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Como dialogar com um negacionista? Elika Takimoto fala a respeito
No livro “Como dialogar com um negacionista”, a autora não apenas defende que esse diálogo é possível como mostra que todos nós temos nossos próprios negacionismos inconscientes
Por AD Luna
@adluna1
Hoje em dia, mesmo com a acelerada evolução dos conhecimentos científicos, o mundo vive uma onda violenta de negacionismos.
Muita gente já até desistiu de conversar com quem insiste em propagar inverdades ou combater consensos científicos.
Mas você sabia que todos nós somos, de alguma forma, negacionionistas? É o que expõe a escritor e professora de física Elika Takimoto, no seu livro “Como dialogar com um negacionista”.
A gente já recebeu Elika aqui no InterD para falar sobre ciência. E agora vamos falar sobre negacionismos.
Abaixo, ouça a participação de Elika e leia a versão escrita da entrevista.
Ouça “Como dialogar com um negacionista, com Elika Takimoto #11” no Spreaker.
No início do seu livro, você mostra que na realidade somos todos negacionistas em determinados assuntos. Já entrevistei um psicólogo que afirma que nós humanos pensamos ser racionais, mas somos uma espécie tribal – preferimos estar de acordo com o que pensa nosso grupo do que com fatos e evidências. Poderia comentar a respeito?
Sim, perfeitamente. O ser humano não busca a verdade, o ser humano busca conforto.
Há várias situações onde a gente se sentiu extremamente desconfortável e tentou se desvencilhar dessa situação porque a verdade nem sempre traz conforto.
A pauta do meio ambiente é um grande exemplo disso. Teve uma reunião aqui no Rio, a Eco 92, que envolveu 178 países. De lá pra cá, tivemos várias outras. A mais recente foi em 2019, para discutir a questão do aquecimento global.
A gente tem acompanhado como essa questão é importante e como ela pode nos afetar. Há tempos, os cientistas falam que a gente precisa modificar radicalmente o nosso modo de viver, o nosso hábito alimentar.
E ouvimos isso como se não fosse com a gente. A maioria das pessoas assim se comporta continuamente. Continua consumindo plástico, às vezes, sem a menor crise de consciência. Continua comendo carne, mesmo sabendo que a indústria pecuária ataca o meio ambiente – temos provas científicas disso.
Enfim, pessoas que defendem, que se dizem do lado da ciência, desprezam resultados científicos quando o assunto não interessa ao conforto dela.
Esse assunto já é debatido há muito tempo… Você citou um psicólogo… No início do século 20, um psicólogo chamado Leon Festinger publicou o livro “A Teoria da Dissonância Cognitiva”, onde mostrava exatamente isso que a gente está debatendo.
Quando se está em uma situação que te gera desconforto, a nossa tendência é tentar escapar o mais rápido possível dessa situação, para ir a um lugar confortável.
E, muitas das vezes, o local onde está o desconforto é o local onde está a verdade.
Um exemplo que citei, [que] acho ser a pauta mais abrangente é a da questão ambiental.
O que estou querendo dizer é que o negacionismo não é algo de alguns seres humanos, o negacionismo é algo inerente ao ser humano.
Todos nós somos negacionistas quando o assunto nos interessa ou nos desinteressa.
Você falou que tem alunos negacionistas. Você consegue identificar as origens e motivações por trás dos negacionismos por eles expressados?
Sim, perfeitamente. Conversei muito com meus alunos e minhas alunas que se mostraram negacionistas e a origem disso veio pela internet.
Em algum momento, algum vídeo, algum texto entrou na bolha e esse texto interessou demais a essas pessoas.
São textos geralmente muito bem escritos. Essas pessoas sabem se comunicar muito bem.
São textos e vídeos com muita teoria da conspiração, que conspiram o tempo todo. Mas têm uma inteligência na linguagem que a pessoa vai se levando por aquela lábia, por aquela retórica.
O adolescente tem essa necessidade de ter uma inspiração, de ter um líder, está se encontrando como adulto, tem uma vontade de fazer parte do coletivo.
E encontra nesses nichos (não são todos, estou aqui falando, ainda bem, de uma minoria, por enquanto), um lugar onde ele se sinta confortável, acolhido.
O negacionismo organizado
Então, a origem e a motivação passam por aí. Agora o que tem de trás desses vídeos desses textos, que são teorias conspiratórias… Aí a gente está dentro de um negacionismo organizado.
Existe uma diferença entre o negacionismo nosso de cada dia – como eu falei, uma situação que a gente está vendo a verdade na nossa frente e não quer acreditar naquilo, desconversa, tudo mais. Pode ser uma questão particular, uma pauta ambiental, sobre o consumo de carne.
E tem o negacionismo organizado.
Essa galera que está na internet fazendo vídeos, textos, faz parte do negacionismo organizado. A origem dessa organização é política. Em alguns casos, conectados, com ligação com o fascismo. A gente tem que tomar muito cuidado.
Todo negacionista é fascista? Não. Existe uma grande diferença entre negacionista e fascista. Aliás, há muitos fascistas que não são negacionistas.
Mas, de vez em quando, dependendo do negacionismo, do nível que está e da motivação, se for uma motivação política, há conexão sim, com ideias fascistas. E tem que se tomar muito cuidado.
São todos os vídeos que têm conexão com o fascismo? Não, não são. Mas eu percebi alguma semente aí muito ruim.
Conseguiu mudar a mentalidade de alguns desses alunos negacionistas e como?
Sim, consegui. Creio eu que consegui um bom canal de diálogo, percebi uma mudança de comportamento. A negação diminuiu muito.
Como foi feito isso? Reconhecendo que a gente não tem na ciência um lugar de certeza. Dito de outra forma: trazendo para a sala de aula a história, a filosofia e até a sociologia da ciência.
E quando a gente estuda… Como falei aqui, na primeira pergunta que você colocou, o meu mestrado foi em história e o doutorado, em filosofia. Tudo puxado para a história e filosofia da ciência…
Quando a gente começa a ter contato com a história e a filosofia da ciência, temos uma outra visão do que vem a ser ciência.
Não esse campo das verdades, por exemplo. Isso é lenda, ou melhor, é um ponto controverso.
Só dentro da filosofia, há uma parte que se chama “A teoria das verdades”, que possui uma ampla bibliografia para discutir o conceito de verdade.
E como a gente está com consciência o tempo todo flertando com a verdade, esses conceitos são altamente controversos.
Então, em que medida a gente usando a ciência se aproxima mais da verdade?
Ou a gente descobre ou a gente produz verdade quando a gente estuda a ciência?
São perguntas que cabem. Quando a gente começa a estudar, volto dizer, a física, ciência, com um enfoque histórico filosófico, muitas perguntas surgem.
Por exemplo, todo conhecimento científico pode ser revisado?
É possível sermos objetivos? É uma outra pergunta. Porque, quando falamos do campo da objetividade, a gente contrapõe o campo da subjetividade.
É possível existir o lado objetivo sem lado subjetivo? É uma pergunta boa de se fazer.
Em que medida podemos dizer que a subjetividade do conhecimento científico foi afastada, se a ciência se faz por pessoas?
O que a ciência faz pode ser considerada imparcial? É uma pergunta boa de se colocar à luz da história da ciência.
Quando trabalhamos no coletivo, podemos minimizar a parcialidade? Porque não tem como se retirar, tirar o valor, a crença, o ser humano de um contexto de uma descoberta.
Um grupo homogêneo, por exemplo um grupo de homens brancos, tem capacidade de discernir os problemas de uma sociedade? É outra pergunta bacana de se fazer, com tantas pautas progressistas avançando, aprofundando tanto.
Um conhecimento verdadeiro é necessariamente um conhecimento confiável?
O fato de a ciência ser um produto social, é um impeditivo para que seja transmitida uma mensagem objetiva?
Olha, são perguntas que acho que são boas de serem debatidas com alunos e com alunas.
Volto a dizer, você mostra na teoria, contextualiza aquela teoria, histórico e filosoficamente falando, e essas perguntas surgem naturalmente em sala de aula.
Se fizermos acordos claros, impondo regras rígidas sobre o método a ser utilizado, e houver transparência no resultado, a gente não está diante de um conhecimento mais confiável? É uma pergunta boa.
Quando o cara diz que não acredita na ciência, a gente fala: “pois é, você de fato tem razão para não acreditar na ciência; temos vários fatos na história da ciência que mostram de fato um problema”.
Mas a ciência é muito ampla. Quando a gente fala em ciência, estamos falando em força da gravidade e de descoberta de vacina.
A gente fala em um trabalho, que pode ser solitário como o de Einstein, mas a gente pode falar em um trabalho coletivo, como o que está acontecendo com física de partículas no CERN – onde há milhares de físicos, cientistas, engenheiros trabalhando em torno de um mesmo problema.
Então é algo muito amplo. Acho que mostrar essa diferença, de tipo, de objeto de pesquisa, e como a gente pode fazer com que essa investigação fique mais confiável, trazer isso para sala de aula, desperta muito o interesse do negacionista.
Ainda mais do jovem negacionista, sobre como falei anteriormente, está buscando um lugar confortável, onde ele confie alguma liderança, inspiração.
Fazer o cara pensar é interessante com essas perguntas.
Mais outras. Por exemplo, considerar as preferências pessoais, na construção do conhecimento científico, é igual a dizer que a ciência não dispõe de nenhum mecanismo para atenuar essas preferências pessoais?
Isso é interessante. Porque, embora o campo da objetividade, seja, vamos colocar assim, uma ilusão, é como disse o Eduardo Galeano: “a gente precisa da utopia para continuar seguindo”. É algo que a ciência busca sempre, o campo da objetividade, uma verdade, digamos assim, universal.
Se é alcançável ou não é outra discussão. E a questão é: quais são os mecanismos que nós temos para alcançar essa verdade?
Mais uma outra pergunta: em que medida, opinião pessoal difere do conhecimento científico?
Essa é uma pergunta muito boa porque, quando a pessoa diz, “não acredito nisso que Galileu está falando porque é uma questão de opinião dele, a Terra pode estar parada no centro do universo…
…O primeiro aluno negacionista que eu tive [disse isso]. Quando comecei a falar sobre Galileu, ele falou que é uma questão de opinião.
Levei um susto. Porque foi, pela primeira vez na vida (em março de 2019), que durante meus 25 anos em sala de aula, [ouço] um aluno falar que é uma questão de opinião.
Para mim, o negacionismo só acontecia nas aulas de história, com o pessoal que começou negando a ditadura. Daí chegou nas aulas de física, estão negando o movimento da Terra.
Isso não foi considerado uma afronta para mim. Foi considerado um desafio.
Eu falei assim: “Caramba, ele chegou para mim!”. O fruto desse negacionismo organizado que eu falei também na resposta anterior.
Então, ao trazer essas perguntas, eu acho que a gente contempla os dois lados do diálogo: tanto a pessoa que está fazendo uma defesa, que eu acho ingênua, da ciência… A defesa que estão fazendo da ciência é um desserviço para as nossas pautas.
Defender a ciência só pelo viés utilitário que ela possui, é um desserviço. Porque a gente tem várias ciências, como a ciência básica, as ciências sociais também, que não necessariamente têm uma aplicabilidade industrial.
E é bom, é legal você estudar ciência porque você entende melhor a natureza, porque você estudando ciência faz questões como essas todas que eu fiz aqui. Porque você conhece melhor a si próprio, começa a pensar sobre qual o seu papel diante de um objeto de estudo. Até que ponto você consegue conhecer melhor a realidade.
Não necessariamente isso é interessante porque vai gerar uma aplicabilidade, um wi-fi, conforto para o ser humano. É legal porque gera conhecimento.
Então, trazendo esse tipo de questionamento, de debate, e ouvindo principalmente o que esse aluno negacionista tem a dizer, eu consegui sucesso para também ser ouvida.
Porque inicialmente eles não querem ouvir. A gente sabe, como profissionais que trabalham com educação, que não existe aluno burro. Existe aluno que não está muito bem motivado para aprender.
Acho que o grande desafio é descobrir como virar essa chave. Posso dizer que tive histórias de sucesso com muita paciência dentro de sala de aula.
Desde Carl Sagan, vários divulgadores e divulgadoras da ciência têm falado que a população poderia estar menos suscetível ao negacionismo se tivesse mais educação científica, no sentido de entender como o método e o pensamento científico funcionam. O que pensa sobre isso e que sugestões teria para dar a respeito?
Bom, eu conheço muita coisa sobre isso. Sobretudo que o ambiente intelectual deve primar pelos múltiplos saberes. Deve primar pela arte, pelo teatro, pelas letras, poesia, matemática, física, filosofia, dança, pelo ensino de Libras, pelo esporte, pela química, história, biologia, entre outras disciplinas e saberes.
No entanto, mais do que isso, acho que a gente precisa repensar as metodologias, a escolha desses conteúdos que estão sendo abordados em sala de aula.
Ensinar física, por exemplo, com um conhecimento inquestionável, objetivo, absoluto e como uma imagem da realidade, é servir a uma linha de pensamento chamada positivismo.
Um positivista acha que a ciência é uma atividade superior em relação a todas as demais e a única responsável pelo progresso da sociedade.
Quando se estuda história e filosofia da ciência, a gente percebe que defender essa linha de pensamento, é desconsiderar inúmeros fatos, em grande parte da história.
Inclusive ser preconceituosa em relação a outros saberes. Lideranças indígenas como Ailton Krenak, que é ambientalista, filósofo, poeta e escritor do povo krenak – que hoje vive às margens do Rio Doce, lá em Minas Gerais – falam há tempos sobre o negacionismo do homem branco em relação a outros saberes.
Por exemplo, muitos povos de diferentes matrizes culturais têm a compreensão holística do universo. Ou seja, não há o ser humano vivendo no planeta Terra, como coisas essencialmente separadas.
Somos, dizem indígenas, uma mesma entidade. A gente respira e a gente vive com o planeta Terra.
E alguns até usam sintomas presentes em vários animais para explicar o que está acontecendo com esse Uno: estamos febris. É assim que muitos falam.
Mesmo um bebê fofo e lindo usa fraldas, tecidos, produtos de higiene que estão, de algum jeito e algum lugar, como disse o Krenak, “comendo a Terra”.
Ou seja, involuntariamente, um neném já ajuda a depredar o planeta e é muito difícil ouvir essa verdade.
É comum vermos as pessoas fugindo desse debate, porque isso gera, como já falei lá atrás, a dissonância cognitiva.
Eu acho que é necessário observar uma coisa que é importante: os profissionais de educação precisam ter uma formação continuada.
Como a gente está testemunhando, a sociedade muda muito rápido e a escola precisa se adaptar a essas mudanças.
Então, para além disso, há uma carência de disciplinas como história, filosofia e sociologia da ciência nos cursos de licenciatura, de física, matemática, química e biologia.
Eu, por exemplo, fui avançar nessas leituras somente quando tive oportunidade de fazer o mestrado e o doutorado.
E a gente sabe que muitos professores e professoras deste País, por conta da carga horária de trabalho, dos péssimos salários, não têm sequer tempo ou condições para fazer pesquisas como essa.
Por que estou falando isso? Porque se a gente só considerar o conhecimento científico – pode ficar fazendo os melhores laboratórios, os melhores vídeos, as melhores experiências, o que é muito legal -, sem considerar a história e a filosofia da ciência, as escolas acabam se tornando propagadores de uma visão muito limitada da ciência.
Há pessoas defendendo a ciência de uma forma muito errada, muito ingênua, falando que ela é neutra, livre de hipóteses, é infalível.
E a gente sabe que dar esse peso, esse caráter objetivo, não procede da forma que a pessoa que está defendendo a ciência geralmente imagina que aconteça.
Quando consideramos que a ciência está sempre sujeita a mudanças, esse papel transformador – para a gente também ser agente dessa mudança de uma sociedade melhor, onde a ciência tem o compromisso com o meio ambiente, de diminuir a desigualdade social – é considerado e estimulado.
E, dado tudo o que a gente está vendo, acho importante para além do conhecimento científico, a gente formar pessoas que tenham essa preocupação também, com o mundo e com outras pessoas.
Pessoas mais empáticas, que estejam mais abertas a trabalhar coletivamente e pelo coletivo.
Mas ainda, a gente percebendo a ciência como um processo criativo e social – e a gente só consegue perceber isso quando trabalhamos a história e a filosofia da ciência também em sala de aula -, sem contudo negar que há verdades sendo produzidas ou descobertas, a gente vai debater não somente sobre as verdades do universo, que é importantíssimo essa formação científica como você está colocando, mas também sobre as condições e as possibilidades de evocar essas verdades.
Eu acho que o mundo está precisando muito disso. É necessário entender que a estrutura, já constituída, que a gente vê no mundo, está sempre sendo reavaliada, melhorada, modificada.
Uma boa questão que a gente pode colocar é: como podemos evoluir nas técnicas e condições que levam às soluções dos nossos problemas?
Ou ainda: como podemos confiar na ciência sem perder a capacidade de criticar a prática científica? Porque, pela história da ciência, a gente vê que tem muitas coisas erradas que já aconteceram. E quiçá acontecem dentro de vários ambientes onde a ciência é produzida.
E você pode e deve se meter para transformar essa realidade. Para que esse conhecimento que a gente almeja que seja universal, atenda, modifique para melhor, de maneira universal e democrática, a vida de todas as pessoas desse planeta.
Haveria uma lista de passos, digamos assim, que poderíamos seguir quando nos deparamos com, por exemplo, um parente que nega a eficácia das vacinas?
Olha, receita de bolo a gente não tem, ok? Muita gente está comprando meu livro, “Como dialogar com um único negacionista”, achando que vem aí um tutorial de como matar um negacionista. E está longe de ser isso.
O que eu estou pretendendo trazer são alguns questionamentos e algumas reflexões para ambos os lados – tanto negacionistas quanto as pessoas que estão fazendo uma defesa, acho eu, ingênua da ciência.
Agora, em relação a uma só pessoa que está se recusando a tomar a vacina, a gente precisa ouvir o que está acontecendo com ela.
A gente sabe, por exemplo, que tem muitas lideranças religiosas – que não são todas, mas são muitas – que estão disseminando fake news, falando que a vacina é feita de fetos que foram abortados.
Isso é extremamente sério, porque às vezes a gente está numa comunidade [onde] uma pessoa que não teve uma educação formal tem um contato muito limitado com várias outras. E onde essa pessoa recebe mais atenção é exatamente na igreja.
E aí, quando pega uma liderança religiosa, o pastor, uma pessoa na qual ela confia muito, falando que a vacina é feita de fetos que foram abortados, ela vai acreditar naquilo.
É uma pessoa que ela confia falando isso. A pergunta que se faz é como se disputa com essa pessoa. Como é que a gente entra nesse campo?
E a resposta não se dá no individual. A resposta vai ser dada no coletivo.
Para a gente atingir uma pessoa que tem essa característica que eu coloquei, ou seja, com valores e crenças muito bem enraizados, não vai ser na escola que a gente vai conseguir modificar isso. De repente, essa pessoa até já passou da idade de estar na escola.
Sei que temos educação para adultos. Mas, bom, vocês me entenderam… Ela nem pretende mais pisar na escola, vamos colocar assim. Qualquer coisa envolvendo educação é muito demorada, não é imediata.
A educação sozinha não vai conseguir resolver. Talvez nem chegue perto de uma pessoa como essa. A educação formal que eu falo é a escola.
Então a gente vai precisar da imprensa, do rádio, das novelas, desse material audiovisual que está sendo gerado. A gente vai precisar de muita coisa para mexer no coração dessa pessoa.
Não existe uma resposta simples para a gente dar conta desse problema super complexo que é a realidade. E, no caso, a pandemia.
Mas, dependendo de como seja a pessoa, acho que sempre vale a pena perguntar por que ela está desconfiada. E mostrar porque a gente pode confiar minimamente [nas vacinas].
Sem nunca debochar ou diminuir ou achar que a gente está conversando com uma pessoa burra, porque ela está negando a vacina. A gente pode, inclusive, se surpreender muito.
Não existe isso da pessoa negacionista ser burra.
Acho que isso é uma conexão que as pessoas estão fazendo que é um desserviço para a democracia. Não é uma questão cognitiva, é uma questão política, psicológica e social. Vai muito além da cognição.
Então é só ter paciência e humildade para a gente entrar nesse debate.
Professora e escritora Elika Takimoto, autora do livro “Como dialogar como um negacionista”, muitíssimo obrigado pela participação. E deixo você à vontade para as considerações finais.
Eu queria agradecer imensamente pela oportunidade desse diálogo. Achei que a conversa foi muito boa, é necessário a gente parar para fazer essa digressão.
Vocês percebem o quanto o assunto é complexo. A gente precisa ter calma para analisar, calma para pensar. Ter múltiplos olhares. A realidade é um polígono de infinitos lados.
A gente precisa ter exatamente o olhar de pessoas que estão em determinados lados desse polígono, para a gente dar conta da complexidade que é essa realidade.
“Como dialogar com um negacionista” está sendo vendido pela Editora Livraria da Física, está na Amazon. Em breve, estará na versão e-book.
O livro é fruto não só desses, mas de outros questionamentos, de outras angústias minhas que eu divido com vocês nele.
Não é um livro grosso. Procurei fazer um livro fino porque as pessoas hoje têm muita pressa, e deixei muitas indicações na bibliografia, se as pessoas quiserem aprofundar essas questões.
E antes de terminar eu queria só pontuar uma coisa aqui. Existe o negacionismo nosso do dia-a-dia, como eu já falei. Quando a gente nega, por exemplo, que temos responsabilidade nessa questão ambiental em relação ao aquecimento global, de uma forma geral.
E existe o negacionismo organizado, que é um negacionismo político, e que não acontece agora. Não veio com Trump nem com Bolsonaro. Ele já acontece há muito tempo.
A gente tem, por exemplo, um livro muito bacana da Naomi Oreskes – acho que não tem tradução para português -, “Os mercadores da dúvida”.
Ele aponta, por exemplo, vários casos de cientistas que foram pagos para disseminar a dúvida na sociedade, porque eles tinham interesse de alguma indústria para que gerassem essa dúvida.
Exemplo: a indústria do tabaco. A gente sabe que tiveram muitas pesquisas indicando a questão do câncer de pulmão com o consumo de tabaco, com o fato de a pessoa fumar.
E aí entra a indústria do tabaco, que tem muito interesse em continuar vendendo cigarro, paga cientistas, no caso, cinco físicos…. (Falo isso com dor porque sou da área física) para ir em programas de auditório, tipo esses que a gente vê, como Ana Maria Braga, Ratinho e outros, para exatamente disseminar uma dúvida, para dizer: “olha, nessa parte da pesquisa, que fala que o tabaco está conectado ao câncer, tem aí um problema metodológico”.
Se a pessoa fala isso num programa de auditório, quem está ouvindo não se importa se aquilo ali é 0,000001% da comunidade científica falando sobre isso.
A pessoa recebe aquilo como se fosse uma verdade, e começa a duvidar dos verdadeiros cientistas que estão de fato pesquisando sobre isso.
Esse negacionismo organizado tem duas características. Um interesse industrial, de lucro, muito intenso nisso, que vem sempre acompanhado da disseminação do suposto risco comunista.
Qualquer semelhança com a nossa realidade não é mera coincidência. Isso é uma estratégia, você começar a disseminar [frases como] “olha o perigo comunista, comunista não quer trabalhar, comunista quer ficar em casa”.
E, como a gente está acompanhando por aí, no nosso país, na CPI e tudo mais que a gente acompanhou, nas falas das pessoas, do chefe da nação, o quanto que foi interessante para esse governo disseminar o medo da vacina e quanto o que se lucrou com isso.
Era isso que eu queria pontuar. Existe o negacionismo no nosso do dia a dia e o negacionismo organizado.
Como se combate esse negacionismo organizado, que é um negacionismo político?
Se combate com muita atenção e também politicamente. E o que a gente fez aqui hoje é esse trabalho político.
A gente colocar esse dedo na ferida, apontar o que está acontecendo e pensar em como cada pessoa, com cada histórico que tem, com a vida, com a bagagem, com as malas que já carregou, consegue ser um agente para mudar essa realidade.
É isso. Obrigada mais uma vez, pela oportunidade do diálogo e parabéns pelo trabalho.