Em coletiva realizada na última quinta-feira (08/12), membros do GT de Ciência, Tecnologia e Inovação apresentaram as medidas a serem realizadas a curto e médio prazo para a retomada científica no País a partir de 2023
Por Rafael Revadam – Jornal da Ciência
Na última quinta-feira (08/12), a equipe de Ciência, Tecnologia & Inovação do Gabinete de Transição do Governo Lula realizou uma coletiva de imprensa para apresentar as suas principais propostas a serem implementadas nos 100 primeiros dias da nova gestão.
Para os especialistas presentes, o Sistema Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação passa pela maior crise dos últimos 24 anos. “Essa crise tem vários indicadores claros. Por exemplo, a redução drástica dos recursos discricionários do Ministério da Ciência e Tecnologia, que caíram de R$ 11,5 bilhões em 2010, último ano do Governo Lula, para R$ 2,7 bilhões em 2021”, explicou o ex-ministro Sérgio Rezende, que compõe a equipe de trabalho e comandou a pasta ministerial de CT&I entre os anos de 2005 e 2010.
Rezende apontou outros números da gestão atual, como as reduções de 60% dos orçamentos da Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) e do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) e de 70% dos recursos da Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária), no comparativo com as verbas destinadas em 2013.
“Isso é resultado de uma política de governo que não acredita na ciência, uma política negacionista. Ainda, tivemos uma falta de articulação entre o Ministério da Ciência e Tecnologia e a comunidade científica, nós temos vários conselhos que ficaram praticamente inoperantes nesses últimos tempos. É uma situação muito difícil, trágica mesmo”, ponderou Rezende.
Medidas a curto e médio prazo
Para reverter o cenário de cortes e voltar impulsionar a Ciência no País, Rezende listou as medidas mais urgentes que devem ser realizadas antes do início do Governo Lula ou até os primeiros 100 dias da nova gestão federal.
A principal ação é a anulação da medida provisória (MP) nº 1.136/2022, que está bloqueando os recursos do FNDCT (Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) e impondo bloqueios gradativos até o ano de 2026.
“No final de 2020, a comunidade científica fez uma articulação com o Congresso Nacional e conseguiu aprovar a lei complementar nº 177, que proíbe o contingenciamento dos recursos do FNDCT, ou seja, o recurso arrecadado para Ciência e Tecnologia tem que ser aplicado nessas áreas. O Governo Federal vem driblando esta lei e o último drible é exatamente essa medida provisória. Ela é absolutamente inaceitável, até porque contraria uma lei de dois anos atrás”, alertou.
A revogação da MP 1136, também conhecida por “MP Anticiência”, foi uma das 10 propostas urgentes para o setor nos primeiros 100 dias do novo governo que a SBPC entregou ao GT de Ciência em reunião realizada na última segunda-feira, 5 de dezembro.
A segunda medida é uma articulação imediata com o Congresso Nacional para a elevação dos orçamentos do CNPq e da Capes já em 2023, o que possibilitará não só a correção dos valores das bolsas de pesquisa, que estão estagnados há nove anos, mas uma ampliação do número de bolsas oferecidas pelas agências de fomento nacionais.
Outro ponto apontado por Sérgio Rezende foi a reabertura do Centro Nacional de Tecnologia Eletrônica Avançada, mais conhecido como Ceitec S.A, uma estatal vinculada ao Ministério da Ciência e Tecnologia. A Ceitec foi a única fabricante de semicondutores do País, como os chips usados em cartões de crédito e nas linhas de celulares. A empresa foi extinta em junho de 2021 pelo Governo Bolsonaro.
“Felizmente, o Ministério da Ciência segurou a fábrica da Ceitec porque se desligar os equipamentos da fábrica, ela nunca mais vai voltar a funcionar. O TCU [Tribunal de Contas da União] bloqueou o processo de desestatização da Ceitec, só que ele está para julgar esse caso. Então, nós estamos conversando com o TCU para que ele interrompa esse processo.”
Por fim, a última frente destacada por Rezende foi o chamado ‘revogaço’, a revogação em larga escala de leis, medidas provisórias, portarias, decretos e demais itens legislativos que estão afetando diretamente o desenvolvimento científico do País. Como exemplo, o especialista apontou os atos de publicização do Ministério da Economia relativos ao Centro de Biotecnologia da Amazônia, que afetaram diretamente as atividades da entidade. A equipe de transição também deseja que o centro passe a fazer parte do Ministério da Ciência e Tecnologia.
Desafio é conter os bloqueios, diz GT de Ciência
Seguindo as falas de Rezende, o também ex-ministro de Ciência e Tecnologia, Celso Pansera, fez uma linha do tempo sobre as políticas de desmonte científico realizadas nos últimos quatro anos, como as sucessivas medidas provisórias idealizadas para bloquear ou transferir os recursos do FNDCT, e ressaltou a urgência em derrubar a MP vigente, a 1.136/22:
“Esse contingenciamento tem um cronograma que vai de 2022 e só libera a totalidade dos recursos do FNDCT em 2026. Nós estamos pedindo que ela seja votada ainda neste ano, para que seja derrubada e que, assim, acabem com os seus efeitos. Ou que a deixem caducar, ela perde a sua validade no dia 05 de fevereiro. Porque a MP, de fato, é muito ruim para o setor”, pontuou.
Representante da Iniciativa para Ciência e Tecnologia no Parlamento Brasileiro (ICTP.Br), Pansera criticou outros bloqueios realizados na gestão Bolsonaro, como a notícia divulgada pela Capes no dia 7 de dezembro alegando que não conseguiria pagar 200 mil bolsas de pesquisa por falta de orçamento. “Atacar a ciência foi um projeto de governo”, criticou.
Enquanto ocorria a coletiva de imprensa, o atual ministro da Educação, Victor Godoy, emitiu uma nota nas redes sociais sobre a liberação de R$ 460 milhões para pagamentos das bolsas suspensas de pós-graduação, uma informação que foi repercutida no evento:
“O MEC [Ministério da Educação] anunciou que já teve autorização de liberação de mais 460 milhões de reais, isso permitirá regularizar os pagamentos das bolsas na próxima terça-feira, dia 13”, detalhou o também ex-ministro da Ciência e Tecnologia, Aloizio Mercadante, complementando: “No entanto, faltam ainda 1 bilhão e 840 milhões de reais, para que todas as pendências importantes do MEC possam ser equacionadas até o final do ano.”
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