Mãe Beth de Oxum: música, ativismo e resistência cultural

 Mãe Beth de Oxum: música, ativismo e resistência cultural

Mãe Beth de Oxum. Foto: Lu Rocha

 

No dia 12 de agosto de 2021, Mãe Beth de Oxum teve essa atuação reconhecida ao ser anunciada como Patrimônio Vivo de Pernambuco. Ela está à frente do terreiro Ilê Axé Oxum Karê e do Coco de Umbigada

 

Por AD Luna
@adluna1

Ialorixá, comunicadora, ativista, artista, mestra da cultura popular. Nascida na antiga maternidade da Praça do Carmo, em Olinda, Maria Elizabeth Santiago de Oliveira atua, há décadas, em várias frentes de luta. No dia 12 de agosto de 2021, Mãe Beth de Oxum, como é mais conhecida, teve essa atuação reconhecida ao ser anunciada como Patrimônio Vivo de Pernambuco.

O sentimento é de que valeu a pena. Esse título representa um sopro de esperança neste país que é plural, mestiço, onde mais de 50% da população é negra e que não cabe numa caixa fundamentalista”, pontua Beth de Oxum. Há mais de 30 anos, ela está à frente do Ponto de Cultura Coco de Umbigada, no bairro de Guadalupe, em Olinda. O local também abriga o terreiro Ilê Axé Oxum Karê.

Junto com o marido, o músico Quinho Caetés, Beth de Oxum mantém o grupo cultural Coco de Umbigada. O trabalho que une cultura e resistência nasceu nas comemorações do São João de 1998. A iniciativa surgiu a partir da intenção do casal, com a ajuda de toda a família e da comunidade, em retomar a tradição do coco outrora mantido por João Amâncio e o irmão dele, Antônio Amâncio – parentes de Quinho.

“São manifestações remanescentes de quilombos urbanos. A morte dos mestres deixou o coco calado por muito tempo, quase 30 anos. Mas, com a construção da nossa família, Quinho me falou que queria resgatar os instrumentos e voltar a fazer a brincadeira”, relembra.

Quando essa ideia surgiu, Beth de Oxum já atuava como ativista cultural, havia participado de afoxés, seguia o candomblé e tocava maracatu de baque virado. “Algo que na época era muito difícil, pois as mulheres não tinham acesso”, conta. Como percussionista, ela tocou nos grupos de Dona Selma do Coco e de Lia de Itamaracá, a nossa rainha da ciranda, também reconhecida como Patrimônio Vivo de Pernambuco.

Com a ajuda da família e da comunidade, Beth e Quinho começaram a realizar sambadas, todo primeiro sábado de cada mês. Uma em Olinda, no Guadalupe, e a outra, todo último sábado do mês, em Paratibe.

Coco e resistência cultural

Beth de Oxum diz que enfrentou muita resistência por parte de pessoas que não queriam ver essas manifestações na rua. “Respondi a processos na justiça. E qual foi meu crime? Fazer coco de roda. A gente precisou fazer um trabalho de formiguinha, de educação cultural. É um desafio muito grande manter a tradição”, diz a coquista.

As origens do coco remontam, de acordo com ela, aos antigos quilombos, no ato da quebra sincopada, rítmica, de frutos das palmeiras. “A tradição vem desses lugares, do encontro do negro com o indígena. Ela se proliferou pelo Nordeste afora, em diversas vertentes. O coco é uma manifestação do povo simples, humilde e está impregnado na alma pernambucana e nordestina. Para as comunidades, o brinquedo transcende o universo dos ciclos, ele está presente na vida diária das pessoas”, conta ela.

Terreiro Ilê Axé Oxum Karê

Para Mãe Beth de Oxum, “o terreiro é o lugar onde mais se acolhe a diversidade, seja ela de gênero, de raça ou religiosidade”. É com esse espírito de abertura que ela acolhe as pessoas que a procuram no Ilê Axé Oxum Karê, conhecido como terreiro da umbigada, por abrigar essa vertente do coco

No Ilê Axé Oxum Karê Ilê cultuamos a orixá feminina Oxum, que é nossa mãe, a dona da casa. O pai é Babá Ogum. O Ilê é um terreiro de matriz africana que cultua o orixá e também a Jurema sagrada”, explica.

Para Beth de Oxum, em geral os terreiros em Pernambuco funcionam como espaços de criação, de proteção do coco, do maracatu e dos afoxés. São locais de salvaguarda e proteção dessas expressões culturais. Eles mobilizam suas comunidades o ano inteiro”.

Desde 2005, quando foi reconhecido pelo antigo Ministério da Cultura como Ponto de Cultura, o local onde funciona o Ilê e o Coco de Umbigada também oferece cursos para a juventude negra e periférica do entorno. O Laboratório de Tecnologia e Inovação Cidadã, por exemplo, forma cerca de 150 jovens anualmente, nas áreas de programação, design gráfico, desenvolvimento de softwares e games.

Sem Folhas Não Tem Orixá – Mãe Beth de Oxum, Terreiro Ilê Axé Oxum Karê – Princípios da Etnobotânica

Foi nesse espaço que surgiu o jogo eletrônico “Contos de Ifá”, fundamentado na mitologia afro-brasileira. “Estamos há dez anos trabalhando em parceria com quatro universidades locais: UFPE, UNICAP, UFRPE e a UNIAESO. É uma troca de conhecimentos muito rica”, comemora. Atualmente, o Ilê conta com duas turmas desenvolvendo um novo game inspirado em Iemanjá, com foco em educação socioambiental.

“Também articulamos redes de comunicação, o que resultou na instalação da rádio Amnésia, na frequência FM 89.5. A gente costuma dizer que ela é ‘a rádio que esqueceu do seu dinheiro, mas não esqueceu de você’”, brinca.

“No Ilê Axé e em outros terreiros ocorrem revoluções silenciosas. São 500 anos resistindo ao preconceito, à intolerância. Se tem um povo que preserva a natureza, é o de terreiro. Porque sem natureza, sem água, sem folha não tem orixá. A natureza para nós é sagrada. Sem ela, não conseguimos ficar de pé sob a terra”, celebra a multifacetada Mãe Beth de Oxum, Patrimônio Vivo de Pernambuco.

Publicado originalmente no Cultura PE.

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