Mindfulness: origens, benefícios e contraindicações com Tiago Tatton

 Mindfulness: origens, benefícios e contraindicações com Tiago Tatton

Tiago Tatton. Arquivo pessoal

Quais as origens, os benefícios e as contraindicações do mindfulness ou a prática da atenção plena. Estes foram os temas centrais da conversa que tivemos com Tiago Tatton na edição #57 do programa InterD – ciência e cultura, veiculado nesta quarta (26), na Universitária FM do Recife, nas plataformas digitais e aqui no site

Por AD Luna

Tatton é psicólogo, mestre em ciência da religião, doutor em psicologia e pós-doutor em psiquiatria e ciências do comportamento. Seu interesse pelo mindfulness surgiu no meio acadêmico, buscando compreender a meditação nas tradições orientais e sua aplicação na psicologia e na medicina. Para aprofundar esse conhecimento, realizou pesquisas e um estágio no King’s College de Londres, onde estudou protocolos estruturados de mindfulness. Atualmente, mora em Porto Alegre e atua na formação de profissionais na abordagem científica da prática.

O mindfulness tem origens no budismo, mas foi adaptado para a medicina e a psicologia no final dos anos 1970 por Jon Kabat-Zinn, que desenvolveu uma abordagem secular voltada para a saúde. Estudos indicam benefícios para estresse, depressão e ansiedade, mas Tatton alerta que os efeitos dependem da prática contínua e não devem ser vistos como solução milagrosa. Além disso, a técnica pode ser contraindicada em casos de instabilidade emocional severa, sendo essencial uma orientação qualificada para sua aplicação adequada.

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Ouça “Mindifulness: origens, benefícios e contraindicações com Tiago Tatton #57” no Spreaker.

INTERD – Primeiramente, fale um pouco sobre você, de onde é, qual sua formação e como chegou ao mindfulness?

Oi, sou Tiago Tatton, psicólogo, especialista e mestre em ciência da religião, doutor em psicologia, com pós-doutorado em psiquiatria e ciências do comportamento. Tenho uma carreira longa em psicologia, e o mindfulness entrou na vida principalmente de um modo acadêmico. Queria entender a dimensão, principalmente da meditação das religiões do Oriente, dentro da psicologia, das ciências médicas como um todo.

Foi assim que inicialmente o mindfulness surge e também o interesse prático. Também comecei a querer entender, fazer essas práticas de meditação, para sentir um pouco na pele, uma coisa um pouco mais fenomenológica, não ficar só lendo os livros ou ouvindo as pessoas, tentar interagir de maneira viva com a experiência, com as práticas de meditação e com o mindfulness também.

O mindfulness, seja ele na sua vertente mais religiosa, budista, mas também na vertente da psicologia, uma vertente mais secular, afastada da religião. Para isso, fui tanto fazer pesquisa no mestrado, doutorado e mais adiante no pós-doc. Durante um ano no doutorado, fiz um estágio doutorado no exterior, no King’s College de Londres, onde conheci a professora Tamara Russel, que é uma inglesa, neurocientista, que criou um protocolo de mindfulness de oito semanas. Um protocolo de intervenção e mindfulness. Isso foi muito importante para mim, esse período de um ano na Inglaterra.

Esqueci de contar um pouquinho mais de detalhes. Sou mineiro, natural de Três Corações, em Minas Gerais, mas conheço pouco a cidade onde nasci, porque meu pai é militar, então me mudei muito. As lembranças mais da minha infância são do Rio de Janeiro, onde passei alguns anos. Na adolescência, fui para Juiz de Fora, em Minas Gerais, e já estou há 15 anos morando praticamente em Porto Alegre, no Rio Grande do Sul.

Rodei bastante no início da vida, morei em Picos, no Piauí também, mas no coração guardo mais lembranças do Rio, de Minas, ali de Juiz de Fora e de Porto Alegre, agora aqui do Sul, onde já moro há bastante tempo. Sou pai da Claraluz, que tem 16 anos, e casado com a Letícia, que é psicóloga e pesquisadora também na área de psicologia.

Um detalhe importante que não falei é que sou um flamenguista inveterado. Passei a infância no Rio de Janeiro e vi o Flamengo do Zico ganhar tudo no Brasil. Então, naturalmente, apesar de ser mineiro de nascimento, como fui criado no Rio, tornei-me um flamenguista de coração.

INTERD – Quais as origens do mindfulness?

Existe uma origem no budismo, onde o termo mindfulness é a tradução em inglês para um conceito budista de atenção plena, um treino da atenção. Portanto, é possível remontar o conceito às origens do mindfulness no budismo. Todo o budismo falado em língua inglesa terá esse treinamento de mindfulness ligado ao budismo. Há também o mindfulness secular, sem religião, que surgiu no final dos anos 70, com o professor Jon Kabat-Zinn, criando um programa de mindfulness na área médica e de saúde, usando conceitos budistas sem ênfase religiosa. 

No mesmo período, psicólogos também adotaram essa abordagem não religiosa, removendo aspectos religiosos do budismo e aplicando na psicologia clínica individual. Enquanto Kabat-Zinn desenvolvia programas de oito semanas, intervenções médicas em grupo. Essa é a origem do mindfulness, desde o ponto de vista histórico budista, em 600 a.C., até o mindfulness científico no final dos anos 70.

INTERD – Quais os benefícios?

Os benefícios do mindfulness têm sido estudados há cinco décadas. Claro, à medida que a pesquisa avança, ela vai amadurecendo. No começo, havia muitos resultados positivos. Então, num geral, sabe-se que mindfulness faz bem quando ensinado por um professor ou uma professora com uma boa formação. Isso é fato. Agora, a pesquisa está cada vez mais madura.

Hoje, fazemos pesquisas com grupos controle ativo, com comparadores ideais, e isso vem mostrando que mindfulness, como acontece normalmente na ciência, não é uma maravilha milagrosa, mas é tão bom quanto tratamentos empiricamente validados para diferentes condições. Sabe-se que, para os quadros psiquiátricos de um modo geral, desde o estresse até a depressão e a ansiedade, mindfulness é um tratamento muito bom, tanto quanto outros tratamentos eficazes já estabelecidos.

A vantagem é que se trata de um método não medicamentoso e que, em oito semanas, a pessoa pode aprender uma estratégia para manter pelo resto da vida e se sentir bem. Mas é importante não exagerar os resultados, entender que são auto limitados e dose-dependentes, ou seja, dependem da prática. Os efeitos não são milagrosos, não surgem do nada. É necessário praticar mindfulness, assim como na musculação, em que é preciso levantar peso para o músculo crescer. É fundamental ter consciência de que os resultados dependem do comprometimento da pessoa.

Eu falei sobre benefícios na saúde mental, mas existe uma série de benefícios de mindfulness, por exemplo, [em relação à] dor crônica, em condições físicas. Como coadjuvante no tratamento auxiliar de pacientes com câncer, há uma evidência científica boa. Hoje em dia, a pesquisa sobre os benefícios de mindfulness é muito ampla e está relativamente madura. Inclusive a pesquisa sobre neurociência no campo.

INTERD – Há contraindicações, quais?

De fato, há uma série de contraindicações e efeitos colaterais que a prática de mindfulness pode trazer. Por exemplo, o mindfulness é contra indicado se você não estiver clinicamente estável. [No caso de] uma pessoa que está muito ansiosa, muito deprimida, excessivamente desorganizada, [que] está passando por um luto profundo, por um divórcio extremamente complicado, a prática de mindfulness é contra indicada. Porque mindfulness não é um calmante, uma pílula de relaxamento, ele é colocar você em contato com o que está presente. 

Imagina uma pessoa que já está severamente deprimida e você pedir para ela entrar em contato com ela mesma. Ela vai piorar muito porque ela precisa primeiro sair dessa depressão. Ela precisa se organizar. Então essa ideia que às vezes é difundida de que mindfulness é uma coisa que só faz bem, é um relaxante, um calmante, é equivocada. 

É preciso muita cautela para entender como e quando aplicar mindfulness. E a prática também pode ter reações adversas. Algumas pessoas podem ficar mais ansiosas com a prática. Então o principal é que alguém que esteja aprendendo mindfulness, ou queira aprender mindfulness, aprenda com uma pessoa que está realmente qualificada para ensinar mindfulness.

INTERD – Fale um pouco da escola que você trabalha, qual a diferença dela para práticas ligadas a tradições religiosas e outras linhas?

Eu, Tiago, tenho duas práticas de meditação: uma mais religiosa, voltada para a questão espiritual religiosa, e a prática de mindfulness secular, não religiosa, que eu aprendi através da psicologia e da ciência, que aí é um outro objetivo. Se na meditação religiosa o nosso objetivo… vamos pegar um exemplo aí do mindfulness dentro do budismo, onde o objetivo é superar o ciclo incessante de renascimentos; no mindfulness científico, o objetivo é promoção de saúde, clareza mental, diminuição de pensamentos repetitivos, ajudar a manejar o estresse. 

A gente gosta de falar: o teto é mais baixo no mindfulness secular, nem por isso é menos importante. Então, há mais de dez anos trabalho em parceria com uma professora inglesa que se chama Tamara Russel, a gente desenvolveu o protocolo neurocognitivo de mindfulness que é baseado em neurociência.

Nós fundamos a escola BMT Brasil. Body In Mind Training, com a qual oferecemos formação, capacitação, treinamento para profissionais de diferentes áreas, desse mindfulness científico. O mindfulness religioso a pessoa precisa aprender em um mosteiro, com um monge, uma monja, é um outro caminho, um caminho muito bonito também.

O mindfulness científico está preocupado com a promoção de saúde, ajudar em condições clínicas de algumas doenças físicas e psicológicas e o mindfulness espiritual religioso tem um propósito maior. Ambos os propósitos são válidos mas é importante não misturar muito as coisas. 

Quando você está praticando mindfulness dentro do budismo, por exemplo, você até pode ter benefícios para a sua saúde, mas esse não é o grande objetivo, o grande objetivo não é alguém fazer um budismo terapêutico, por exemplo, isso seria uma distorção do budismo e o mesmo para o mindfulness científico. 

Alguém querer praticar mindfulness científico e alcançar o nirvana, não faz sentido. Então é muito importante ter essa clareza. Na minha vida pessoal, tenho uma perspectiva mais religiosa e espiritual e a perspectiva secular, na minha vida profissional eu ensino apenas a perspectiva secular porque eu não sou monge, não sou lama, alguém assim autorizado dentro de uma linhagem budista. 

Infelizmente no mindfulness secular, o mindfulness não religioso, tem muito isso. Tem muita mulher, muito homem adotando um tom meio de monge. Acho algo antiético, feio sim, deselegante.

INTERD – Algumas pessoas criticam uma certa hiper mercantilização do mindfulness e, quando ele é inserido no meio corporativo, ser, muitas vezes, utilizado mais como uma forma de tentar gerar mais lucro para as empresas do que proporcionar bem-estar aos funcionários. O que pensa a respeito disso?

Eles usam um termo até que se chama Mac Mindfulness, brincando com o McDonald’s, que é a meditação fast food, é a mercantilização do Mindfulness, isso está totalmente correto, é uma análise, um olhar correto. O Mindfulness, da maneira como ele existe no mercado, está dentro das chamadas mercadorias de bem-estar, é um commodity, um produto de bem-estar, geralmente acessível para pessoas brancas e abastadas, e muito a serviço da sociedade do cansaço, que é essa exigência de estar bem, exigência de estar calmo, exigência de estar equilibrado.

E muitas vezes as empresas levam o mindfulness para dentro muito mais para fazer uma lavagem, do tipo, “olha como nós pensamos na saúde mental das pessoas”, do que de fato um interesse genuíno no bem-estar delas.

É muito mais para fazer um cartaz e aumentar, às vezes, a produtividade, fazer com que a pessoa desfoque menos e gere mais lucro para a empresa do que por interesse real no bem-estar. Tem gente de dentro do mindfulness que defende que isso é uma espécie de… apesar dos problemas, uma espécie de cavalo de Troia, ou seja, pelo menos estamos abrindo os olhos das pessoas. Alguma pessoa a gente vai resgatar de lá, uma visão até meio romântica do mindfulness como um processo de salvamento.

Apesar de tudo, eu tenho alguns argumentos até a favor dessa última. Tenho pelo menos duas pessoas que praticaram mindfulness comigo, de fato, que tinham altos cargos empresariais, e o mindfulness ajudou essas pessoas a entender que aquele universo era um universo de burnout.

Muita exploração, falta de sentido, então, de fato, na minha experiência pessoal, eu já vi isso acontecer também. Agora, isso não diminui a crítica, que é real e pertinente, de que o mindfulness tem um perigo e é usado de maneira belicosa, de maneira mercantilista, para que a pessoa seja um produto de bem-estar ou para que as empresas explorem mais as pessoas.

Fica mais focado, fica mais calmo e gera menos problema, um adoçamento para que o sistema possa submetê-la melhor. Isso é uma crítica pertinente e está na natureza desse mindfulness secular, desse mindfulness científico que entrou nas escolas, nas empresas. É preciso muita atenção, muito cuidado com isso.

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