Como pensam os cientistas? Professores da UFPE explicam em livro

 Como pensam os cientistas? Professores da UFPE explicam em livro

Os professores da UFPE Wendel Pontes e Ulysses Albuquerque. Divulgação

Como pensam os cientistas? Neste Dia Nacional do Livro, a gente republica entrevista sobre livro no qual professores da UFPE respondem à pergunta

Por AD Luna

“A incompreensão da ciência custa vidas. Esta talvez seja a lição mais evidente da tragédia global – e, de modo agudo, nacional – da COVID-19. E o que mata e destrói não é só a incompreensão do que a ciência diz, mas principalmente a ignorância de como e por que a ciência diz o que diz. Numa sociedade permeada por ’fake news’, nenhum apelo à palavra-chave ‘científico’ está acima de suspeita. Identificar impostores e mal-entendidos nunca foi tão crucial”

O texto acima, escrito pelo jornalista e editor-chefe da revista Questão de Ciência, Carlos Orsi, abre o prefácio do livro “O que você precisa saber sobre ciência para não passar vergonha” (Nupeea). O biólogo entomologista e professor da UFPE Wendel Pontes, um dos autores, participou da primeira edição de 2021 do programa InterD – música e conhecimento, que é veiculado na Universitária 99,9 FM do Recife e nas principais plataformas digitais, todas as quartas, às 20h.

Ouça o programa com o professor Wendel Pontes

Pontes começou a escrever a obra a convite do também professor Ulysses Albuquerque, pouco depois da eclosão da pandemia do novo coronavírus no Brasil, quando as atividades presenciais foram suspensas.

O livro busca apresentar de maneira simples e rápida o que é ciência, como os cientistas pensam e trabalham a fim de obter determinados resultados e as características do pensamento científico.

“A ciência é mais do que um corpo de conhecimento, é um modo de pensar” – Carl Sagan

Como exposto por Orsi, no trecho de abertura citado, um dos grandes problemas da contemporaneidade é a ignorância generalizada que se têm a respeito do pensamento e do método científicos. É um desconhecimento que atinge pessoas dos mais variados níveis de renda, escolaridade e ocupação.

Muito dessa situação reflete-se, por exemplo, em atitudes como a de se receitar e medicar-se com remédios sem eficácia comprovada contra a covid-19, baseadas em relatos pessoais e associações indevidas de causa e efeito  (“minha tia tomou cloroquina e ficou curada, logo a cloroquina funciona contra os efeitos do novo coronavírus”); desconhecimento do significado de termos usados em contextos científicos (confundir teoria com hipótese, por exemplo) e de falhas e vieses cognitivos característicos da espécie humana.

O livro está dividido em quatro capítulos

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No primeiro, “Como nossa mente funciona ou por que a ciência precisa existir”, Pontes e Albuquerque abordam “defeitos de fábrica universais” comuns em todos nós. Citando Thomas Kida, autor de outro livro, “Não Acredite em Tudo o que Você Pensa” os biólogos apontam seis erros básicos que cometemos ao pensar:

Preferir histórias a estatísticas

Procurar confirmar nossas ideias em vez de questioná-las (o famigerado viés de confirmação)

Pouca valorização do acaso e das coincidências

Sermos enganados por nossas próprias visões de mundo

Simplificação de raciocínios

Confiar demais em nossas lembranças, que podem ser bem falhas

No segundo capítulo, “Como os cientistas pensam ou por que nós somos tão chatos”, o livro explica a razão de a ciência ser tão rigorosa nos seus critérios.

Em “Deixando-se levar pelo canto das sereias”, Ulysses e Wendel passeiam por dois casos emblemáticos relacionados ao desconhecimento a respeito dos mecanismos de investigação da ciência. “O caso terrível e vergonhoso da fosfoetanolamina (‘a pílula do câncer’) e, o mais recente, a apologia à cloroquina – que é, obviamente um grande fracasso”, expõe Pontes, na entrevista ao InterD.

O último capítulo, “Onde estão os cientistas e o que eles precisam para trabalhar”, busca esclarecer como é a rotina e a vida daqueles que trabalham fazendo pesquisas.

Pensamento científico é negligenciado

Somos rodeados por ciência por todos os lados, praticamente tudo o que usamos foi produzido por tecnologias vindas de pesquisas. Mas, curiosamente, o pensar científico é algo bem negligenciado em nossa sociedade.

Para Wendel Pontes, metodologia científica deveria ser uma das disciplinas mais cobradas em todos os cursos.

“Ela é a base para o que você venha a fazer depois de terminar o curso, seja você um cientista ou não. O modo de pensar científico transcende graduações. Ele é, digamos assim, de utilidade pública. Você dá o direito de a pessoa entender como a ciência funciona e como confiar em determinadas informações”, defende.

“Se comunicarmos apenas as descobertas e os produtos da ciência – por mais úteis e inspiradores que possam ser – sem ensinar o seu método crítico, como a pessoa média poderá distinguir a ciência da pseudociência?” – Carl Sagan

Pensamento científico e falha no ensino universitário

Pontes critica o modo como, de forma geral, a disciplina de metodologia científica é ministrada nas universidades brasileiras.

“Uma vez, vi um comentário na internet que é muito preciso. Um rapaz dizia que nós estamos passando muito tempo ensinando regras da ABNT, enquanto não ensinamos método científico”.

Médico não é cientista

Na sociedade brasileira e, talvez, em muitas outras, é comum as pessoas atribuírem um status de autoridade sobre conhecimentos científicos aos médicos, superior a quem de fato os detêm: os cientistas.

O professor explica que, quando está clinicando, profissionais médicos não estão trabalhando como cientistas. Ele ou ela está tratando doenças, salvando vidas utilizando-se de conhecimentos já existentes.

Mas, claro, isso não impede que um médico ou médica também trabalhe com pesquisas e aplique o método científico rigorosamente nessa atividade.

Admitir estar errado é doloroso e difícil

Por que é difícil convencer outras pessoas de que elas estão erradas, mesmo diante de evidências gritantes?

Para responder à questão, Wendel Pontes recorre ao neurologista Robert Burton, autor do livro “Sobre ter certeza – como a neurociência explica a convicção”. Nele, Burton aponta que a sensação de ter certeza, de estar certo, é emocionalmente tão intensa que acaba por nublar a percepção racional de enxergar as coisas como elas realmente são.

É preciso muita autocrítica e muito exercício para você admitir que está errado, de acordo com Pontes. Pois estamos emocionalmente apegados ao que acreditamos.

Por outro lado, também sentimos grande prazer ao apontar os erros de outras pessoas. Segundo o entomologista, usar o raciocínio ou argumentos bem embasados pode não funcionar quando queremos convencer alguém, pois os sistemas cerebrais alimentados pelas sensações de certeza são de cunho emocional.

“Como cientistas, tentamos nos disciplinar para que a gente não se apaixone pelas nossas ideias, hipóteses, e fiquemos abertos para mudar de opinião diante de qualquer outra informação que – bem feita, bem trabalhada – nos dê elementos para ficar em dúvida Essa é a essência do pensamento cético”.

“Aaah, mas isso é só uma teoria”

“Minhas teorias sobre a série X são as seguintes”, “o detetive Sherlock tem uma teoria sobre o crime”, “aaaah, mas a evolução é só uma teoria”. Basta um passeio por canais de vídeo como o YouTube, em caixas de comentários de sites, em cultos religiosos televisivos ou conversas do dia a dia para deparar-se com tais comentários.

Como já exposto aqui mesmo no InterD, pela doutora em zoologia Karin von Schmalz, em geral as pessoas usam o termo teoria como se fosse uma hipótese, palpite, opinião.

Mas teoria, num contexto científico, é um conjunto de informações que foram testadas e cujas hipóteses foram aprovadas por meio do método científico. 

A teoria da evolução, por exemplo, é uma teoria científica. De acordo com Wendel Pontes, tanto ela quanto outros corpos de conhecimentos são baseados em pesquisas de centenas de milhares de cientistas, que as confirmaram, em seus experimentos.

“Basicamente, todo o conjunto de informações em biologia são teorias. Um exemplo é a teoria celular. E o que é a teoria celular? Todo organismo multicelular é composto de pequenas células. As pessoas não caem em cima dizendo: ‘ah, mas mas isso é só a teoria’. Porque ela não tem uma carga emocional, filosófica religiosa, por trás”, observa Pontes.

Como funciona o método científico? O professor Wendel Pontes explica

Ouça “Como funciona o método científico? Com Wendel Pontes #02” no Spreaker.

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