Música

Improviso de Severina Branca vira blues e clipe com Petrônio e as Criaturas

As imagens do videoclipe são uma montagem de cenas do filme com trechos de um show da banda realizado em 2023 na Casa AMP, no Recife

Por Manuela Veras

Conta-se que a canção Enquanto render a vida não se acaba a esperança poderia ter sido relegada ao absoluto desconhecimento, pois estava imersa há dez anos em materiais brutos de filmagem quando foi pinçada e lapidada. Cantarolada em tom de aboio pela magistral e marginal poeta Severina Branca, a canção foi criada num surto poético durante um processo de filmagem cinematográfica. Além de sua gravação e lançamento em todas as plataformas de música em setembro deste ano, a música deu origem a um videoclipe, que será lançado nesta quinta-feira, dia 31 de outubro, pelo YouTube no canal de Petrônio e as Criaturas.

Esse improviso de sete sílabas poéticas, registrado por Petrônio Lorena durante as filmagens do seu longa metragem “O Silêncio da Noite é que tem sido testemunha das minhas amarguras” (2016), tornou-se um blues sertanejo, com produção de D Mingus, no estúdio Pé de Cachimbo. As imagens do videoclipe são uma montagem de cenas do filme com trechos de um show da banda realizado em 2023 na Casa AMP, no Recife.

Sobre o videoclipe, o poeta recifense Giuseppe Mascena assistiu e analisou: “Me deu uma mistura de sensações. A imagem da poesia, a emoção da música, a musicalidade das imagens. E é curioso porque a métrica da poesia popular do Sertão se encaixa no blues.” Giuseppe é um dos tantos poetas que brilham no Pajeú registrados em O Silêncio (…) e tem sido um porta-vozda cena poética recifense.

“Assisti, me emocionei, matei até a ansiedade da saudade do povo que eu vi da época da filmagem,” reage Nõe de Job ao videoclipe. Ele é também figura marcante em São José do Egito e um dos personagens do filme O Silêncio (…), que foi rodado entre 2010 e 2016.

Uma obra que irradia o Pajeú

Para lançar luz sobre o clipe da música Enquanto render a vida (…), é preciso enxergar o contexto identitário. Nascido em Serra Talhada, que fica a duas horas de São José do Egito, Petrônio sempre conviveu com a poesia popular do Pajeú. “Frequentei cantorias de viola, escrevo poemas para letras de música e sempre mantive uma ligação com a literatura. Fazer o filme foi uma forma de traduzir a poesia popular para a linguagem cinematográfica de documentário”, conta.

Rodado na fronteira entre o sertão pernambucano (São Egito do Egito) e o paraibano (Prata e Ouro Velho, ambas cidades que figuram na letra da música), o filme faz uma abordagem poética da região em que mais se desenvolveu o fenômeno da poesia de improviso no Brasil. Foi lá que Petrônio conheceu Severina Branca, que protagoniza O Silêncio (…), ao lado de Louro do Pajeú, Job Patriota, Pinto do Monteiro, Rafaelzinha, Manoel Filó, Zé de Cazuza, Manoel Xudu e tantos outros.

“A verve poética de Severina tem um poder de irradiação porque aborda aspectos universais da saudade e do desapego, ao mesmo tempo que trata de assuntos contundentes de uma mulher vivendo no sertão pernambucano do século XX”, elabora Petrônio.

Não raro, nas Festas de Louro e de Zeto, que acontecem em janeiro e em julho, respectivamente, é possível encontrar mochileiros que incluíram São José na sua rota porque sintonizaram com essa cultura poética da região, irradiada através de O Silêncio (…).

“Falar d’O Silêncio é uma coisa que me emociona muito. Não foi um filme rodado da noite pro dia. Os meninos passaram vários anos vindo filmar, começaram com Didi, meu irmão, que apresentou tudo a eles. Criaram uma intimidade e uma identidade com os poetas daqui.”, conta Nõe de Job.

O longa, que deu origem ao clipe, passou por importantes festivais, inclusive o 40o Festival Internacional de Cinema de São Paulo, sendo o único filme brasileiro a ir para a finalíssima dos dez escolhidos em todo o planeta no ano de 2016. Foi exibido comercialmente em doze cidades brasileiras, licenciado para o canal Film and Arts e TV’s públicas no Brasil. Além de outros longas-metragens como O Gigantesco Imã (2016), Sapato 36 (2022), curtas como Calma Monga Calma!(2011) e O Som da Luz do Trovão(2005), Petrônio Lorena dirigiu os videoclipes: Quando a maréencher(1998), da Banda Eddie; Lamento(2008), de Bárbara e os Perversos e O homem dogás(2009), da Tanga de Sereia.

Enquanto render a vida não se acaba a esperança

“Minha saudade irradia
Mundo Novo e Curralinhos
Amparo e Ouro Velho
Monteiro, Prata e Bonfim
Que é a saudade dos outros
Caindo em cima de mim

Adeus Serra do Teixeira
E o Vale da Borborema
Adeus trinado dos pássaros
E o canto da siriema
Adeus, adeus, para sempre
Eu vou resolver meus problemas

Me apaixonei desde quando
Meus olhos te avistaram
Viveram junto dos meus
E agora longe ficaram

Num oceano de lágrimas
Meu olhos se afogaram

Aí ele me perguntava
Quando o meu peito descansa
Eu disse lhe consolando
Tem paciência, criança
Enquanto render a vida
Não se acaba a esperança.”

Músicos da gravação da música:
Petrônio Lorena – versão, voz e violões
D Mingus – guitarra slide, baixo e programação de bateria
Rama Om – gaita e moringa
Ugo Barra Limpa – unhas de cabra, porcos, pica-pau, apito de passarinhos, apito de pato, apito
pataxó e molho de guizos.

Ficha técnica do videoclipe
Roteiro e direção – Petrônio Lorena
Fotografia – Roberto Iuri
Produção – Nosotros y Los Demás
Montagem – Çarungauá
Elenco: Severina Branca , Nõe de Job, Rildo de Deus, Petrônio, D Mingus, Guga Rocha,
Epaminondas, Marditu.

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Lançamentos: Silva, Forró Mourisco, Hilreli, Renata Swoboda e Ina Arruda

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