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Meus encontros com Itamar Assumpção
“O Itamar Assumpção vai na minha casa, Carneirito! Tem ideia do que significa isso?”
Por Rodrigo Carneiro*
A propósito do extremamente bem-vindo surgimento do MU.ITA, Museu Itamar Assumpção, e atendendo ao convite do chapa AD Luna para batucar algo para este distinto sítio InterD, sugiro às senhoras e aos senhores imersões no conteúdo virtual oferecido.
Milhares de itens, exposições permanentes e temporárias – as obras de Dalton Paula permanecem em cartaz até março de 2021 –, textos saborosos, Sala Serena, venda de produtos exclusivos, discografia, tradução para o iorubá e uma série de maravilhas. Estou a degustar aos poucos. Que artista gigantesco.
Estimulado pelo “exercício constante de resgate e ressignificação da memória preta” do museu, tomo a liberdade de ofertar certas lembranças: há algum tempo o meu amigo Jair Marcos compartilhou o link da música “Fico louco”, do álbum de estreia do “afro brasileiro puro” e da Banda Isca de Polícia, “Beleléu Leléu, Eu” (1980).
A postagem gerou uma torrente de likes e comentários faceboqueanos. Afinal, trata-se de mais uma das belezas cometidas pelo saudoso artista de Tietê (SP).
Lá pelas tantas, Marcos escreveu – marcando-me: “Querido Carneiro, você me lembra muito ele, e vice-versa. Há, inclusive, uma boa semelhança no timbre de voz. Abraços, man!”.
Agradeci a lisonja – ah, a bondade descabida dos amigos –, apertei a opção “amei” e respondi: “Um dos meus heróis desde sempre. Estivemos juntos em três ocasiões bem especiais. Aquele abraço, querido”. Diante da resposta, o eterno guitarrista do Fellini quis saber mais: “Rodrigo, chegaram a tocar e se apresentar juntos?”
Não chegamos a tocar juntos – o que seria algo, na falta de melhor definição, surreal. As tais três vezes foram cousas outras. Sempre tangenciando a música, claro. Mas cousas outras.
O primeiro encontro com Itamar Assumpção
Vejamos a primeira: fui apresentado a ele no escritório da extinta gravadora Paradoxx Music, onde ambos tivemos o desprazer de lançar discos – à época, o dele era “Ataulfo Alves por Itamar Assumpção – Pra Sempre Agora” (1996); o meu, “Stoned” (1995), o primeiro dos Mickey Junkies. Eu tinha uma reunião marcada lá.
Itamar estava contrariado com alguma trapalhada e aparecera de surpresa. Ao chegar, um pouco antes do horário combinado, a secretária informou que me atenderiam em meia hora, 40 minutos.
Quando a porta da sala de reuniões finalmente foi aberta, o burocrata-mor disse a Itamar: “Esse é o Carneiro. Lançamos o disco da banda dele, chama isso, toca aquilo etc.”
Ele apertou forte a minha mão, olhou bem no fundo dos meus olhos e disparou: “Esses caras vão te enganar, Carneiro. Cuidado!”. E o burocrata: “Que isso, Ita? (rindo amarelo). Vai assustar o garoto”.
Ao que ele respondeu: “Não tem piada alguma aqui. Tá rindo do quê? Fique alerta com eles, ô, garoto”. Maravilhado – e ainda mais ressabiado -, alerta fiquei.
Um narguilé como testemunha
O segundo encontro foi num jantar diminuto na casa do Cazé Pecini, provavelmente em 1998. Convidado por Pecini num dos corredores da MTV Brasil, ele aceitou a proposta muito pelo fato das filhas, Anelis – futura diretora geral do museu – e Serena (1977-2016), gostarem da programação apresentada pelo VJ na emissora.
Recordo perfeitamente da ligação telefônica de um exultante comunicador narrando-me a conversa que tiveram. “O Itamar Assumpção vai na minha casa, Carneirito! Tem ideia do que significa isso?”, comemorava.
Chegada a data, um sábado, Itamar apareceu com as herdeiras. Apesar da nossa extrema reverência, mantivemos a linha e não ficamos aporrinhando o mestre com tietagens baratas.
O que foi ótimo, pois ele realmente divertiu-se conosco. Tendo um narguilé como testemunha, conversamos bastante naquela noite. Além de tudo, o cara era um esplêndido contador de histórias.
Minha última visão de Itamar Assumpção
A terceira ocasião foi num show do Jards Macalé no auditório do Itaú Cultural, na Avenida Paulista. Itamar, na primeira fila, já se submetia ao tratamento contra o câncer no intestino que o mataria naquele fatídico ano de 2003.
Estava, obviamente, um tanto abatido. A audiência pedia o tempo todo que ele subisse ao palco; Macalé, na elegância, também acenou com a possibilidade. O mestre, no entanto, não atendeu aos pedidos.
Mas no final da apresentação do amigo carioca, levantou, dirigiu-se à porta de saída e mandou, a capella, com aquela voz de trovoada acalentadora que ele tinha, os versos iniciais de “Diz que fui por aí”, do Zé Kéti.
“Se alguém perguntar por mim/ Diz que fui por aí/ Levando o violão embaixo do braço/ Em qualquer esquina eu paro/ Qualquer botequim eu entro/ Se houver motivo/ É mais um samba que eu faço/ Se quiserem saber se volto/ Diga que sim/ Mas só depois que a saudade se afastar de mim”.
Deixou pra trás uma plateia que urrava, chorava e aplaudia. Foi a última aparição do Itamar presenciada por mim. Cousas outras, disse acima. Virginiano como eu, ele nasceu em 13 de setembro de 1949.
Viva muito o Ita.
*Rodrigo Carneiro é jornalista, vocalista da banda Mickey Junkies e autor do livro “Barítono” (Terreno Estranho)