Convivência entre religião e ciência é possível? Pesquisador Derley Menezes participou de entrevista para programas do InterD na rádio Universitária do Recife e em podcast do projeto
Por Derley Menezes Alves*
A convivência entre religião e ciência é possível? Sim. Temos vários exemplos históricos dessa convivência. Alguns estudiosos das relações entre ciência e religião apontam que a imagem de um conflito fundamental do qual em geral a ciência sai vitoriosa não é tão verdadeira. Existem vários exemplos. Mais uma vez, o ocidente é o local no qual essas relações se desenvolveram com maior intensidade. Os grandes exemplos que alimentam essa imagem de um conflito necessário são os casos de Galileu e de Darwin.
Ouça “Ciência, religião, espiritualidade e budismo com Derley Menezes – #04” no Spreaker.
Dentro da literatura sobre o assunto tem dois livros se destacam, ambos do século XIX. History of the Conflit between Religion and Science de John William Draper e A History of the Warfare of Science and Religion de Andrew Dickson White.
Graças a estas obras temos a tese da hostilidade mútua entre ciência e religião ou tese Draper-White. A visão mais amplamente aceita das relações entre ciência e religião como áreas antagônicas começa com esses autores, mas temos nos últimos anos muitos estudos que põem em xeque essa leitura.
Desde Agostinho temos bases para acomodar ciência e religião. Este grande teólogo e filósofo elaborou a doutrina da acomodação segundo a qual o espírito santo se acomodava ou se adaptava a linguagem e terminologia das coisas como nós as vemos em cada época de modo que teríamos uma imagem do mundo e uma visão de mundo.
A imagem do mundo é aquela mecanicista que sempre pode se aprimorar e a visão de mundo fala sobre valores e princípios. Essa distinção vai ser usada por Copérnico e Galilei em defesa de suas pesquisas científicas.
Até onde sei, todos os principais atores envolvidos naquilo que a gente chama de revolução científica da modernidade eram cristãos e não acreditavam que estavam trazendo dúvidas acerca da fé cristã.
Alguns outros aspectos que minimizam a força dessa tese da hostilidade são: as relações entre ciência e religião sempre foram muito mais complexas do que a tese sugere até mesmo nos casos de Galileu e Darwin podemos perceber que essas relações mais complexas mostram outros aspectos além da defesa da ciência ou da religião presentes em cada caso.
Normalmente existem questões de poder e disputas por espaços de poder que são tão relevantes quanto o conflito entre teses cientificas e religiosas.
Sempre é bom perguntar: se desde Agostinho é possível acomodar ciência e religião, por que ocorreu todo esse conflito com Galileu e Darwin? Certamente há algo mais além de mera divergência teórica.
Retomando o que eu falei no começo, existem casos muito bem documentados de momentos nos quais religião e ciência viveram em harmonia.
Exemplos podem ser vistos na ciência do século XVII com nomes como Newton, Pascal, Mersenne e no século XIX podemos citar nomes como Faraday, Joule, Maxwell entre outros.
Importante deixar claro que isso não quer dizer que não há conflito. O conflito é real, porém não é sempre que ele resulta de diferenças de pensamento.
Além do que, temos cientistas religiosos, temos professores e pesquisadores também religiosos, de modo que ateísmo não é pré-requisito para ser cientista, em resumo, as relações entre ciência e religião são muito complexas para que a gente só entenda como relações de conflito.
Pesquisadores da religião e da mitologia como Joseph Campbell e Karen Armstrong falam que há uma confusão entre o logos e o mito. Tanto religiosos (em especial, fundamentalistas), quanto ateus críticos da religião parecem confundir as duas coisas e, assim, causarem os conflitos que vemos na atualidade. Poderia comentar a respeito?
Bom, eu estou entendendo a questão como se referindo a especificidade do logos enquanto discurso racional mais ligado ao estudo da natureza e mito como sendo um discurso que busca produzir sentido para a vida mediante o simbólico, não sendo seu objetivo explicar a natureza.
Nesse sentido confusão seria dupla: os fundamentalistas pretendem que o discurso religioso simbólico seria na verdade uma narrativa objetiva sobre o mundo e os ateus tentariam ler o discurso religioso a partir do modelo investigativo naturalista e racional.
Acredito que nenhuma dessas leituras é correta, mas o fundamentalismo religioso tende a ser mais prejudicial, como o negacionismo envolvendo a pandemia movido por discursos religiosos deixa bem claro.
Por outro lado, há um ateísmo que podemos chamar de ingênuo que faz uma crítica a estereótipos de religião, não reconhecendo que religião é mais do que a teologia da prosperidade no caso do cristianismo.
E o pior é que essa polêmica não é apenas de ideias, existem projetos de poder envolvidos, especialmente no campo religioso.
*Derley Menezes é doutor em Ciências das Religiões pela UFPB, autor do livro “Nietzsche e o Budismo – Entre a Imanência e a Transcendência”
Nietzsche e o Budismo – Entre a Imanência e a Transcendência
Por Derley Menezes Alves
O livro Nietzsche e o Budismo: entre a imanência e a transcendência apresenta uma nova perspectiva acerca da relação entre Nietzsche e o budismo. Nele o autor investiga em primeiro lugar as fontes lidas pelo filósofo alemão de modo a oferecer ao leitor uma visão mais clara acerca do contato real que Nietzsche teve com o budismo.
Em seguida, a partir desta base, temos uma comparação entre o budismo conhecido por Nietzsche e sua filosofia tendo como fios condutores os conceitos de imanência e transcendência.
Trata-se de uma obra importante para estudiosos de orientalismo e das conexões entre filosofia e religião para além das tradições monoteístas.
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