Sociedade

Jornalismo esportivo relaciona imagem das torcidas organizadas à violência?

Ideia de que atos violentos na modalidade advêm apenas das torcidas organizadas é reforçada a partir de falas, notícias, comentários e intervenções que ocorreram no jornalismo esportivo

Paula Bassi

A violência no futebol brasileiro e a atuação das torcidas organizadas são temas que se entrelaçam no imaginário popular. A ideia de que atos violentos na modalidade advêm apenas dessas organizações é reforçada a partir de falas, notícias, comentários e intervenções que, historicamente, ocorreram no âmbito do jornalismo esportivo. Para mapear a construção desse discurso, um estudo da Escola de Educação Física e Esporte (EEFE) da USP analisou 2.258 notícias referentes às torcidas organizadas, nas quais são relacionadas principalmente à violência, fidelidade e fiscalização.

O trabalho de doutorado de Marcelo Fadori Soares Palhares, orientado pelo professor Ary Rocco Jr., levantou conteúdos publicados em três veículos: Revista Placar e os jornais Folha de S. Paulo e O Estado de S. Paulo. Foi selecionado material desde 1969, ano da fundação da Gaviões da Fiel, primeira torcida organizada no Brasil, até o ano de 2020. As notícias destacadas na pesquisa apresentaram três principais discursos: o da fidelidade, o da fiscalização e o da violência.

O primeiro refere-se principalmente ao amor da torcida pelo time, e ao compromisso dela em acompanhá-lo e transformar as arquibancadas em festa. O segundo diz respeito à cobrança feita pela torcida sobre o time, frente a algum resultado ou situação insatisfatória. Já o terceiro traz episódios de violência que envolvem a torcida. Neste último, porém, foi identificado que a associação da violência à torcida restringe-se apenas à violência física.

Como implicação disso, a tese identificou que outros fenômenos violentos além dos físicos, como a homofobia, racismo, xenofobia etc, não se vinculam à palavra violência nas matérias. Assim, o debate sobre o assunto fica reduzido, o que propicia uma associação simplista das torcidas organizadas à violência nos jogos, sendo esta retratada como a grande responsável pelas brigas nas arquibancadas.

Violência

Segundo o pesquisador, a maneira como as matérias tratam essa questão gera uma sensação de paz relativa em situações em que, apesar da ausência de agressões físicas, houve insultos, desrespeito, homofobia, abuso de poder dos policiais, entre outros. Ainda observa que, por conta disso, cria-se uma falsa impressão de que acabar com a torcida organizada traria o fim da violência nos estádios. “Isso levaria esses grupos para a clandestinidade, dificultando, assim, medidas preventivas, bem como o diálogo com essas instituições. Deve-se apontar que diversos atores do cenário do futebol possuem responsabilidade neste contexto: os clubes, as federações, os meios de comunicação, a polícia, os atletas”, complementa.

As ações para a diminuição das situações de violência na modalidade perpassam por diversas instâncias, desde ajustes na organização dos eventos até a transformação dos valores que regem as práticas dos torcedores organizados. Dado que o interesse em se desvencilhar da imagem da violência, as próprias torcidas organizadas promovem campanhas de prevenção à violência física, reuniões com órgãos públicos e promotores dos eventos futebolísticos. Porém, outros tipos de violência não-física ainda são rotineiras para o torcedor, sem que haja iniciativas específicas voltadas para este contexto.

O pesquisador ressalta o papel social da torcida organizada, que representa um forte canal de identificação e mobilização social. “Este espaço poderia ser utilizado, inclusive, para a construção de valores positivos e participação cidadã, de modo ativo. É um espaço no qual o indivíduo pode se expressar, participar e pertencer a uma coletividade, de modo genuíno e desinteressado”. O pesquisador ressalta o potencial de campanhas acionadas pelas torcidas organizadas, e sua capacidade de alcançar espaços não atingidos pelo poder público. A tese, intitulada Torcidas organizadas e jornalismo esportivo: discursos sobre violência no futebol, foi defendida em julho deste ano e pode ser acessada no Banco de Teses da USP.

Jornal da USP

VEJA TAMBÉM

Lesões no joelho estão entre as mais recorrentes no futebol

Mairiporã recebe partida de futebol solidária com a presença de craques

Investopia recebe investidores mundiais de futebol e líderes de ligas para debater a nova economia do esporte

    Mariana Layme

    Recent Posts

    Joanah Flor, Diablo Angel, Luan Estilizado, Raí Saia Rodada e Zezo no Giro Musical

    Joanah Flor lança “Olhos de Avelã” no Dia Internacional Contra a LGBTfobia; Lajedo celebra 76…

    2 dias ago

    Laura Barker, diretora do NY Brazilian Film Festival, estreia como fotógrafa com ensaio inédito da atriz Priscila Reis

    Radicada em Nova Iorque há mais de uma década, Laura Barker é diretora e produtora…

    2 dias ago

    Bebé e Felipe Salvego apresentam show inédito e intimista em São Paulo

    Apresentação marca nova fase da cantora e revela faixas do próximo disco No dia 20…

    3 dias ago

    Fest Crew ocupa o centro de São Paulo com dança e muita arte

    Festival gratuito celebra trajetórias periféricas e queer no Centro de Referência da Dança, em 14…

    3 dias ago

    Ana Cacimba celebra a ancestralidade e a resistência negra com o single “Preto velho”

    Escute aqui: https://umg.headmedia.com.br/pontodepretovelho Ana Cacimba lança o single “Preto Velho”, uma interpretação contemporânea de um ponto…

    3 dias ago

    Artigos científicos relatam benefícios da observação e do contato com a natureza

    Pela análise dos artigos, foi verificado que a grande maioria deles (94,03%) relata resultados positivos…

    3 dias ago