Ciência e saúde

Ciência, religião, espiritualidade e budismo com Derley Menezes; ouça

Religião e ciência podem caminhar em harmonia? O que é espiritualidade? Ela depende da crença em Deus ou deuses? Crenças que não contam com a presença de um Deus criador (como o budismo) podem ser classificadas como religião? Por que muitos ateus e religiosos interpretam mitos como se fossem “mentiras” ou “verdades históricas”?

Esses são os temas tratados no InterD – música e conhecimento, desta quarta (2), às 20h, na rádio Universitária FM do Recife, com a presença de Derley Menezes – doutor em Ciências das Religiões pela Universidade Federal da Paraíba.

Abaixo, leia uma versão editada da entrevista e ouça a entrevista completa no player.

Introdução

Olá, povo! Olá, pessoas! Eu sou AD Luna, e neste programa, vamos investigar a seguinte questão: é possível existir uma boa convivência entre ciência e religião? Para isso, convidei um especialista na área, que se apresentará em seguida.

Apresentação do Convidado

Agradeço o convite para falar um pouco sobre esses assuntos. Aproveito para cumprimentar AD Luna, o filho de Odin mais famoso do Brasil! Vamos começar nossa conversa. Meu nome é Derley Menezes Alves. Tenho graduação e mestrado em Filosofia, e no doutorado, fui para Ciência das Religiões na Universidade Federal da Paraíba. Atualmente, leciono no ensino médio e superior como professor de Filosofia.

O Que é Religião?

A questão sobre o que é religião é complexa. Não há uma definição geral que abranja toda a diversidade do fenômeno religioso. O mundo ocidental, marcado pelo cristianismo e o contato com outras religiões monoteístas (judaísmo e islamismo), influenciou a concepção de religião. No entanto, essa perspectiva não se aplica a todas as tradições, como o budismo, que não tem a crença em um Deus Criador nem a noção de salvação após a morte.

Diversas Perspectivas sobre Religião

Diversos estudiosos contribuíram para a compreensão do conceito de religião. Claus Roquet, em seu livro “Introdução à Ciência da Religião”, lista 50 definições diferentes, posteriormente oferecendo uma 51ª. A etimologia da palavra “religião”, derivada de “religare” (religar o homem ao Divino), é uma interpretação difundida, mas não universal. Cícero, por exemplo, definiu religião como o culto aos deuses, enfatizando o ritual.

A Religião como Construção Científica

Na Ciência das Religiões, a religião é vista como um termo que identifica diversos fenômenos distintos, necessitando de um estudo rigoroso. Algumas abordagens buscam um elemento essencial comum a todas as religiões (substância), enquanto outras focam nas funções e estruturas comuns (funcionalismo). Roquet propõe uma definição como construção científica, considerando dimensões éticas, sociais, rituais, cognitivas, intelectuais, sócio-políticas, institucionais, simbólicas, sensoriais e experimentais. Grech apresenta a religião como uma totalidade quadro, coisa viva em transformação, compreendendo comunidade, sistema de atos, conjunto de doutrinas e sedimentação de experiências.

Convivência entre Ciência e Religião

A convivência pacífica entre ciência e religião é possível, como demonstram exemplos históricos. A tese de Draper e White, do século XIX, sobre a hostilidade inerente entre ciência e religião, é questionada. Desde Agostinho, existem bases conceituais para acomodar ambas, com a doutrina da acomodação do Espírito Santo às diferentes linguagens e épocas. As descobertas científicas não necessariamente contradizem a verdade religiosa, mas exigem novas interpretações. A distinção entre explicações sobre a natureza (mecânica) e explicações religiosas (salvação da alma) foi usada por Copérnico e Galileu.

Conflitos entre Ciência e Religião: Política ou Teologia?

Apesar da possibilidade de coexistência, conflitos ocorreram, muitas vezes mais ligados a questões políticas e de poder do que a divergências teológicas. O caso de Galileu ilustra a complexidade dessas relações. A crítica à ciência por parte de religiosos nem sempre reflete diferenças de pensamento, mas sim disputas de poder e medo da perda de influência. A existência de cientistas religiosos demonstra a falta de incompatibilidade fundamental. Visões estereotipadas da ciência e da religião também contribuem para os conflitos.

Logos e Mito: Uma Confusão Prejudicial

Joseph Campbell e Karen Armstrong apontam a confusão entre logos (discurso racional, científico) e mito (discurso simbólico, religioso) como fonte de conflitos. Fundamentalistas interpretam o discurso religioso como literal, enquanto críticos o analisam com base no modelo científico. A filosofia, inicialmente voltada para a compreensão da natureza, muitas vezes se vinculou à religião. O fundamentalismo religioso, ao colocar a religião no mesmo campo da ciência, enfraquece-a, negligenciando seus aspectos simbólicos. O negacionismo científico, originário de alguns grupos religiosos, é um problema persistente.

Espiritualidade: Conceito e Significados

O termo “espiritualidade” surge no século XIX, inicialmente ligado à relação pessoal com Deus no cristianismo. Posteriormente, expandiu-se para outras religiões, como uma vivência pessoal distinta das práticas religiosas tradicionais. Um terceiro significado é mais amplo, distinto das religiões, adotado por novos movimentos religiosos e práticas de bem-estar, incluindo yoga, meditação e psicologia positiva. A prática de elementos religiosos sem aceitação de dogmas é possível, especialmente no budismo, com a meditação como exemplo.

Budismo: Religião ou Não?

A classificação do budismo como religião depende da definição adotada. A falta de um Deus Criador e a concepção diferente de alma em comparação com o cristianismo levaram alguns a negar seu caráter religioso. No entanto, essa visão ignora a complexidade do budismo, com sua cosmologia, práticas morais, e busca de estados superiores de consciência, similares à transcendência em outras religiões. O budismo não é monolítico, com diversas escolas e variações. A redução do budismo a elementos desprovidos de transcendência ou aspectos cosmológicos é uma simplificação equivocada.

Conclusão

A relação entre ciência, religião e espiritualidade é complexa e multifacetada. A coexistência pacífica é possível, mas conflitos podem surgir devido a questões políticas e interpretações equivocadas. A compreensão das nuances de cada conceito e a superação de visões estereotipadas são essenciais para uma convivência mais harmoniosa. O budismo, por sua diversidade e riqueza, ilustra bem a complexidade do fenômeno religioso e a importância de evitar reduções simplistas.

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