Mudanças climáticas nos forçarão a repensar e construir uma sociedade mais sustentável e justa
O relatório de avaliação climática do Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas publicado em 2015, já alertava que iria chover mais no Rio Grande do Sul, com maior incidência de eventos climáticos extremos. O IPCC (Painel Intergovernamental das Mudanças Climáticas) da ONU também fez estes mesmos alertas. A Ciência fez o seu papel
Por Paulo Artaxo, Universidade de São Paulo (USP)
As mudanças climáticas estão se tornando mais evidentes, e já fazem parte do nosso dia a dia. A emergência climática já é uma realidade. Ela se manifesta de várias maneiras, sendo uma delas o aumento da intensidade e da frequência dos eventos climáticos extremos. Estes eventos extremos estão colocando em risco a vida de muitos, como estamos presenciando nas enchentes no Rio Grande do Sul, na seca do ano passado na Amazônia.
A Ciência há mais de 30 anos alerta que vai chover mais no Sul do Brasil, e que os eventos climáticos extremos vão aumentar muito de frequência e intensidade. O relatório de avaliação climática do Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas publicado em 2015, já alertava que iria chover mais no Rio Grande do Sul, com maior incidência de eventos climáticos extremos. O IPCC (Painel Intergovernamental das Mudanças Climáticas) da ONU também fez estes mesmos alertas. A Ciência fez o seu papel.
Precisamos nos adaptar. E rápido
Podemos citar duas importantes lições da tragédia no Rio Grande do Sul. O primeiro é que temos que nos adaptar ao novo clima. O clima não só vai continuar a mudar no futuro, como já mudou hoje. A adaptação requer reforços nas defesas civis em todos os níveis, municipais, estaduais e federal. Temos que ter um trabalho sincronizado entre as várias esferas. Temos que ter brigadas prontas e treinadas para agir em eventos extremos. Temos que ter Exército, Marinha e Aeronáutica prontas para agir e minimizar vidas perdidas e prejuízos materiais e de infraestruturas.
Dos 5.570 municípios brasileiros, a grande maioria não tem qualquer plano de adaptação que possa mitigar os impactos em sua população. Sai muito mais barato realizar trabalhos preventivos do que gastar bilhões depois das tragédias. A adaptação vai ser difícil e cara, e temos que iniciar sua implementação o mais rápido possível. O plano Clima de adaptação climática sendo finalizado pelo governo federal é um passo essencial, mas também temos que ter municípios, governos estaduais, câmaras legislativas, Senado e Câmara Federal sincronizadas com inciativas dos executivos em todos os níveis.
A segunda lição é que temos urgentemente que reduzir emissões de gases de efeito estufa, para não piorar ainda mais eventos climáticos extremos futuros. No caso do Brasil, zerar o desmatamento até 2030, e eliminar a exploração e uso de combustíveis fósseis o mais rápido possível. Entretanto temos que trabalhar para eliminar o petróleo do planeta como um todo, já que a atmosfera é compartilhada por todos.
Brasil precisa reconquistar a liderança ambiental
O Brasil tem que reconquistar a liderança ambiental e trabalhar para acabar com a exploração de petróleo e carvão no planeta. Hoje, com as emissões de cerca de 62 bilhões de toneladas de CO2, estamos indo para uma trajetória de aumento de temperatura de 3 a 3.5 graus em média no planeta. Isso significa que áreas continentais como o Brasil podem se aquecer cerca de 4 a 4.5 graus. Imaginem um planeta com o dobro do aquecimento que temos hoje, e com 5 vezes a incidência de eventos climáticos extremos.
Importante salientar também que quem é mais impactado por grandes enchentes e eventos climáticos extremos é a população mais pobre e vulnerável. A população que tem muito pouco, e perde todo o pouco que tem em uma inundação, com tudo embaixo de lama. Na forte seca que tivemos na Amazonia em 2023, observamos vilarejos e
povoados isolados na Amazônia, sem água potável, alimentos e remédios, que não podiam chegar sem o transporte fluvial. As mudanças climáticas podem aumentar ainda mais a vergonhosa segregação socioeconômica que temos no Brasil.
Ainda falando em justiça social, o custo de reconstruir o estado do Rio Grande do Sul pode chegar a R$ 50-80 bilhões de reais. Quem paga esta conta? No Brasil, os maiores emissores de gases de efeito estufa são a indústria da exploração do petróleo e o agronegócio brasileiro, onde estes dois setores respondem por mais de 70% das emissões de gases de estufa do Brasil. É justo o lucro das atividades econômicas ficar para as companhias, seus donos e acionistas, e o prejuízo ficar com a população que paga impostos? Certamente temos que fazer os poluidores pagarem pelas externalidades econômicas de suas ações.
Por outro lado, observamos que o atual Congresso nacional está fazendo todo o esforço possível para acabar com todas as leis de proteção de mananciais, e de proteção ambiental como um todo. O poder legislativo do Rio Grande do Sul, em parceria com o governo do estado, também trabalhou para afrouxar a já precária
legislação de proteção ambiental no Rio Grande do Sul.
Lucro a curto prazo; prejuízo para a população
Esta tendência tem que ser invertida. Precisamos da proteção da vegetação nativa, de proteção aos mananciais. Vemos a Petrobras com a proposta de extrair até a última gota de petróleo, inclusive na foz do rio Amazonas, colocando em risco biomas essenciais para nossa sobrevivência, em nome do maior lucro possível a curto prazo, não importam as consequências para a população. Observamos os ataques sendo feitos aos processos de licenciamento ambiental, essencial para contrapor os interesses das indústrias e atividades agropecuária às necessidades de proteção da população.
Precisamos construir um país mais resiliente às mudanças climáticas. Mais unido na construção de uma sociedade sustentável e mais justa socialmente. Devemos aprender as lições da tragédia no Rio Grande do Sul, para não errarmos de novo no próximo evento climático extremo. Ele virá, poderá ser tão impactante como este, mas não
sabemos onde ou quando acontecerá. Devemos aprender as lições desta tragédia, para caminharmos juntos na construção de uma sociedade sustentável e mais justa.
Paulo Artaxo, Professor do Instituto de Física, Universidade de São Paulo (USP)
This article is republished from The Conversation under a Creative Commons license. Read the original article.
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