Mulheres do Barro: pesquisa revela quem são as artistas do barro de Tracunhaém

 Mulheres do Barro: pesquisa revela quem são as artistas do barro de Tracunhaém

Com o objetivo de compreender e revelar quem são as mulheres artistas tracunhaenses, nesta terça-feira, Dia do Artesão, duas mulheres artesãs e produtoras culturais apresentam, em primeira mão, uma prévia do resultado do projeto “Mulheres do Barro”

Mulheres do Barro realizou um mapeamento cujos resultados serão apresentados em três eventos, em Tracunhaém, entre os dias 22 de março e 04 de abril

Tracunhaém (PE), município da Zona da Mata Norte de Pernambuco, distante 62 km da capital Recife, já é bem conhecido como polo cerâmico e até já ganhou o título de Capital do Artesanato em Cerâmica pela Assembleia Legislativa de Pernambuco. Com menos de 14 mil habitantes, cerca de 50% da sua população vive da transformação do barro em peças utilitárias ou em obras de arte que carregam além de beleza, riqueza cultural e diversidade de técnicas.

Com o objetivo de compreender e revelar quem são as mulheres artistas tracunhaenses, nesta terça-feira, Dia do Artesão, duas mulheres artesãs e produtoras culturais apresentam, em primeira mão, uma prévia do resultado do projeto “Mulheres do Barro”. O estudo, considerado um censo cultural, traz um mapeamento sobre as mulheres artesãs da cidade de Tracunhaém. A iniciativa  realizada com incentivo do edital Micropojeto do Funcultura, busca apresentar um conjunto de resultados que foram analisados em conjunto com uma pesquisadora.

Entre novembro de 2023 e janeiro deste ano, as produtoras realizaram uma busca ativa, visitaram ateliês da cidade, olarias e residências coletando dados referentes às mulheres artistas através de questionário. Foram ouvidas aproximadamente artistas, em sua maioria negras, que trabalham nas mais diversas habilidades criativas utilizando o barro como matéria-prima.

O lançamento completo dos resultados desse trabalho, que vai contribuir com a preservação da memória da tradicional arte em cerâmica e das mulheres que se dedicam ao ofício, ocorrerá em três dias e locais distintos: 22/03 na Escola Municipal Joaquim Canuto em Tracunhaém-PE (haverá vivência com algumas artesãs e parte da equipe) às 9h horas. Já no dia 23/03, a programação acontece na na Feira dos Artesãos de Tracunhaém às 19 horas. Por fim, no dia 04/04 haverá um lançamento digital no site do projeto e no canal do Youtube, a partir de 11h horas, que poderá ser acompanhado de qualquer lugar do mundo.

A faixa etária das mulheres mapeadas que trabalham com cerâmica em Tracunhaém é bem abrangente, vai dos 16 aos 95 anos. 34,04% das mulheres mapeadas são jovens adultas (estão entre 25 e 35 anos), e 23% delas são pessoas idosas (têm idades igual ou superior a 60 anos). “Uma nova geração de mulheres tem mantido a tradição com o barro na cidade, enquanto profissão e fazer artístico. Ao mesmo tempo, idosas ainda têm o barro como subsistência e também mantêm a tradição”, esclarece Gabriela Feitosa, pesquisadora colaboradora no Mapeamento Mulheres do Barro.

Em relação ao tempo de experiência das mulheres com cerâmica, a pesquisa identificou que 88,36% das mulheres mapeadas têm mais de dois anos de experiência com cerâmica. E 47% das mulheres estão atuando há mais de 10 anos na área, indicando que grande parte das artistas, de fato, têm prática no seu fazer artístico e profissional.

No âmbito da maternidade, 74,5 % das mulheres mapeadas são mães; 54,29% delas têm mais de um filho e 44,7%, são chefes de famílias. “As mulheres que são mães têm maior dificuldade de permanecer e de se manter no mercado de trabalho, por isso esse grupo precisa de maior incentivo e fortalecimento. Os filhos dessas mulheres representam uma possibilidade de continuidade da tradição da cerâmica no território, essas pessoas devem ser apoiadas”, detalhou Silvia Ribeiro, coordenadora geral e idealizadora do Mulheres do Barro.

O estudo também mostra que a cerâmica é a principal fonte de renda para 80,09% das inquiridas. No que diz respeito ao local de trabalho delas, apenas 14,9% das mulheres mapeadas trabalham com cerâmica em associações ou coletivos; 31,9% das ceramistas trabalham na própria residência e 31,9%, atuam em estruturas improvisadas. Do total, 53,2% das mulheres mapeadas trabalham com cerâmica em ateliês familiares. “Poucas mulheres trabalham com o apoio de associações ou coletivos. Esses dados demonstram que, se houver investimentos em espaços coletivos, mais mulheres poderão se utilizar desses ambientes para se desenvolverem profissionalmente. As mulheres que trabalham em suas casas usam parte de pequenos espaços para o trabalho”, explicou Cintia Viana, Coordenadora pedagógica e idealizadora .

61,7% das entrevistadas na pesquisa, desenvolvem peças autorais e 38,3% das mulheres ouvidas não consideram suas peças autorais. “A imposição do mercado da cerâmica no território dificulta a possibilidade do desenvolvimento do processo artístico autoral das mulheres mapeadas, tendo em vista que na maior parte do tempo os trabalhos são desenvolvidos para atender a um mercado e sobra pouco tempo para o desenvolvimento autoral das artistas, analisou a pesquisadora Gabriela Feitosa. Dentro do mesmo cenário, 87,2 % das mulheres mapeadas têm interesse em se qualificar mais em relação à cerâmica, o que demonstra a necessidade de investimentos nas mulheres que atuam no ramo ceramista de Tracunhaém.

Para a equipe do projeto, a história da cidade da Zona da Marta Norte se mistura com a da sua arte, que é um verdadeiro patrimônio cultural de Pernambuco e do Brasil. Mas, nessa história, o papel das mulheres precisa ser evidenciado e o Estado deve apoiar cada vez mais essas artistas. Pois o apoio ao empreendedorismo feminino permite que as mulheres tenham mais controle sobre seus próprios meios de subsistência e se tornem cada vez mais economicamente independentes. Promoção de inclusão social e equidade de gênero é tarefa do poder público. Além disso, incentivos das instituições a essas pessoas podem contribuir para o desenvolvimento econômico e social do Nordeste como um todo.

Além da coleta de dados, o projeto também incluiu a produção de um documentário que foi gravado e montado entre fevereiro e março deste ano, intitulado MULHERES DO BARRO. Nele as produtoras se unem a uma equipe de realizadores do audiovisual da Mata Norte, e contam como foi esse mapeamento mostrando a história de 12 artesãs da cidade de Tracunhaém. Realizado com recurso da Lei Paulo Gustavo do município, a obra pode ser vista na página oficial do projeto nas redes sociais e no Youtube.

HISTÓRIA – A arte com cerâmica remonta a milênios atrás, evidências arqueológicas indicam que a cerâmica foi produzida por civilizações antigas, como os povos do período Neolítico, por volta de 10.000 a.C. Essa arte continuou a se desenvolver ao longo dos séculos, influenciando diversas culturas ao redor do mundo como a da Zona da Mata Norte de Pernambuco.

No caso de Tracunhaém, a arte ceramista tem uma forte ligação com as culturas afro e indígena. A influência afro é evidente nas técnicas de modelagem e nos temas representados nas peças cerâmicas, que muitas vezes retratam elementos da religiosidade afro-brasileira, como orixás, entidades espirituais e figuras do candomblé e da umbanda. Por outro lado, a presença indígena se reflete na utilização de técnicas ancestrais de produção de cerâmica, bem como na representação de figuras e elementos da mitologia indígena, como animais, plantas e símbolos característicos.

Essa intersecção entre as culturas afro e indígena na arte ceramista de Tracunhaém é mais demonstração diversidade cultural de Pernambuco, resultando em um estilo único e significativo que reflete a identidade e a história da região.

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