Ciência e saúde

Conhecimento ancestral e práticas sustentáveis são soluções para a perda de biodiversidade

Nos últimos anos, o interesse acadêmico pelas comunidades tradicionais cresceu exponencialmente. Em 2022, a produção científica sobre o tema atingiu seu pico, com o Brasil e a Índia liderando tanto em publicações quanto em estudos sobre as populações tradicionais

Por Everton Silva, Universidade Federal do Pará (UFPA); José Max B. Oliveira-Junior, Universidade Federal do Oeste do Pará (UFOPA); Leandro Juen, Universidade Federal do Pará (UFPA) e Mayerly Alexandra Guerrero Moreno, Universidade Federal do Oeste do Pará (UFOPA)

Mais de um terço das áreas de alta biodiversidade no mundo estão localizadas em territórios habitados por comunidades tradicionais. Na Amazônia, práticas ancestrais de manejo sustentável têm se mostrado tão eficazes quanto áreas protegidas formais na conservação de ecossistemas.

Essas populações, com suas práticas e profundo conhecimento sobre os recursos naturais, desempenham um papel crucial na preservação ambiental, mesmo sendo frequentemente negligenciadas nas políticas públicas.

Em um cenário onde as mudanças climáticas e a perda de biodiversidade avançam em ritmo alarmante, reconhecer e incorporar as contribuições dessas comunidades é indispensável. Este tema torna-se ainda mais relevante diante do Acordo de Kunming-Montreal, que reforça a importância de soluções inclusivas baseadas no conhecimento local para preservar os ecossistemas e garantir um futuro sustentável.

Buscando entender o papel essencial das comunidades tradicionais indígenas e não indígenas na conservação da biodiversidade, realizamos uma análise sistemática da literatura científica, com a revisão de 519 artigos, entre 1994 e 2024. A análise deu origem ao artigo “The Importance of Traditional Communities in Biodiversity Conservation”, disponível na revista Biodiversity and Conservation.

Contribuições das comunidades tradicionais

Nos últimos anos, o interesse acadêmico pelas comunidades tradicionais cresceu exponencialmente. Em 2022, a produção científica sobre o tema atingiu seu pico, com o Brasil e a Índia liderando tanto em publicações quanto em estudos sobre as populações tradicionais.

Essas publicações demonstram que terras geridas por comunidades tradicionais apresentam níveis de biodiversidade comparáveis aos encontrados em áreas protegidas. As práticas sustentáveis, como o manejo florestal, a pesca responsável e o uso de plantas medicinais transmitidas entre gerações, bem como o desenvolvimento de estratégias de baixo impacto ambiental, como o ecoturismo de base comunitária e o extrativismo familiar, evidenciam a possibilidade de equilíbrio entre o uso humano e a conservação ambiental.

Nosso estudo destacou cinco áreas principais em que as comunidades tradicionais contribuem para a conservação da biodiversidade:

1. Manejo agroflorestal: Sistemas agroflorestais que combinam árvores, cultivos agrícolas e vegetação nativa, promovendo a conservação do solo e aumento da biodiversidade. Ao mesmo tempo, práticas como a pesca sustentável garantem a renovação de estoques pesqueiros e o equilíbrio ecológico.

2. Tradições culturais e espirituais protegem florestas e espécies vulneráveis: Tabus, áreas sagradas e rituais espirituais protegem ecossistemas vulneráveis e espécies ameaçadas, reforçando a conexão humana com o meio ambiente.

3. Restauração de habitats: Técnicas como rotação de culturas e reflorestamento com o plantio de vegetação nativa, assim como as restrições temporárias de colheita e proteção de etapas vulneráveis de algumas plantas e animais, tanto terrestres quanto aquáticos, ajudam a recuperar áreas degradadas e a mitigar a perda de biodiversidade.

4. Monitoramento comunitário adapta práticas às mudanças ambientais: Observação e monitoramento local de mudanças ambientais permitem respostas rápidas e adaptativas para gerenciar os recursos. Essa abordagem pode aumentar a precisão dos dados coletados e fortalecer o engajamento comunitário na conservação.

5. Educação ambiental e integração de saberes: Transmissão de valores entre gerações e o desenvolvimento de programas híbridos que combinam conhecimentos tradicionais e científicos fortalecem práticas sustentáveis. Essas contribuições vão além da biodiversidade, são soluções práticas, adaptáveis e culturalmente relevantes para os desafios ambientais atuais.

Desafios, injustiças e um chamado à ação

Apesar de suas contribuições, as comunidades tradicionais indígenas e não indígenas enfrentam sub-representação na ciência. Apenas 0,57% das publicações analisadas incluem autores dessas populações, expondo uma prática conhecida como “ciência ou pesquisa de paraquedas”, quando dados são coletados sem o envolvimento ou benefício justo para as comunidades locais.

O estudo destaca a urgência de mudar essa dinâmica, promovendo equidade, respeito aos direitos territoriais e a inclusão dessas comunidades como protagonistas na formulação de soluções ambientais.

Integrar o conhecimento tradicional às soluções científicas não é apenas eficiente, mas também é uma questão de justiça social. Essas comunidades mostram que é possível viver em harmonia com a natureza, oferecendo modelos concretos de gestão, sustentabilidade e conservação.

Agora é o momento de reconhecermos e valorizarmos esses guardiões da biodiversidade. Somente ao incorporarmos suas práticas e conhecimentos será possível enfrentar os desafios ambientais globais, promovendo um futuro sustentável onde justiça e conservação caminhem juntas.

Everton Silva, Doutorando no Programa de Pós-Graduação em Ecologia, Universidade Federal do Pará (UFPA); José Max B. Oliveira-Junior, Professor Adjunto IV no Instituto de Ciências e Tecnologia das Águas (ICTA), Universidade Federal do Oeste do Pará (UFOPA); Leandro Juen, Professor Associado III de Ciências Biológicas, Universidade Federal do Pará (UFPA) e Mayerly Alexandra Guerrero Moreno, Doutoranda em Sociedade, Natureza e Desenvolvimento, Universidade Federal do Oeste do Pará (UFOPA)

Este artigo é uma republicação do site The Conversation por meio de uma licença Creative Commons. Leia o artigo original clicando aqui.

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