Músicos dão show também em outras profissões (inclusive na ciência)

 Músicos dão show também em outras profissões (inclusive na ciência)

Bruce Dickinson, piloto de avião e vocalista do Iron Maiden. Foto: Reprodução

Seja por necessidade financeira ou simplesmente por prazer, diversos músicos mantêm atividades paralelas e, aparentemente, sem nenhuma ligação com a carreira artística

Por AD Luna

Matéria publicada originalmente no Jornal do Commercio, em 03/01/2012

Bruce Dickinson, vocalista do Iron Maiden, pode perder o emprego. Publicada há algumas semanas, essa notícia, quando lida de supetão e sem o complemento, provocou breves momentos de apreensão em fãs da famosa banda britânica. O alívio surgia quando o leitor se dava conta de que a função em perigo era a de piloto de avião da companhia inglesa Astraeus Airline (que está prestes a encerrar suas atividades) e não a de cantor do citado grupo de heavy metal.

Seja por necessidade financeira ou simplesmente por prazer (como é o caso de Dickinson), diversos músicos mantêm atividades paralelas e, aparentemente, sem nenhuma ligação com a carreira artística.

No Recife, podemos encontrar exemplos semelhantes.

Juiz classista, vendedor, gerente de redes de farmácia, representante de empresas. Essas são algumas das funções já exercidas por Claudionor Germano – cantor e um dos símbolos do Carnaval pernambucano.

“Desde o início da minha carreira artística, decidi não depender apenas da música. Não foi por necessidade, era uma forma de complementar minha renda. E, naquele tempo, o custo de vida era bem mais baixo”, explica.

Conhecido como o maior intérprete de Capiba (gravou cerca de 130 canções do compositor e conterrâneo), ele chegou a ajudar o irmão e artista plástico Abelardo da Hora a vender várias de suas obras de arte. Também atuou, em 1997, como secretário municipal de Turismo, Cultura e Esportes de Paulista, cidade da Região Metropolitana do Recife.

Claudionor se aposentou em 1993, mas, como é notório, continua trabalhando com música até hoje.

“Com ela e os outros empregos consegui criar sete filhos. Além deles, tenho 11 netos e seis bisnetos. Ainda nutro o sonho de abrir um piano-bar para o qual gostaria de levar artistas renomados da minha geração”, almeja.

Silvério Pessoa cresceu em um ambiente favorável ao desenvolvimento do gosto pela música. Sua mãe era professora de acordeom e a avó, cantora de rádio.

Ele já viajou por diversos países mostrando sua musicalidade, cheia de influências da cultura popular nordestina com toques de contemporaneidade. Públicos da França, Japão, Bélgica, Dinamarca, Malásia, Canadá, Estados Unidos, Alemanha, Holanda já tiveram contato com o som do rapaz nascido em Carpina, Zona da Mata Norte do Estado. Sua discografia soma sete CDs e um DVD gravados.

Entretanto, apesar de ter uma carreira artística consolidada, Silvério não abandonou sua outra grande paixão.

“Sou apaixonado por educação. Me formei em pedagogia pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), fiz especialização em psicopedagogia. Também faço conferências e pesquisas ligadas à área. Sempre consegui tempo para conciliar as duas atividades”, revela o cantor e compositor, atualmente estudando para obter o mestrado em Ciência da Religião pela Universidade Católica de Pernambuco (UNICAP).

“Carreiro novo” – Silvério Pessoa

O produtor musical gaúcho Carlos Eduardo Miranda já assinou trabalhos de grupos como Móveis Coloniais de Acaju, O Rappa, Skank, Mundo Livre S/A, Raimundos, Cansei de ser sexy (CSS), entre outros.

Em entrevista concedida tempos atrás, a este repórter, ele respondeu – com a “sutileza” que lhe peculiar pergunta sobre a tão propalada “conquista do sucesso”, tão almejada por inúmeros músicos.

“Se dar bem na música é ser feliz. Ser feliz é fazer aquilo que tu gostas e o que te satisfaz. E quem busca a felicidade num resultado é um burro. Esse merece se ferrar mesmo!”, disparou.

Na visão de Miranda, a felicidade na carreira artística se encontra no caminho percorrido e não na busca frenética pelo “estouro” midiático pela fama. Ele até aconselha os músicos que querem se dedicar apenas a produzir o som no qual acreditam a ter outro emprego, não necessariamente relacionado ao mundo artístico.

É justamente assim que pensa e age o músico e produtor cultural Giovanni Papaléo. Formado em engenharia mecânica, o baterista da Uptown Band trabalha há 27 anos na CBTU/Metrorec, onde, atualmente, exerce o cargo de assessor da superintendência geral. “Por conta do trabalho no metrô do Recife, tive condições de só tocar aquilo que gosto”, revela.

Giovanni se iniciou no mundo dos tambores em 1984, quando começou a estudar percussão. Tocou no Maracatu Nação Pernambuco e resolveu expressar seu amor pelo blues criando a Uptown, em 1997. Pouco depois, começou a organizar eventos ligados à música.

É o caso dos festivais Oi Blues by Night (que completa 10 anos em 2012), Garanhuns Jazz, Jazz Porto e de eventos ligados mais diretamente ao seu instrumento como a Oficina de Percussão e Bateria de Pernambuco (1995), primeiro evento do gênero a acontecer no Estado, e o Zildjian Day, que contou com três edições entre os anos de 1999 e 2001.

Música e ciência

O baterista da banda pernambucana Four Pigs, Diego Andres Salcedo passou 20 anos somente vivendo de música.

Tocava de quarta a domingo na noite do Recife e de outras capitais como Natal e Maceió, além de participar de gravações em estúdios. As segundas e terças eram dedicadas ao cinema, ao surfe e à leitura.

Mesmo antes de passar por uma virada em sua vida, ele já refletia a respeito de suas escolhas existenciais e profissionais.

Foi depois de voltar de uma viagem de três meses pelos Estados Unidos, entre 1998 e 99.

Quando foi pra lá, Salcedo tinha na cabeça a ideia fixa de se tornar um músico de rock renomado e ganhar muito dinheiro. Mas, as circunstâncias e as experiências vividas na cidade de Nova Iorque o fizeram mudar de perspectiva.

Com o passar do tempo, foi tomando mais gosto pela pesquisa acadêmica do que pelo desejo de se tornar um músico de grande “sucesso”. Até que, em 2007, veio a citada “virada”.

Naquele ano, formou-se em biblioteconomia, tornou-se mestrando em comunicação e fez concurso para professor-substituto do Departamento de Ciência da Informação do CAC (Centro de Artes e Comunicação). Atualmente, Diego Salcedo é professor (fixo) do DCI e autor dos livros A ciência nos selos postais comemorativos brasileiros: 1900-2000 (Editora Universitária) e Pernambuco nos Selos Postais: fragmentos verbovisuais de pernambucanidades (FacForm).

Olhando em retrospectiva, o baterista acadêmico enxerga sua decisão como bastante acertada. “”Continuo tocando bateria, fazendo shows e até ganhando dinheiro com isso. Só que de uma maneira muito mais relaxada, prazerosa e divertida””, explica Diego Salcedo.

Em nível nacional, pode-se destacar como exemplo de músico-cientista o caso de Paulo Vanzolini. Compositor de clássicos da MPB como Ronda, Volta por cima e Boca da noite, ele já teve composições suas gravadas por Chico Buarque, Paulinho da Viola, Martinho da Vila, Paulinho Nogueira, Nelson Gonçalves, Maria Bethânia, entre muitos outros.

O paulista também tem contribuído com o desenvolvimento da ciência no Brasil. O zoólogo é um dos idealizadores da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapespe).

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No cenário internacional, mas ainda no âmbito da investigação científica, temos o guitarrista do Queen, Brian May. O inglês apresentou tese de doutorado de astrofísica, em 2007, com o tema Velocidade radial na nuvem de poeira zodiacal –que investiga a trajetória de partículas interestelares que atravessam o sistema solar.

Em razão de seus serviços prestados à física e à astronomia, o britânico já recebeu três títulos honoris causa das universidades de Exeter, John Moores e Hertfordshire.

Outros casos de músicos cientistas: Dexter Holland, vocalista da banda punk rock americana Offspring, tem mestrado em biologia molecular.

Formado em ciências da computação, o baterista do grupo inglês de rock Blur, Dave Rowntree,  também atua como ativista político, mantém uma coluna no site do jornal The Guardian e pretende se formar em direito.

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Música como hobbie

Companheiro de banda de Giovanni Papaléo, o empresário Thomaz Lera está inserido naquele grupo de músicos que tocam mais pelo prazer do que pela busca do “sucesso” na arte dos sons. Mesmo assim, ele leva a segunda atividade com bastante seriedade.

“Comecei como apoiador dos eventos de Giovanni até que ele me convidou para integrar a Uptown como segundo guitarrista. Não dependo da banda para viver, mas faço de tudo para dar conta de todas atividades como ensaios, shows”, conta o dono da rede de lojas de roupas masculinas Broomer.

O médico acupunturista Gustavo Sá Carneiro, toca guitarra, baixo, teclado, canta e compõe. Sua paixão pela música vem desde a infância e floresceu sob o estímulo de parentes. Ele já chegou a integrar o grupo do guitarrista Robertinho do Recife, além da Banda Vermelha, Ciência Cínica, Kobaia Kid e Blues Brothers.

Mesmo sem estar integrado a um projeto fixo, Sá Carneiro continua se expressando por meio da música.

“Nunca deixei de tocar. Música é uma das melhores terapias. Ela te transporta para outras dimensões, para um mundo de sonhos e fantasias, ajuda a aliviar o estresse. É o timbre da vida”, declara. Entre os planos para 2012, está a gravação e lançamento de uma de suas composições.

“Chama-se Polititica e estamos pensando em gravá-la como frevo, para ser tocada no Carnaval. Foi feita em homenagem a Sarney. Mas pode ser aplicada a qualquer político.

Saltando da medicina tradicional chinesa para a ocidental encontramos outro doutor da música. Diferentemente de Gustavo Sá Carneiro mais chegado ao rock e ao blues –, o otorrinolaringologista Racine Vieira de Cerqueira prefere aliviar a tensão das cirurgias e consultas diárias tocando música brasileira em seu violão.

“Toquei por 10 anos como profissional até o sexto ano do curso de medicina. Tocava na noite, participei de vários grupos de baile””, conta.

Apesar de hoje encarar a música como um hobby, Racine recebe com frequência convites para se apresentar em rodas de choro, em festivais ou em encontros informais como os que já aconteceram em sua própria residência, no bairro do Parnamirim. Admirado no meio musical, o médico costuma ser visitado por importantes nomes da MPB.

“Há três meses quem passou lá em casa foi Gilberto Gil. Também aparecem sempre Geraldo Azevedo, Dominguinhos, Jorge Aragão, Maciel Melo, Petrúcio Amorim, André Rio, entre outros muitos outros”, relata.

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