entre as notícias não verídicas.

“A maior das descobertas foi a diferença estrutural entre as notícias falsas sobre conteúdo político e as que não têm conteúdo político. As inverdades de cunho político ressaltam ainda mais essas características. São menores, têm uma linguagem ainda mais simples do que as notícias falsas ligadas a outras áreas, como fofocas de atores e assuntos esportivos”, explicou o autor.

A pesquisa também reuniu os termos que mais se repetiam e mais foram utilizados nos conteúdos inverdadeiros relacionados à política. Nesse conjunto, destaca-se a repetição demasiada dos termos “corrupto”, “petista”, “Friboi”, “ditador”, “Globo” e “Polícia Federal (PF)”, utilizados por eleitores do ex-presidente Jair Bolsonaro e opositores do atual líder do Executivo Luiz Inácio Lula da Silva.

Ainda nas notícias falsas relacionadas à política, foi mostrado que as notícias falsas faziam uso demasiado de adjetivos e verbos em comparação com as notícias verdadeiras.

Nestas últimas, houve maior concentração de termos suplementares, como preposições e advérbios. Também predominaram nas notícias verdadeiras palavras como “processo”, “decisão” e “recurso”, remetentes ao âmbito jurídico.

A pesquisa também identificou maior quantidade de termos ligados a nomes de atores políticos, ideologias e bélicos nas notícias falsas, que contavam, ainda, com variados erros de ortografia no corpo do texto.

Também foi descoberto que o nível de entendimento e legibilidade de uma notícia falsa está muito ligado ao tamanho. Uma notícia pequena, que não demanda muito tempo de leitura, acaba facilitando a interpretação de quem a recebe por exigir menos reflexão sobre o seu conteúdo.

Em números, o estudo identificou que a média de termos utilizados em notícias políticas verdadeiras foi de 1.103,84, enquanto as falsas tiveram média de 167,57, quase 1.000 de diferença. Significa, portanto, que os textos das notícias verdadeiras tinham quase sete vezes mais palavras na comparação com os das falsas.

Segundo o pesquisador, outro importante resultado obtido foi conseguir elencar os conteúdos enganosos com outras áreas do estudo e conhecimento.

“Uma das grandes diferenças do trabalho foi trabalhar essa ideia de notícia falsa e verdadeira junto com a literatura de psicologia social, relacionando com a questão da interpretação heurística (ciência que visa a descoberta dos fatos) do conteúdo, com o raciocínio motivado. São pressupostos teóricos já utilizados na academia na análise da notícia falsa e do consumo dela, muito relacionado à crença, mas pouco usados para a [metodologia da] análise de conteúdo”, disse.

Softwares

Para auxiliar na pesquisa, dois softwares ligados à linguagem e à formação de frases foram utilizados, o “Iramuteq” e o “Alt”. De origem francesa, o Iramuteq é um software usado principalmente para análises de conteúdo e discurso e de lexicometria, que permite reorganizar um ou vários textos. O segundo, Alt, é especializado em atenuar os entraves presentes na comunicação, facilitando a compreensão do leitor.

“Esses dois softwares são voltados para a análise de texto automatizada, principalmente o Iramuteq, porque ele é um sistema que faz a programação a partir do “R”, que é um sistema de programação, usada para analisar o texto de uma forma quantitativa, ou seja, quando classifica as palavras de uma determinada forma e as contabiliza. Além disso, também é capaz de estabelecer relações entre elas”, explicou Ulisses Melo.

“O Alt utiliza critérios que existem há mais de 50 anos para calcular a leiturabilidade, que consiste no nível de facilidade de ser compreendido, de ser lido, a partir da quantidade de palavras de uma determinada frase ou do número de sílabas. O software cria, a partir disso, um índice, uma classificação”, afirmou.

Por meio dessa reunião de termos, ele conseguiu compilar estatísticas comparativas, observando quantas vezes certos termos aparecem e as maneiras como são postos no corpo do texto, compreendendo quais efeitos têm na formação do conteúdo daquela desinformação.

Os dois softwares foram escolhidos principalmente por serem, de acordo com Ulisses, mais palatáveis e menos complexos aos pesquisadores, garantindo mais otimização e precisão nos dados encontrados.

Eleições futuras

Com a pesquisa, o autor espera ajudar no combate às fake news nas eleições futuras, como as municipais, marcadas para 2024, e as gerais, em 2026. A facilidade na identificação de notícias inverídicas e tendenciosas, segundo ele, pode auxiliar tanto eleitores quanto instituições fiscalizadoras ao terem mais ciência da estrutura e das principais características das fake news, uma vez que, com essas informações, conseguem, no caso dos eleitores, perceber mais rapidamente que podem estar diante de uma inverdade.

No âmbito da fiscalização, o combate às notícias falsas vai ser facilitado para administradores de redes sociais devido à noção prévia dos pilares dos textos desinformativos, gerando uma antecipação e fazendo com que as desinformações sejam identificadas antes mesmo das veiculações em massa.

*Via Ascom UFPE

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