Intercom reúne cerca de 1.800 pesquisadores em João Pessoa discute o combate à divulgação de fake news e inverdades
Por Marcello Rollemberg
Jornal da USP
Desinformação, misinformation, mentira, pós-verdade, manipulações. Fake news. Todas essas expressões, que parecem – mas não necessariamente são – sinônimas, são, na verdade, o fruto amargo resultante de um mal comunicacional, tecnológico e contemporâneo: a propagação de informações falsas, de inverdades a respeito dos mais variados assuntos principalmente a partir das redes sociais, e que afetam diretamente a sociedade. Aí, sim, pode-se ganhar o nome genérico de fake news. Justamente para discutir esse tema cada vez mais amplo e ainda sem solução no horizonte que pesquisadores da comunicação de todo o Brasil estão se reunindo desde o último dia 5 na Universidade Federal da Paraíba (UFPB), em João Pessoa, no 45º Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação. O encontro, que vai até o dia 9, reúne cerca de 1.800 congressistas, que apresentarão, ao final do evento, 965 artigos a respeito dos inúmeros temas que rondam as fake news e a desinformação no País. Depois de dois anos acontecendo de forma remota devido à pandemia de covid-19, esta é a primeira vez que os pesquisadores se reúnem presencialmente.
“O tema do Intercom é uma espécie de síntese do espírito do tempo, da agenda de pesquisa do campo de conhecimento da comunicação. A desinformação tem impactado instituições, grupos e indivíduos nas mais diversas dimensões”, afirmou ao Jornal da USP o professor da Universidade Católica de Pernambuco e vice-presidente da Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação, a Intercom, Juliano Domingues. “As consequências desse fenômeno vão desde as mortes na pandemia a ameaças às eleições. E no centro desse fenômeno estão processos comunicacionais”, disse ele.
A diretora de Comunicação da Intercom e professora da Universidade Federal da Bahia (UFBA), Ivanise Hilbig de Andrade, vai pelo mesmo caminho, ressaltando a importância da reunião de tantos pesquisadores da comunicação para discutir um tema que afeta a todos, indistintamente. “Essa temática é extremamente atual e preocupante pelo momento que a gente vive. É importante pensar como os comunicadores podem atuar, não apenas tecnicamente, no dia a dia, mas também politicamente e nas inserções junto à sociedade civil e às universidades”, ponderou ela.
Intercom aborda filosofia, os riscos e a prática da desinformação
Apesar de já ter encontros e discussões desde o dia 5, a última quarta-feira – não coincidentemente o 7 de setembro que assombrava a tantos com fake news e ameaças à ordem institucional dos mais variados calibres sendo emitidas desde o Planalto Central – acabou pontificando em meio às importantes reflexões. A palestra oficial de abertura do congresso foi feita pelo jornalista e professor da Escola de Comunicações e Artes da USP (ECA-USP) Eugênio Bucci, que lembrou que deve-se “buscar a âncora da palavra no momento que vivemos”.
“Se queremos vencer a desinformação, temos que saber explicar o que acontece. Temos que entender a história do conceito de informação para explicar a desinformação”, iniciou Bucci, que também é superintendente de Comunicação Social da USP. “Pós-verdade foi a palavra do ano do dicionário Oxford em 2016. E a expressão ‘fake news’ começou a se popularizar nessa época. Mas sempre houve fake news em todos os lugares, ela é uma falsificação da forma, antes de ser do conteúdo. É uma fraude da forma”, contextualizou o professor.
“E fake news pode contar verdades e embutir uma mentira em sua essência. Já a desinformação envolve, como conceito, a má intenção. A desinformação é um desvirtuamento do conteúdo, o perfeito oposto de tudo o que entendemos como informação. Ela anestesia e desativa a razão”, explicou, alertando que os padrões atuais de comunicação pelas redes são apelos “que não convidam ao diálogo”. “Não sou contra a tecnologia, mas sim contra o uso político da tecnologia”, concluiu.
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Se a fala de Eugênio Bucci pode ser vista como uma “importante conceituação filosófica” acerca de desinformação e fake news, como definiu a professora Elizabeth Saad, também da ECA, a mesa seguinte – da qual a professora fez parte – seguiu na discussão sobre o combate à desinformação e às fake news a partir de propostas e ideias mais diretas. O pesquisador e professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Carlos D’Andrea, por exemplo, afirmou que uma das alternativas seria “desnaturalizar as plataformas tecnológicas, uma ‘desplataformização’”, algo que já vem sendo empregado. O ex-presidente americano Donald Trump, por exemplo, foi banido do Twitter.
“Devemos olhar mais na prática como a questão está sendo tratada, a diversidade de entendimentos que existe sobre desinformação e como o tema é entendido pela comunidade de checagem”, afirmou Elizabeth Saad, lembrando que os algoritmos das plataformas tecnológicas e seu entendimento acabam por privilegiar um cenário de desordem informativa. Segundo ela, a tarefa de combate à desinformação está longe de ser simples.
“A desinformação permanece atuando mesmo quando combatida. E combater não significa eliminar. A desinformação sempre ultrapassa limites”, afirmou ela, alertando que, justamente por essas razões, a sociedade civil deve atuar de maneira mais efetiva e que deve haver uma “institucionalização” dos códigos de conduta, inclusive das plataformas, que colaboram muito com a desinformação.
“É nossa função dar esclarecimentos, promover a cultura do debate, não ficar confortável com a mentira. Devemos ter um treinamento do olhar, do entendimento. Nossa função é desvelar, por mais que seja difícil. Até porque mitigar as fake news ou a desinformação não significa acabar com elas”, garantiu ela. “E esse também é um papel da universidade: falar para fora, participar mais e estar cada vez mais próxima da sociedade, discutindo e explicando. Não podemos ser reféns do meio digital e devemos ter clareza sobre isso. Afinal, o meio digital é ferramenta”, finalizou a professora da ECA.
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