Ninguém duvida mais que a divulgação científica seja importante. Se há algumas décadas era preciso justificar amplamente a necessidade de se falar sobre ciência com a sociedade, hoje, depois de uma pandemia que durou anos e da ascensão de um movimento negacionista gravíssimo – que chegou inclusive a autoridades governamentais-, há um consenso: precisamos divulgar ciência no Brasil. Na prática, no entanto, pouca coisa mudou recentemente. E a Agência Bori tem insistido, por onde passa, que a divulgação científica precisa ser institucional.
A Bori atua há quase cinco anos para aproximar a ciência da sociedade por meio da imprensa, que é uma forma bastante eficaz de fazer circular o conhecimento científico. Na nossa principal frente, a gente encontra, seleciona, explica e divulga para jornalistas artigos científicos de pesquisadores brasileiros a cada dois dias com a finalidade de divulgar estudos, pesquisas e descobertas – cada um deles resultando, em média, em 25 reportagens na imprensa de todo o país.
Quando falamos sobre a ciência brasileira que divulgamos na Bori, estamos olhando sobretudo para as universidades públicas. É dessas instituições que saem mais de 90% dos artigos científicos brasileiros. Nessas instituições, a gente se depara com um cenário que ainda não incorpora a divulgação nas suas atividades principais. É aquilo: se sobrar tempo (e recursos) na atividade científica, aí sim se faz divulgação.
A maioria das universidades públicas têm equipes de comunicação super reduzidas. Quem mostrou isso foi a jornalista Cibele Aguiar, em tese de doutorado defendida em 2023 na Unicamp. Ela viu que mais da metade das 51 universidades federais que estudou – do total de 69 no país – tem menos de cinco jornalistas na equipe de comunicação para atuar na universidade inteira. Três universidades não tinham nenhum jornalista quando o levantamento foi realizado.
Todas as universidades federais entrevistadas por Aguiar usavam redes sociais na comunicação, mas apenas uma em cada três delas (35,3%) analisava o resultado do que postava. Essas mesmas instituições também produziam press releases sobre suas pesquisas para mandar à imprensa, mas apenas duas em cada dez delas (19,6%) conseguiam monitorar o impacto dessas ações por menções na mídia (clipping). É disso que falamos: institucionalizar a divulgação científica é estruturar equipes de comunicação nas universidades com profissionais e com estrutura suficiente para o trabalho.
Isso inclui, ainda, treinar pesquisadores para falar sobre ciência com quem não é cientista – o que não acontece no Brasil. Uma pesquisa feita em 2019 pela Natália Flores, coautora deste artigo, e Germana Barata, do Labjor/Unicamp, com 167 pesquisadores envolvidos com divulgação científica nas três universidades estaduais paulistas – USP, Unesp e Unicamp -, mostrou que a grande maioria deles (82,5%) não havia recebido treinamento para comunicar ciência.
Em outra pesquisa, com mais de 300 jornalistas e cientistas de todo o país, que fizemos em 2021 no âmbito da Bori, quase metade dos profissionais de imprensa entrevistados diziam que o maior problema para comunicar ciência estava na relação com os cientistas.
De acordo com jornalistas, era difícil entender o que os cientistas falavam (coisa que não acontece com políticos ou empresários, sempre muito bem treinados). Do lado dos cientistas, quase a metade dizia que gostaria de fazer um media training para se relacionar melhor com a imprensa.
Não é coincidência, portanto, que universidades de excelência de todo o mundo e grandes projetos internacionais de pesquisa treinam de modo recorrente seus pesquisadores para que falem com a sociedade de maneira ampla – caso de jornalistas e de tomadores de decisão. Isso precisa acontecer no Brasil.
Indo além, universidades e agências de fomento têm de valorizar a relação dos cientistas com a sociedade também de maneira institucional. Isso significa, por exemplo, considerar a presença do cientista na imprensa como um indicador a ser avaliado em pedidos de recursos para pesquisa, nos concursos públicos e na progressão de carreira.
Trocando em miúdos: pouco vale treinar pesquisadores se a divulgação científica não fizer parte do seu trabalho. Isso é sério: na nossa experiência na Bori, já ouvimos cientistas declinarem pedidos de divulgação de um estudo, por exemplo, porque isso “não vale nada na carreira”. Nessa perspectiva, dar entrevistas a jornalistas – algo complexo e que demanda tempo – não faria diferença para o currículo de um pesquisador. Isso que deve ser valorizado, inclusive, por impactar positivamente a própria ciência.
Valorização, claro, envolve aspectos financeiros. Hoje, no entanto, os apoios à divulgação científica são direcionados sobretudo por meio de projetos de pesquisa. Funciona assim: o pesquisador recebe uma verba pública para fazer pesquisa e uma parte dos recursos deve ser usada para divulgar os resultados do trabalho. Faltam, portanto, insumos voltados diretamente a projetos de divulgação científica que, muitas vezes, podem ser tocados por jornalistas ou divulgadores.
Esses projetos de divulgação científica têm de ter métricas próprias de avaliação, que sigam critérios da comunicação e não da ciência. Isso implica, por exemplo, medir, quali e quantitativamente, se os produtos de divulgação científica têm chegado aos devidos interlocutores. Criou um blog para divulgação de ciência sobre o cerrado? Legal. Alguém tem acessado o conteúdo? Se estiver acessando, está lendo? Se sim, está compreendendo o conteúdo? Para tudo isso há formas de se avaliar. É algo que precisa ser feito.
A Bori sugeriu tudo isso recentemente nas discussões no âmbito da 5ª Conferência Nacional de Ciência e Tecnologia (5CNCTI), que vai definir a próxima política científica do país.
O entendimento é de que divulgar ciência no Brasil precisa ser encarado definitivamente como um desafio intrínseco das universidades. Se isso não acontecer, em cenário crescente de ataques às instituições científicas e de desinformação e negacionismo desenfreados, a própria ciência estará em risco.
Sabine Righetti, Pesquisadora do Laboratório de Estudos Avançados (Labjor/UNICAMP) e cofundadora, Agência Bori ; Ana Paula Morales, Pesquisadora, biomédica, jornalista e cofundadora, Agência Bori e Natália Flores, Doutora em comunicação, pesquisadora e gerente de conteúdo, Agência Bori
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