Por AD Luna
@adluna1
Diz aquele ditado popular que futebol, política e religião não se discutem. A respeito do terceiro item, no Brasil, conversas e debates sobre ainda estão envoltos por desconfortos e, talvez, grandes medos existenciais. Com o canal no YouTube que leva seu nome, o psicólogo, pesquisador e professor Daniel Gontijo nada no sentido contrário. Lá, o mineiro promove reflexões sobre religiosidade, ceticismo, fenômenos sobrenaturais, paranormais, espiritualidade e ateísmo.
“As crenças religiosas impactam nosso comportamento. Elas têm consequências individuais e sociais, tanto benéficas como maléficas. É uma faca de dois gumes”, explica o psicólogo e divulgador científico, que participou de duas edições seguidas do programa InterD – música e conhecimento. Confira aqui e aqui .
“A gente não pode – como Daniel Dennett defende muito no seu livro “Quebrando o encanto” – tratar a religião como um tabu. Trata-se de uma das áreas mais importantes da vida de muita gente”, defende Gontijo, citando o filósofo estadunidense e uma de suas obras mais conhecidas.
Dentro do conjunto dos bons efeitos, Daniel diz que há estudos mostrando que pessoas religiosas apresentam menos sintomas depressivos. Em vídeo no qual trata do assunto, ele lista algumas dessas pesquisas.
Por outro lado, o divulgador científico informa que, de acordo com o trabalho de outros estudos, pessoas religiosas, quando comparadas com as não religiosas, tendem a ser mais homofóbicas e machistas.
Uma dessas pesquisas indicou que adeptos de religiões de matriz africana e espíritas (da linha kardecista) têm mais propensão a aceitar a homossexualidade do que aquelas que se classificam como cristãs. “Em alguns casos, são até um pouco mais racistas”, conta.
As crenças religiosas podem impactar sensivelmente áreas como as da saúde, política e direito. “Saiu um estudo na Inglaterra que verificou que pessoas mais religiosas tendem a acreditar mais em teorias da conspiração sobre o coronavírus”, conta Gontijo. Por consequência, campanhas de vacinação contra a covid-19 podem ser prejudicadas em razão desse negacionismo.
Ainda na área da saúde, especificamente da mental, indivíduos que por causa de esquizofrenia dizem ouvir vozes entre outros comportamentos, podem vir a ser negligenciados em determinados círculos religiosos. Eles, muitas vezes, demoram a buscar ajuda médica por interpretarem como sobrenaturais perturbações psicológicas ou psiquiátricas.
Você já suspeitou alguma na vida que tinha poderes fantásticos? O próprio Daniel Gontijo relata que, na adolescência, achava que possuía habilidades “premonitórias”. Ele acreditava que podia descobrir com quem iria encontrar-se num futuro quase imediato.
Ao pensar em algum amigo, este aparecia na sua frente, como se houvesse alguma espécie de sintonia semelhante a de certos mutantes pertencentes ao grupo dos X-men.
“Quando via alguém de longe, achava que era um conhecido meu. ‘Olha o Paulinho lá na frente’. Eu chegava perto e não era ele. Mas, dali a pouco, eu virava a esquina descia e, lá embaixo, trombava com quem? Com o Paulo”, recorda.
A crenças do futuro X-men frustrado começaram a ser abaladas pelo seu irmão do meio, Tiago – que orientou Daniel a reparar também em quantas vezes ele achava que tinha encontrado alguém só por ter pensado nele ou nela e acabava por se enganar. Ao ficar mais atento a isso, Gontijo se frustrou com o grande número de desacertos.
O escritor e doutor em psicologia Richard Wiseman tem estudado, há mais de 20 anos, fenômenos interpretados como paranormais para muita gente. Em seu livro “Paranormalidade – por que vemos o que não existe?”, ele aborda casos como esse, citado por Daniel. O pesquisador convida o leitor a refletir a respeito daquelas ocasiões em que pensamos em um amigo ou amiga e, quando o telefone toca do outro lado linha estava “um vendedor de janelas de vidro duplo”.
Wiseman vai além e cita mais um exemplo: “Da mesma forma, se temos um sonho que reflete os eventos do dia seguinte, rapidamente reivindicamos o dom da profecia, mas, ao fazê-lo, ignoramos todas as vezes em que nossos sonhos não se realizaram”, expõe, em outro trecho do livro.
Daniel Gontijo aponta que pesquisadores como Carl Sagan, no livro “O mundo assombrado pelos demônios”; o citado Wiseman e o brasileiro Ronaldo Pilati, autor de “Ciência e pseudociência: por que acreditamos naquilo em que queremos acreditar”, fazem muitas reflexões sobre crenças em fenômenos sobrenaturais ou paranormais.
“Eles dizem que nos enganamos muito fácil, que acreditamos naquilo que já confirma as nossas crenças prévias”, resume Daniel Gontijo. De acordo com ele, existem diversas evidências na psicologia que comprovam esse viés de confirmação.
Na religião, um exemplo é o de certas orações. Uma pessoa devota pode pedir muito a Deus para que chova onde ela mora. “Mais cedo ou mais tarde, vai chover. Mas choveria mesmo se ela não estivesse orando. Ou o contrário: está chovendo tanto, ao ponto de atrapalhar suas vendas. Você pede para que a chuva pare. Uma hora vai parar de chover, orando ou não orando”, explica.
Para Pilati, que também foi tema de matéria do InterD, nossa imperiosa necessidade em se apegar a conhecimentos estáveis faz com que sistemas de crença – a exemplo dos religiosos, mas não só eles – tenham grande apelo. “Essa busca por entendimento aumenta o impulso em acreditar naquilo que queremos acreditar, fazendo que a procura pela validação das crenças, mesmo que equivocadas, seja algo corriqueiro e invisível para nossa consciência”, descreve o professor da UNB no livro “Ciência e pseudociência”.
“Acho que a alfabetização científica, o contato com o pensamento crítico, ajudam-nos a identificar esses vieses. Eles nos previnem de cometer enganos ao longo da vida e que podem nos custar muito dinheiro, energia, tempo e, talvez, até saúde”, reforça Daniel Gontijo.
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