Por Fábio Vasconcellos, Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ)
Um passeio pelo noticiário brasileiro na primeira semana após o primeiro turno das eleições municipais sugere algumas conclusões apressadas ou com algum grau de imprecisão. A primeira e talvez a mais comentada tenha sido sobre o “avanço” do campo da direita em todo país. Essa primeira leitura esteve quase sempre associada a uma especulação sobre os efeitos dos mapas eleitorais de 2024 na disputa presidencial de 2026. Gostaria de contribuir com esse debate apresentando alguns dados e ponderações.
Sobre o primeiro ponto, o tom e a ênfase dada sugerem que o campo da direita “finalmente” se tornou majoritário no Brasil. A “novidade”, nesse caso, portanto, apontaria para os desafios que essa “nova” reconfiguração das forças políticas imporia aos gestores políticos e a sociedade como um todo. Mas podemos afirmar que não há novidade no domínio de partidos do campo da direita à frente das prefeituras. Paradoxalmente, houve sim aumento da direita, mas ela é muito menor do que a impressão que ficamos ao acompanhar o noticiário.
Nas análises de conjuntura que fazemos no Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia (INCT), Representação e Legitimidade Democrática (Redem), grupo de pesquisa liderado pela Universidade Federal do Paraná (UFPR), os mapas eleitorais, conforme podemos ver, mostram que os partidos de direita já controlavam a maioria das prefeituras desde 2016 (o mapa de 2024 considera apenas os resultados do 1º turno).
Se o campo da direita já era dominante, onde estaria a novidade de 2024? Ela estaria em um ganho de aproximadamente dois pontos percentuais. Em 2016, cerca de 79% das prefeituras eram de prefeitos de partidos de direita, centro-direita e extrema-direita. Quatro anos depois, essa proporção subiu para 84% e, este ano, por enquanto, chegou a 86%. Há, é claro, um efeito estatístico importante a ser observado. Se já era fortemente dominante, o campo da direita teria, por óbvio, muito pouco para avançar. Vale lembrar que esse percentual deve subir um pouco mais, já que o campo da direita ainda participa do segundo turno em várias cidades e com chances de reais de vitória.
Uma novidade, contudo, que vale apenas destacar é a coloração azul mais acentuada no mapa de 2024, que representa prefeituras conquistadas pela extrema-direita, sobretudo o PL. Em 2020, elas praticamente não existiam, mas, este ano, é possível notar alguns municípios que serão administrados por esse subgrupo ideológico. O campo da esquerda, por sua vez, amplia os espaços sobretudo no Nordeste, em municípios territorialmente menores.
Como os mapas escondem a dimensão dos municípios, isto é, o tamanho do eleitorado, segundo as prefeituras administradas pela esquerda ou direita, vamos para uma segunda ponderação, agora considerando o peso das cidades. Como esperado, a conclusão também caminha na mesma direção. O campo da direita já era majoritário e expandiu ainda mais seus domínios sob um contingente considerável de eleitores. Por economia de espaço, apresento aqui apenas os gráficos de 2020 e 2024.
Pelo gráfico de 2020, o campo da direita administrava cidades com os maiores contingentes de eleitores. Nada menos de 85% do eleitorado tinha como gestão municipal um prefeito do campo da direita. O campo da esquerda administrava cidades que representavam pouco mais de 14% do eleitorado. Repare que a esquerda estava presente em quase todas as faixas de eleitorado/cidade.
O que aconteceu em 2024? Em 2024, a direita amplia o número de cidades pequenas, aparentemente em um movimento de maior interiorização. Apesar disso, domina na faixa entre 500 mil e 1 milhão de eleitores e também acima de 2 milhões (ainda sem 2º turno). A esquerda ficou achatada nas pequenas e médias cidades. Agora, o contingente sobre o domínio do campo da direita chegou a 88%.
Essa pergunta é fundamental, sem dúvida, mas sua capacidade de resposta tem limitações. A primeira delas é que os mapas apresentam apenas as classificações ideológicas dos partidos dos prefeitos eleitos. Não é possível, a partir deles, inferir que os eleitores votaram por razões ideológicas.
No Brasil, vale ressaltar, a identificação partidária é baixa. Embora estejamos uma quadra mais ideológica da história política brasileira e que, de fato alguns eleitores podem ter decidido segundo a variável ideológicas em alguns municípios, sua capacidade de explicação no agregado, acredito, ainda é baixa.
Um teste rápido. Se em 2020 as prefeituras e o contingente eleitoral já eram majoritariamente administrados por partidos do campo da direita, por que o Brasil elegeu um presidente de esquerda em 2022?
Essa questão, portanto, nos leva a ter um pouco mais de parcimônia nas inferências sobre 2026. Além da baixa identificação partidária no Brasil, o que não significa dizer que os eleitores não tenham ideologia, razões locais pesam muito no processo de escolha da população daí, portanto, as limitações sobre 2026.
Um ponto que gostaria de chamar atenção. Boa parte das prefeituras conquistas pelo campo da direita foram vencidas por partidos de centro-direita, que apresentam uma maior flexibilidade política. Alguns analistas preferem chamar de partidos fisiológicos, cuja ações se orientam pelos ganhos tangíveis e imediatos, seja em uma associação com a direita ou a esquerda.
Em outras palavras, esse conjunto de partidos ao centro poderá tanto apoiar um candidato à Presidência do campo da direita, quanto do campo da esquerda. Vai depender muito da conjuntura de 2026, em especial, os nomes que vão figurar nas disputas e das expectativas de poder que cada um conseguir transmitir. Cabe ainda um terceiro ponto, este sim, de alta relevância sobre 2026 e que se associa com a ponderação anterior. O mapa de 2024 demonstra claramente a força política das máquinas locais e seus respectivos “donos”. Por essa perspectiva, o que os mapas de 2024 indicam é com quem os candidatos de 2026 terão que negociar, caso queiram o apoio local de máquinas eleitorais com capilaridade e força política capaz de fazer diferença nas urnas.
Observação: A classificação ideológica dos partidos que utilizei nesta análise baseia-se na versão atualizada da base de dados do estudo “Uma nova classificação ideológica dos partidos brasileiros”, de Bruno Bolognesi, Ednaldo Ribeiro e Adriano Codato, publicado em 2023 pela Revista Dados.
Fábio Vasconcellos, Professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ)
Republicação de artigo do site The Conversation sob licença Creative Commons. Link do original: original article.
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