Por AD Luna
@adluna1
Existem evidências históricas para a existência de Jesus? Quando Jesus se tornou Deus? Tais questões foram abordadas na edição #96 do InterD – música e conhecimento, que pode ser ouvido nas principais plataformas digitais. Para tratar do assunto, convidamos o historiador e professor André Leonardo Chevitarese, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Em seus canais no YouTube e no Instagram, ele tem divulgado estudos sobre o cristianismo, mitos e outros temas correlacionados à religiosidade.
No tempo do mestrado e doutorado, Chevitarese foi várias vezes à Grécia, pois trabalhava com pesquisas a respeito do campesinato antigo grego. Lá, ele ficou hospedado na Escola Francesa de Atenas, um dos mais renomados institutos de arqueologia do mundo, criada em 1846. “Eu ficava num mundo, numa biblioteca fantástica, uma coisa absurda. Era de arrebentar”, rememora empolgado.
Entre 1996 e 1997, quando estava finalizando doutorado, ele começou a ter contato com estudos no campo do judaísmo helenístico. “É aquele período onde a cultura grega tem um peso decisivo em toda essa bacia mediterrânica oriental. Principalmente a partir das expansões de Alexandre O Grande. O judaísmo não ficou de fora, ao contrário, a helenização varreu o universo urbano judaico”.
Essa influência teria impactado sensivelmente a escrita de muito autores judaicos que passaram a escrever muitas obras em grego. “Daí foi um pulo para se pensar também no universo desse cristianismo originário, que começa com Jesus, Paulo [de Tarso]. Eu lia muito desse material na biblioteca da Escola Francesa de Atenas”, relata.
André Chevitarese diz que naquela época, final dos anos 1990, via a si mesmo como uma espécie de “patinho feio”. Pois, de acordo com ele, sempre foi um mundo dominado por teólogos e cientistas da religião. Aos poucos, diálogos iam sendo estabelecidos.
“O papo foi interessante, mas sempre com diferenças de abordagem, de perspectivas teóricas, metodológicas. Algo natural, porque eram duas disciplinas que se encontravam. Pude crescer bastante no diálogo com os caras, mas sem abrir mão do que sou eu. Faço história”.
Durante esse tempo, Chevitarese foi ganhando projeção, produzindo muitos artigos científicos, livros e capítulos de livros, realizava diversas conferências – o que persiste até os dias atuais.
Dedicou-se a um pós-doc na Universidade de Campinas (Unicamp), onde estabeleceu um diálogo entre arqueologia e história. Mesmo quando se aposentou, em 2018, continuou trabalhando.
Atualmente, é professor do programa de pós-graduação em História Comparada do Instituto de História da UFRJ e do Programa de Pós-Graduação em Arqueologia do Museu Nacional da UFRJ, onde tem formado mestres e doutores.
Para responder à indagação, André Chevitarese recorre a uma comparação salientada pelo também professor José Murilo de Carvalho: a de que a figura heroica de Tiradentes foi moldada a partir da imagem de Jesus.
No campo documental, e ainda citando o personagem histórico brasileiro, ele lança relata que “se tu vai a Ouro Preto, os caras estão vendendo a cama, os lençóis de Tiradentes. E tão logo tu compra a cama de Tiradentes, já colocam outra lá. Então, é mais ou menos uma situação parecida para com Jesus”.
Assim, da mesma forma que não se demanda evidências materiais para Tiradentes, também não há evidências materiais para a existência de Jesus.
“Não temos a cama, a casa de Jesus. Mas temos um conjunto muito grande de textos judaicos que mostram o que o que está sendo dito sobre Jesus”, explica.
Entre essas evidências, está a forma como o corpus neotestamentário apresenta Jesus – o que combina, do ponto de vista sincrônico, com o relato de judeus não convertidos ao cristianismo. Estudos arqueológicos oferecem flashes, lampejos plausíveis das geografias pelas quais Jesus teria andando.
Há também critérios como como múltipla atestação de documentos. De acordo com Chevitarese, Paulo de Tarso nunca leu Marcos, o qual tomou contato com os escritos do primeiro. O evangelista João não leu Marcos e João, por sua vez, também nunca leu Paulo.
“No entanto, três autores que nunca se viram e que nunca se leram são capazes de atribuir, a um quarto indivíduo (Jesus), frases, ideias, que são muito comuns, muito parecidas, convergentes”, aponta o pesquisador.
Portanto, a probabilidade da figura histórica de Jesus ter existido é muito grande.
Chevitarese enfatiza que “demorou muito, muito tempo para Jesus virar Deus. Ele era um judeu de nascimento, de vida de morte, nunca foi cristão”, diz. Os estudos históricos têm procurado compreender que tipo de judeu era Jesus, o que ele pensava quando resolveu instaurar seu ministério.
Entretanto, Chevitarese pontua que à época já existia um reino, o de César. Ao pregar um outro reinado, Jesus estaria abertamente se colocando contra o poder dominante.
“Imagina, olha o tamanho do Império Romano e o de Jesus. Era um negócio que vai, hoje, das ilhas britânicas; da Alemanha à Somália, Etiópia. É um elefante contra um grão de areia. Não é nem uma formiga, porque ela já seria grande para Jesus”, compara.
O pesquisador afirma que trabalhos como o livro “Bandidos”, de Eric Hobsbawm, são “absolutamente necessários” para se entender uma figura como Jesus. “Um bandido social, fora da lei, que por vias pacíficas estava questionando esse elefante”.
Contrariando o que se tem transmitido pela tradição e obras culturais como filmes e livres, Chevitarese afirma que Jesus foi imediatamente crucificado depois de ser preso. “Não se perde tempo julgando pessoas assim. É imaginar que Lampião, Antônio Conselheiro, fossem levados à barra dos tribunais para serem julgados. Esses caras são imediatamente mortos e expostos. Isso é a vida de um bandido, de um bandido social”.
Em seus vídeos publicados no YouTube, ele expõe que relatos que falam da via-crúcis, sepultamento e ressurreição foram muito provavelmente incluídos para alimentar o “Jesus da fé”, da teologia.
“Jesus era de origem campesina. Religião, política, cultura, sociedade são fronteiras muito fluídas para pessoas como Jesus, Antônio Conselheiro, Robin Hood”, expõe Chevitarese.
Ainda que no Evangelho de João, na sua versão final, da primeira metade do século 2, Jesus seja ali descrito como Deus, o historiador afirma que essa interpretação não possuía a adesão de boa parte dos cristãos. A transformação dele em divindade teria sido consumada entre Constantino e Teodósio, em fins do quarto século.
Constantino Magno foi o primeiro imperador romano a professar o cristianismo. Já Teodósio instituiu, no ano 380, o cristianismo na sua versão ortodoxa como a única religião imperial legitima e tornou proibida adorações públicas aos antigos deuses.
“É um longo processo histórico que ganhou aderência de um campo do cristianismo que denomino de ‘autoproclamada ortodoxia cristã’”, expõe.
Aparentemente, muitos cristãos não gostam de ter suas crenças tratadas como mito – algo hoje em dia confundido, inclusive por descrentes e ateus como “mentira”. Não obstante tal rejeição, podemos falar em mitologia cristã?
“Não existem experiências religiosas, antigas ou contemporâneos, que não sejam fundadas por mitos. O que é mística em qualquer campo religioso? É mito, magia e religião. Então é claro que se pode falar de uma mitologia cristã. Os cristãos acreditam na narrativa da criação, tal como posta em Gênesis 1; e numa outra narrativa da criação em Gênesis 2. Isso é mito. Não tem nada de história nisso”, alega André Chevitarese.
O historiador observa que religiosos fundamentalistas tratam a criação do mundo por Deus como se fosse uma realidade objetiva e para rivalizar com a teoria da origem das espécies de Charles Darwin. “Isso é a cabeça de gente muito ruim da cuca, gente complicada, que quer forçar, que quer meter o pé na porta da ciência, arrombar a ciência. Isso não é mais possível, acabou”, critica.
“Ali não se demonstra nada. Ou você tem fé e acredita ou você não tem fé e acabou. Isso é mito. Há mitologia judaica, cristã, islâmica. Um mensageiro veio do céu e se revelou ao profeta Muhammad (Maomé)… Isso é história, ciência?”, reforça.
Chevitarese também cita os mórmons ao tratar de mitologia. “Joseph Smith [primeiro presidente da Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias], no século 19, é visitado por anjos que vêm trazer para ele um livro, tábuas de ouro. Isso é o quê, história? Isso é mito”.
Ainda assim, ele chama a atenção para a visão de que o mito não é um relato mentiroso. “É uma outra forma de contar uma história. Muito mais gente experimenta o estado alterado de consciência do que o oposto. Inúmeras, infinitas experiências religiosas estão completamente mergulhadas, inseridas, nesses campos de experiências religiosas estáticas, do indivíduo sair de si, encontrar com a divindade. Isso é bem estudado pela antropologia, pela psicologia, em inúmeros trabalhos de campo, em diferentes comunidades religiosas dispersas pelo globo”, informa.
“Então, deixa os cristãos espernearem, deixa eles fazerem biquinhos, ficarem de mal. Mas toda e qualquer experiência religiosa, toda, tem na sua parte que é mítica. Ponto. Os que querem ficar chateados que fiquem. O que se vai fazer? É um problema de cada um”, salienta André Chevitarese.
A coleção “Quem dizem que sou?” é um espaço interdisciplinar que acolhe as mais variadas abordagens e interpretações da figura marcante de Jesus de Nazaré: a exegese, a teologia, a literatura, a história, a espiritualidade e tantas outras.
Este livro mescla abordagens de variados pontos de vista teóricos, todos contribuindo para formar uma imagem complexa do Jesus histórico; agenciam se as fontes de maior tradição, como os textos canônicos, e são incorporados documentos não menos importantes, mas que refletem, justamente, a imensa diversidade existente na época de Jesus.
Assim, textos gnósticos, histórias das correntes judaicas, tradição textual, cultural material e iconografia, disso tudo se trata, numa riqueza e variedade fertilizadora; a obra congrega, de forma muito bem articulada, a ciência internacional e a brasileira.
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