Ciência e saúde

Física quântica e charlatanismo: “A gente dá risada, mas é de pânico”, diz físico e professor

Física quântica e charlatanismo: “As pessoas realmente estão acreditando nessas besteiras que não têm fundamento nenhum do ponto de vista da ciência”, diz físico Marcelo Schappo

Por AD Luna
@adluna1

“Todas essas coisas ‘quânticas” que não são do contexto da física, a gente tem que ficar de olho aberto. O famoso ‘altere o seu DNA com a Física Quântica’, enfim”. A advertência é de Marcelo Schappo. O professor e doutor em física pela Universidade Federal de Santa Catarina participou do programa InterD – música e conhecimento.

Schappo também falou detalhes sobre o livro “Armadilhas Camufladas de Ciência: mitos e pseudociências em nossas vidas”, do qual é organizador.

A obra reúne especialistas de diferentes áreas que abordam diversas questões presentes no cotidiano, como por exemplo: Dietas detox eliminam toxinas? Homeopatia é eficaz? Astrologia é Ciência? Somos visitados por alienígenas? Nossa espécie foi divinamente projetada? Existe conflito entre Ciência e Religião?

Leia trechos da entrevista de Schappo e a íntegra da conversa no player localizado no fim do texto.

Sei que não é fácil. Mas o que é a física quântica?

Responder o que é Física Quântica rapidamente não é simples. Não é uma tarefa simples. A gente passa anos dentro do curso de graduação em Física pra tá preparado pra poder entender bem o que é essa tal da Física Quântica. Mas vamos lá, gente.

A Física Quântica, se eu tivesse que colocar assim, de uma maneira bem rápida, bem simples, ela é a Física do muito pequeno. “Muito pequeno” quanto? Um grãozinho de poeira? Não, ainda menor. Tá, mas menor quanto? Uma célula biológica? Não, menor ainda.

A gente tá falando do mundo dos átomos, pessoal. Do mundo das moléculas. A Física Quântica consegue descrever como que os átomos trocam energia, como que os átomos se comportam, como que as moléculas se comportam, como que uma ligação química acontece e assim por diante. Então ela é a Física do mundo do muito pequeno.

Para dar uma ideia de quão pequeno é isso, vocês podem pegar, por exemplo, um barbante nas mãos, que tenha mais ou menos um metro de comprimento. Corta esse barbante na metade, joga uma metade fora, fica com a outra metade na mão. Então agora vai ter 50 centímetros. Corta esse barbante novamente pela metade, joga a metade fora e fica com a outra metade. Agora vai ter 25 centímetros. E aí você corta a metade, joga a metade fora e fica com a outra metade. E assim por diante. Se você fizer esse processo 32 vezes, você vai chegar no tamanho dos átomos e das moléculas.

E aí você vai dizer “poxa vida, mas é muito fácil! É cortar um barbante em 32 pedaços!”. Não é, gente. Atenção! É cortar um barbante de um metro pela metade 32 vezes. Não é nada fácil. Em casa eu já tentei e eu consigo fazer umas 8 vezes, 9 vezes no máximo. 32 seria pra gente chegar no tamanho dos átomos, então é realmente muito pequeno e é ali que tá o limite de validade, é ali a grande revolução da Física Quântica.

Então, só pra dar um exemplo de como a Física Quântica modifica nossa maneira de entender o mundo, de compreender a natureza, a gente pode pensar na própria estrutura da matéria, nas próprias partículas elementares. Antigamente – e eu digo ‘antigamente’ pré-Física Quântica, quando eu estou falando da Física Newtoniana, a Física clássica -, a gente sempre entendeu as partículas elementares, os átomos, os elétrons, os prótons, enfim, como sendo pequenas bolinhas que tem uma massa bem determinada, um tamanho bem determinado e etc.

Hoje, com a Física Quântica, a gente sabe que essas estruturas também se comportam como ondas, então elas também têm um caráter ondulatório associado a elas, o que é totalmente contraintuitivo. São partículas. Ora, mas também são ondas! Então, como que a gente sai disso?

No fundo, a gente trabalha com a dualidade dentro da Física Quântica. Essas estruturas podem se comportar como partículas e também podem se comportar como ondas. Então isso é para mostrar o quão fascinante é esse mundo da Física Quântica, mas também bastante complicado. A gente demanda de muita matemática e muita formação teórica para poder entender plenamente essa tal dessa Física Quântica.

“DNA quântico”, “coaching quântico”, “quântica da prosperidade” etc. Qual sua visão sobre essa profusão de práticas e crenças que carregam o termo “quântico” nos nomes?

Olha, todas essas coisas “quânticas” que não são do contexto da Física, a gente tem que ficar de olho aberto. O famoso “altere o seu DNA com a Física Quântica”, enfim… “atinja o sucesso profissional com a Física Quântica”, “atinja a felicidade com a Física Quântica”, “atinja a saúde com a Física Quântica”, “compre a pulseirinha com o holograma quântico e tenha força, elasticidade”. Gente, tudo que for quântico e não estiver no contexto da Física, abra o olho, tá?!

Existem algumas exceções que complica para o público, concordo, quando a gente fala, por exemplo, de computador quântico, o processador quântico. “Ah, mas não é Física!”. Bom, é. Tem Física por trás disso para poder explicar como é que funciona o computador quântico.

Então, assim, fica algumas coisas confusas, mas, hoje em dia, na dúvida, tem um monte de canais de divulgação científica com vários físicos bacanas trabalhando com divulgação. Existe a própria Sociedade Brasileira de Física, que mantém a página “Verifísica”, para a qual você pode mandar perguntas e eles prontamente vão responder.

A própria revista Questão de Ciência – onde escrevo bastante – recebe dicas do público, dos leitores, para poder debater aqueles temas, mostrar se aquilo tem fundamento ou não. Então, gente, tem dúvida? Recorra!

Esse é o primeiro ponto que tenho para falar. Tem dúvida se aquilo ali é ciência ou não, se é científico ou não, recorra. Hoje há várias possibilidades, vários canais para tentar assessorar o público em relação ao que tem validade científica e o que não tem.

Charlatanismo quântico

Todas essas práticas de falcatruas quânticas, que eu gosto de dizer que no fundo é o “charlatanismo quântico”, são motivos de piada, na realidade, dentro dos cursos de graduação e pós-graduação em Física.

A gente dá risada disso, mas é uma risada, assim, de pânico. É uma risada de pavor porque as pessoas realmente estão acreditando nessas besteiras que não têm fundamento nenhum do ponto de vista da ciência.

Muitos “críticos” vão dizer que os físicos são cabeça fechada, os cientistas são cabeça fechada. E eu gosto de falar que a gente não é cabeça fechada.

Os cientistas acreditam que o tempo, por exemplo, passa de forma diferente a depender do estado do medidor, da pessoa, do observador que tá medindo aquele intervalo de tempo. Isso é a teoria da relatividade, a gente acredita nisso.

Mas a gente acredita nisso porque tem evidências por trás. Acreditamos em coisas absolutamente extraordinárias, mas temos evidências extraordinárias de que aquilo realmente funciona dessa forma.

O que os charlatães quânticos estão fazendo não é trazer evidências que corroboram o que estão falando. Eles estão simplesmente jogando com as palavras. Jogando com as palavras da Física Quântica para tentar dar um ar de comprovação para tudo que é besteira que eles vão tentar vender por aí.

Gosto muito da ideia da analogia que eles têm feito. Por exemplo, assim, se eu digo para vocês “eu estou tão apaixonado que eu acho que estou nas nuvens”. É lógico, você sabe e eu sei, que eu não estou flutuando por aí, passeando pelas nuvens porque eu estou apaixonado.

É uma analogia. Do ponto de vista da Mecânica Quântica, as analogias são igualmente utilizadas, tá certo? Então eles partem, por exemplo, da dualidade, que eu havia falado antes, ou seja, as partículas podem ter comportamento de bolinhas, de partículas, mas também podem ter comportamento de ondas, comportamentos vibratórios.

Então eles partem daí e dizem que um indivíduo saudável, do ponto de vista da tal da “saúde quântica” é aquele que vibra harmonicamente, que tem todas as frequências alinhadas e tal… isso é uma analogia e é uma analogia ruim, porque as pessoas podem acabar acreditando nisso.

Então a gente tem que deixar claro: se é uma analogia, ok, então pare por aí. Mas não. Eles querem de aí vender o produto que vai alinhar as frequências, querem te vender um tratamento que vai alinhar as frequências… opa! Aí já não é mais analogia. Aí já entra numa região perigosa.

O que estão fazendo é pegar todo esse palavreado da Mecânica Quântica, científico, e usar fora de contexto, onde ele não vale, onde ele não pode ser aplicado. Estão distorcendo o conhecimento. E, quando fazem isso, estão se valendo de pseudociências.

As pseudociências mimetizam, elas parecem ciência, mas não são. Não passam de embustes, de enganações. E os perigos disso são enormes. O primeiro é a questão do dano financeiro.

Eu vou comprar um produto,  um tratamento, vou me submeter a alguma coisa e o meu dinheiro tá envolvido nisso, e esse produto ou esse serviço não vai me entregar de maneira comprovada, por metodologias adequadas da ciência, aquilo que ele oferece. Então é um dano financeiro e ninguém gosta de ser lesado. Esse é o primeiro ponto.

E o segundo é a própria questão dos danos emocionais, danos à saúde porque eu posso recorrer a um coach quântico ao invés de um tratamento psicológico baseado em evidências. Então vou estar botando a minha saúde em risco, as minhas emoções em risco, e eu posso sair pior do que eu entrei.

A gente se expõe a riscos que precisamos evitar. E é por isso que nós, físicos, nós, cientistas, precisamos combater com muito afinco essas tais dessas pseudociências.

E aí o nosso livro “Armadilhas camufladas de ciência” trabalha bastante com isso. Quem quiser saber mais, um dos capítulos desse livro trata exclusivamente sobre os usos indevidos da Física Quântica. Não só a dualidade que falei aqui, mas vários outros processos, então isso é o legal.

O que o motivou a organizar o livro “Armadilhas camufladas de Ciência: mitos e pseudociências em nossas vidas” e quais áreas ele abrange?

Ele veio sendo construído ao longo do tempo, principalmente pelas atividades do projeto de extensão que eu coordeno. O pessoal embarca em pseudociências em diversas áreas aí da nossa vida e, portanto, faz parte do nosso papel como cientista combater isso, mostrar o que é ciência e mostrar o que não é.

E uma outra questão pra mim que está por trás é que, se vocês forem numa livraria hoje e buscarem por livros de divulgação científica, a grande maioria deles é de livros traduzidos. Não tenho absolutamente nada contra, só pra deixar claro, acho que faz parte.

Não vejo problema, mas acho que podemos tentar complementar isso. É importante que tenhamos autores brasileiros, cientistas brasileiros interessados em divulgação. E isso tem sido cada vez maior, o que é ótimo… cada vez mais cientistas fazendo isso. E, portanto, a gente precisa incentivar os nossos cientistas a também produzirem materiais originalmente em português.

Muitos desses livros de divulgação são também elaborados na perspectiva de um autor único, um especialista de uma área específica vai lá e trabalha pseudociências na área dele. E a grande contribuição, ao meu ver, do nosso livro é que ele é de múltiplos especialistas, então acho que isso também é uma coisa que eu, por exemplo, não conheço. Não tenho conhecimento de outro livro, em nível de divulgação científica, que seja nessa lógica de vários cientistas especialistas em diferentes áreas que vão esclarecer o leitor sobre mitos e pseudociências na sua respectiva área.

A gente trabalha vários temas. As diferenças entre os aspectos da ciência e da pseudociência, como a gente identifica uma pseudociência, como a gente evita uma pseudociência. Mitos em alimentos, como as dietas detox, queijos amarelos, dietas alcalinas e assim por diante. Neuromitos… “a gente pode aprender dormindo”, “será que música clássica deixa a gente mais inteligente?” e assim por diante. Radiação… “microondas causa câncer”.

Enfim, gente, várias falcatruas relacionadas à Física Quântica. A homeopatia… como que eu testo se um medicamento funciona, se um tratamento funciona? Quais testes e evidências a gente tem pra mostrar que a homeopatia não é eficaz, que ela é placebo? Isso é discutido no livro.

Gente, o livro tá à disposição, tanto a versão física quanto a versão digital. A versão digital a gente conseguiu com a editora um preço bem acessível. E hoje, pra quem não tem Kindle pra poder ler a versão digital, baixa um aplicativo que lê no celular, no computador, enfim. O livro tá acessível. Aproveitem. Qualquer coisa a gente tá aqui, também, pra receber informações, detalhes, e participar sempre no que precisar, divulgando a informação, divulgando a ciência com qualidade.

Ouça a entrevista com o professor Marcelo Schappo na íntegra

Ouça “Física quântica e charlatanismo, com o professor Marcelo Schappo #18” no Spreaker.

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