Veículos de imprensa deveriam ter cientistas comentaristas, defende físico e professor

 Veículos de imprensa deveriam ter cientistas comentaristas, defende físico e professor

Marcelo Schappo – Divulgação

 

No livro “Um papo de cientista para jornalista: contribuições para o debate sobre jornalismo científico”, o físico e professor Marcelo Girardi Schappo alerta sobre o “outro ladismo”

Por AD Luna

O físico, professor e comunicador de ciência Marcelo Girardi Schappo participou da edição #38, do programa InterD – ciência e conhecimento para falar sobre o livro “Um papo de cientista para jornalista: contribuições para o debate sobre jornalismo científico”. De acordo com ele, o principal objetivo é fornecer orientações práticas para jornalistas que desejam melhorar sua cobertura científica e, ao mesmo tempo, oferecer uma visão do cientista sobre a relação entre ciência e jornalismo. 

Questões pertinentes são abordadas, como a relutância de alguns pesquisadores em participar de reportagens midiáticas e a relevância da união entre cientistas e jornalistas. Outro ponto crucial que será tratado é como evitar a disseminação de informações científicas incorretas em materiais jornalísticos. 

O livro também explora de que forma o jornalismo pode contribuir para a formação de uma visão acessível sobre o conhecimento científico, evitando, ao mesmo tempo, abrir espaço para pseudociências ao tentar cobrir “os dois lados” de uma história.

Leia trechos da entrevista e, ao fim, ouça a entrevista completa no player do programa.

Como os jornalistas podem evitar a divulgação de informações científicas incorretas?

Essa pergunta me leva a refletir um pouco. Participei de matérias que veicularam informações errôneas em relação ao que eu disse. Inclusive, entre aspas, como se eu tivesse dito exatamente aquilo que estava escrito, mas na verdade não falei aquela informação incorreta. Isso me deixou preocupado, pois, afinal, sou um cientista.

Quando as matérias jornalísticas trazem informações erradas, especialmente sobre ciência, isso se torna problemático, pois atribuem ao cientista uma explicação que ele não deu. Então, como podemos evitar isso? Primeiro, é importante ter cuidado com as fontes. Os jornalistas devem buscar boas fontes científicas.

As boas fontes

O que quero dizer com boas fontes? Não é apenas ter um bom currículo, mas também ter habilidade para explicar conceitos de forma clara e estar disponível para fornecer explicações, quantas vezes forem necessárias.

Alguns cientistas são apressados, enquanto alguns jornalistas não insistem o suficiente. Se um jornalista não entendeu uma explicação, ele deve procurar a fonte e dizer: “Não entendi, você poderia explicar melhor? Pode tentar explicar de outra forma?” E o cientista utilizado como fonte deve estar disponível para essa discussão e explicação.

Nunca fechar as portas para um jornalista

Acho que a relação deve ser aberta. Digo a eles: “Se algo não estiver claro, volte, ligue para mim novamente, envie para eu verificar”. Portanto, o jornalista deve ter boas fontes científicas, tanto em termos de formação quanto de disponibilidade para explicar. Esse é o primeiro passo para evitar informações errôneas.

Revisão científica das matérias

O segundo passo seria ter algum tipo de revisão científica nas matérias jornalísticas sobre ciência. Entendo que na redação jornalística tudo é para ontem, é imediato, mas às vezes a pressa pode resultar em erros.

É necessário, às vezes, dar uma pausa, enviar o texto para revisão. Geralmente, me coloco à disposição para revisar as matérias em que participo e faço isso rapidamente quando solicitado. Isso é importante.

Estagiários de ciência nas redações

Outra alternativa interessante seria as redações jornalísticas contratarem estagiários de ciência. Não precisa ser muitos, talvez três ou quatro estagiários que possam fazer uma análise das matérias constantemente, estar atentos e também servir como uma ponte entre os jornalistas da redação e os professores pesquisadores nas universidades onde esses estagiários estão vinculados. 

Assim, teríamos alguém da área médica, nutrição, física, química, entre outros. O salário de estagiário pode ser baixo, mas a experiência adquirida seria valiosa para o currículo do estagiário, além de proporcionar uma revisão científica diretamente acessível com os pesquisadores nas universidades, o que contribuiria para uma revisão constante das matérias.

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Contratação de cientistas comentaristas

E ainda há uma terceira opção que eu gosto, que é a contratação de cientistas formados, e não apenas estagiários, pelos veículos de imprensa e redações. Por que não contratar cientistas graduados? Eles poderiam conduzir programas, criar seções, produzir séries e trabalhar na redação, gerando conteúdo e escrevendo, entre outras coisas.

Quando menciono essa ideia, algumas pessoas olham para mim com incredulidade, achando que é uma loucura. Por que uma redação contrataria um cientista? Por que uma emissora de TV contrataria um cientista? No entanto, essas emissoras e veículos de imprensa contratam ex-atletas e atletas para comentar e participar de programas esportivos, não é verdade?

Também contratam cientistas políticos para fazer análises de conjuntura, prever cenários políticos e votações, entre outras coisas. Portanto, há especialistas de várias áreas sendo contratados pela mídia e pelos veículos de imprensa. Por que não também contratar cientistas versáteis, disponíveis para participar, conduzir programas, criar seções, revisar materiais, produzir conteúdo, e assim por diante?

O cuidado com as pseudociências

Gosto muito de falar sobre esse tema e tenho me dedicado há muitos anos ao estudo das pseudociências. Dou palestras, participo de debates, escrevo bastante para a revista Questão de Ciência e até organizei um livro completo sobre o assunto, chamado “Armadilhas Camufladas de Ciência: Mitos e Pseudociências em Nossas Vidas”.

Portanto, acredito que esse tema está em pauta, embora muitas pessoas não lhe deem a devida atenção. Nós, cientistas, e também os jornalistas, precisamos estar atentos a isso e ajudar a esclarecer essas questões para a população. As pseudociências são estruturas que fazem afirmações sobre o mundo que aparentam ser científicas, mas não são.

Elas carecem de boas evidências científicas para sustentar suas afirmações, mas possuem uma aparência científica. Como? Por exemplo, elas se utilizam de ideias e vocabulário científico. São afirmações que parecem ciência, mas estão totalmente descontextualizadas, distorcidas, tudo para tentar dar uma aparência de validação científica a uma afirmação que não tem base sólida. Esse é o perigo, pois as pessoas em geral confiam na ciência, não é verdade?

Coaches quânticos

As pesquisas de percepção pública da ciência mostram que a confiança na ciência é significativa. Portanto, quando uma estrutura de afirmações se apresenta como científica, ela tenta convencer as pessoas a adquirir um produto, um serviço ou se submeter a um tratamento que aparenta ser científico, mas na realidade não o é.

Essas estruturas utilizam vocabulário específico, como coaches quânticos que prometem prosperidade por meio da física quântica, pulseiras quânticas de equilíbrio ou mesmo a astrologia, que vende serviços como mapas astrais e oferece conselhos sobre carreira e emoções, embora tais ideias não estejam embasadas em evidências sólidas. Não há boas comprovações científicas que demonstrem que os planetas influenciam traços de personalidade, por exemplo.

Tratamentos alternativos e danos à saúde

Diversos tratamentos alternativos de saúde também carecem de embasamento científico comprovado quanto à sua eficácia, e muitas pessoas acabam trocando tratamentos convencionais por alternativos, sem qualquer comprovação. As pseudociências são perigosas, pois aparentam ser científicas, mas, na verdade, suas afirmações não possuem fundamentos científicos sólidos.

Essas estruturas enganam as pessoas financeiramente, uma vez que elas adquirem produtos, serviços ou terapias que não oferecem, comprovadamente, o que afirmam.

Além disso, há também danos à saúde, pois as pessoas podem se submeter a tratamentos que não possuem qualquer comprovação. Por isso, é necessário combater as pseudociências, e os jornalistas podem contribuir nesse processo.

Cuidado com o “outro ladismo”

Em temas científicos bem estabelecidos, não existem dois lados válidos. Por exemplo, não há dois lados quando se trata da eficácia das vacinas, uma vez que existem estudos e evidências que comprovam sua eficácia. Da mesma forma, em questões como as atividades humanas nas mudanças climáticas e no aquecimento global, não existem dois lados.

Portanto, em assuntos científicos bem estabelecidos, não é válido recorrer ao “outroladismo”. Não há dois lados quando se trata de ciência e pseudociência, pois uma das partes é inválida, não possuindo boas evidências para sustentar suas afirmações. Essa postura contribui significativamente para evitar a disseminação das pseudociências.

É importante ressaltar que existem outras teorias que ainda não estão bem estabelecidas e estão em debate, e nesses casos é produtivo apresentar diferentes perspectivas para mostrar como a ciência funciona. Por exemplo, em questões em aberto na cosmologia moderna, como a explicação da matéria escura e da energia escura, é válido abrir possibilidades e discutir estudos e fenômenos relacionados.

Ouça a entrevista completa com Marcelo Schappo, autor de “Um papo de cientista para jornalista”

Listen to “Um papo de cientista para jornalista, com Marcelo Schappo – #38” on Spreaker.

Sobre Marcelo Girardi Schappo

É formado em Física pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), onde cursou também seu Mestrado e Doutorado na área. Atualmente, é professor do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Santa Catarina (IFSC) e coordenador do projeto de divulgação científica Astro&Física. Uma das atribuições do projeto é atender a mídia para esclarecimentos sobre temas de Física Geral, Física Moderna e Astronomia. 

Já acumula dezenas de participações em matérias sobre Ciência, além de ter roteirizado e apresentado a série “A História que o Céu nos Conta”, sobre a origem do Universo, produzido a convite da NSC Comunicação (rede afiliada da TV Globo em Santa Catarina), e de apresentar o quadro “Tudo é Ciência”, dentro do programa “A Tarde é Nossa”, no SCC (emissora afiliada do SBT em Santa Catarina).

“Um papo de cientista para jornalista” 

O livro “Um papo de cientista para jornalista” está disponível para aquisição no site do autor (www.professormarcelogs.com), assim como em outras plataformas de venda, como a Amazon. A obra também está disponível na forma de e-book, que pode ser lida por meio do aplicativo Kindle, sem a necessidade do dispositivo Kindle em si. 

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